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O novo entendimento da SPU sobre áreas presumidamente da União

Esta análise detalha as mudanças introduzidas pelo ofício circular 2934/25 da SPU nacional, que uniformiza o entendimento sobre o domínio da União em áreas sem demarcação oficial.

26/12/2025
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O que muda com o novo entendimento administrativo da SPU sobre áreas presumidas da União: análise do ofício circular 2934 da SPU sobre imóveis da união em áreas presumidas.

Esta análise detalha as mudanças introduzidas pelo ofício circular 2934/25 da SPU nacional, que uniformiza o entendimento sobre o domínio da União em áreas sem demarcação oficial, alinhando-se à jurisprudência do STJ. O documento explora as repercussões diretas nos processos de inscrição de ocupação e os respectivos RIPs - Registro Imobiliário Patrimonial, incluindo a manutenção de registros existentes, a suspensão de novas inscrições e a permissão para transferências, culminando na definição da usucapião como a nova estratégia processual a ser adotada nessas áreas.

O recente ofício circular C 2934, de 2025, estabelece uma mudança fundamental na atuação da SPU - Secretaria de Patrimônio da União. A SPU decidiu uniformizar administrativamente seu entendimento com a jurisprudência consolidada do STJ, que veta a existência de reconhecimento de domínio presumido da União sobre áreas que não possuem a LPM - Linha do Preamar Médio oficialmente demarcada e homologada.

Esta nova diretriz, que terá amplas repercussões, determina que a SPU não pode mais se declarar proprietária de áreas com base em presunção, exigindo para tanto o termo de incorporação. Conforme o item 3.1.2 do ofício, em consultas sobre áreas não demarcadas, a SPU deve agora emitir uma CND - Certidão Negativa de Domínio, fazendo constar a ressalva expressa de que a área em questão está sujeita a uma futura demarcação pela União.

Repercussões sobre processos de RIP em áreas não demarcadas

O ofício circular 2934 impacta diretamente nos processos de inscrição de ocupação, lembrando que a IN 03 de 2016 já vedava o regime de aforamento nessas áreas, em locais como Camocim no Ceará, que não possui a LPM de 1831 oficialmente demarcada. No Ceará, a superintendência da SPU prevê a conclusão do processo demarcatório até o final do ano de 2026, mas até lá, as seguintes regras passam a ser aplicadas:

Manutenção de RIPs existentes: Fica proibido o cancelamento ou a revisão automática de RIPs já constituídos em regime de ocupação apenas pela ausência da demarcação da LPM. Isso significa que o pedido de cancelamento do RIP não pode prosperar até que a linha seja oficialmente demarcada. Esta nova orientação é considerada um argumento decisivo contra o cancelamento.

Suspensão de novas inscrições: O ofício veda a criação de novas inscrições de ocupação em áreas não demarcadas. Como resultado, processos que tramitavam há anos, ficarão suspensos. Novos pedidos de inscrição serão negados.

Permissão para transferência de titularidade: A transferência de titularidade de RIPs já existentes continua permitida. Consequentemente, a SPU não pode emitir certidões de dispensa da CAT - Certidão de Autorização para Transferência de Titularidade, pois a transferência entre particulares permanece possível. A exigência da CAT continua válida mesmo em áreas sem demarcação e continua devendo ser exigida pelos tabeliães e registradores nas transações imobiliárias, de acordo com o decreto-lei 2.398/87.

Além disso, a comunicação oficial aos cartórios para alteração de procedimentos ou abertura de matrículas em nome da União só ocorrerá após a homologação da LPM e a emissão dos respectivos termos de incorporação.

O efeito colateral mais relevante do ofício é reorganizar o “caminho” disponível ao particular em áreas sem demarcação formal.

  1. Para quem não tem RIP: a via administrativa da inscrição de ocupação tende a ficar bloqueada, porque os pedidos devem ser indeferidos e substituídos por CND com ressalva.
  2. Para quem já tem RIP: há um reforço objetivo contra teses de cancelamento automático, pois o cadastro deve ser mantido ativo até homologação ou prova técnica inequívoca em sentido contrário.
  3. Para transações: permanece a possibilidade de transferência, com continuidade da CAT, o que preserva a dinâmica de mercado dos RIPs regulares já constituídos.

Estratégia jurídica adaptativa: A usucapião

Diante da suspensão de novas inscrições de ocupação pela SPU, a estratégia jurídica recomendada para a regularização de imóveis em áreas não demarcadas passa a ser a usucapião. A discussão aponta para a viabilidade da usucapião extrajudicial, realizada diretamente em cartório, como uma alternativa.

A nova diretriz da SPU invalida a antiga prática do órgão de impugnar processos de usucapião com base em domínio presumido. Anteriormente, a SPU poderia contestar a posse alegando que a área pertencia à União, mesmo sem demarcação. Agora, sem essa presunção, a impugnação por parte do ente público torna-se mais complexa, exigindo a comprovação de que a área foi devidamente incorporada ao patrimônio público por meio de um processo discriminatório legal e o termo de incorporação.

Repercussões registrais e notariais

O ofício circular é particularmente enfático ao disciplinar a interface com o sistema extrajudicial:

  1. É vedado às SPUs Estaduais expedirem ofícios ou orientações aos cartórios dispensando a exigência de CAT sob o argumento da ausência de demarcação.
  2. A comunicação oficial para alteração de procedimentos ou abertura de matrículas da União somente ocorrerão após a homologação da LPM ou LMEO, mediante emissão dos Termos de Incorporação.
  3. Ainda assim, admite-se comunicação esclarecedora para reafirmar que, havendo transferência de ocupações regularmente inscritas e mantidas pela SPU, a exigência e a emissão de CAT continuam válidas mesmo sem LMEO ou LPM posicionada.

Do ponto de vista normativo, essa manutenção da CAT se harmoniza com o regime do Decreto-Lei nº 2.398/87, que já estrutura a lógica de controle patrimonial nas transferências envolvendo ocupações e aforamentos, e reforça a necessidade de cautela dos tabeliães e registradores na exigência da apresentação da CAT.

Conclusão

O ofício circular SEI 2934/25/MGI consolida uma diretriz nacional clara: sem LPM ou LMEO formalmente posicionadas, não há espaço para novas inscrições de ocupação, devendo a SPU indeferir pedidos e emitir CND com ressalva de futura demarcação.

Em contrapartida, preserva-se a estabilidade do acervo patrimonial já constituído, ao proibir cancelamentos automáticos de RIPs existentes e ao manter plenamente funcional a transferência com emissão de CAT, inclusive com orientação expressa para impedir qualquer “dispensa administrativa” dirigida aos cartórios.

Do ponto de vista estratégico, o cenário impõe uma reorientação: em áreas não demarcadas, a regularização via SPU tende a ficar travada para novos ingressos, enquanto a via possessória e registral, com destaque para a usucapião (judicial e, quando tecnicamente viável, extrajudicial), ganha centralidade como mecanismo de estabilização dominial entre particulares.

Em suma, o ofício circular 2934 aumenta a previsibilidade administrativa, reduz a margem para soluções precárias baseadas em indefinição demarcatória e exige do advogado uma atuação ainda mais técnica: separar casos com RIP ativo daqueles sem RIP, estruturar a prova possessória e registral para estratégias de usucapião, e manter a CAT como eixo obrigatório de conformidade nas transferências envolvendo ocupações regularmente inscritas.

Autor

Victor Ponte Advogado formado pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, com especialização pela ESMAFE RS, mestre pela Universidade de Lisboa, autor do e-book "Regularização de Imóveis em Terrenos de Marinha"

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