O ano de 2025 ficará marcado como um momento crucial para o mercado de pagamentos no Brasil. Depois de um período de crescimento acelerado, inovação intensa e supervisão relativamente flexível, o Banco Central decidiu apertar os parafusos e redesenhar, de forma estrutural, o regime de entrada e permanência das IPs - Instituições de Pagamento.
E não se trata de um movimento isolado: em 2024, o Pix movimentou nada menos do que R$ 26,4 trilhões em mais de 63 bilhões de operações. Em 2025, o sistema chegou a registrar mais de 313 milhões de transações num único dia. Em escala sistêmica como essa, temas como rastreabilidade, segurança, governança e integridade deixam de ser questões operacionais e passam a ser pilares de estabilidade financeira.
É bom lembrar que casos não fiscalizados ocasionaram episódios como a recente Operação Carbono Oculto, na qual as fintechs e IPs eram usadas como intermediárias em esquemas de lavagem de dinheiro.
Foi nesse contexto que, em setembro de 2025, o Bacen publicou as resoluções BCB 494 e 495, promovendo uma mudança profunda na lógica regulatória das IPs. O modelo anterior, mais permissivo, concordava que empresas iniciassem suas operações e buscassem autorização somente quando atingissem determinados volumes de transações. Pois essa lógica foi oficialmente encerrada.
A resolução BCB 494 marca o fim da era do "crescer primeiro e regular depois". Agora, a autorização do Bacen deixa de ser um marco futuro e passa a ser condição obrigatória para o início das operações.
Na prática, isso muda o desenho econômico do go-to-market das IPs. O time-to-market se alonga, o capital precisa estar disponível desde o primeiro dia e o empreendedor passa a ter de financiar estruturas de governança, controles internos, tecnologia, segurança e o próprio processo regulatório, antes mesmo do primeiro cliente.
Para quem já está operando, o recado também é claro: as IPs em funcionamento deverão protocolar o pedido de autorização entre 1º e 31/5/26. Esse prazo não é para obter a autorização, mas para apresentar um pedido minimamente robusto. Quem deixar para a última hora corre o risco de enfrentar exigências adicionais, atrasos no processo e, no limite, a determinação de encerramento compulsório das atividades. Isso implicaria em ter de comunicar claramente o encerramento aos usuários e devolver eventuais saldos existentes em contas de pagamento, transferindo-os para contas de pagamento ou contas de depósito mantidas em instituições autorizadas pelo Banco Central.
Nesse cenário, o risco regulatório deixa de ser administrável e passa a ser existencial.
Já a resolução BCB 495 eleva significativamente o padrão de exigência. Assim, infraestrutura tecnológica, qualificação técnica dos administradores, governança, capital mínimo e patrimônio compatível passam a ocupar o centro da análise regulatória.
Um ponto especialmente relevante é a possibilidade de o Bacen exigir certificações técnicas ou avaliações emitidas por empresas independentes qualificadas para comprovação de requisitos. E o compliance, que era apenas documental, passará pelo crivo de validação de terceiros especializados, elevando o nível de confiança exigido pelo regulador e pelo mercado.
Além disso, a análise de idoneidade e expertise dos gestores vai além da experiência financeira tradicional, refletindo uma preocupação explícita do regulador com riscos de integridade e com a crescente sofisticação do crime organizado no uso de estruturas financeiras.
O novo custo de operar e a consolidação do setor
Com a elevação do padrão regulatório, o custo de compliance também sobe de patamar. Estima-se que os investimentos necessários possam variar entre R$ 500 mil e R$ 2 milhões, a depender do modelo de negócio e do nível de maturidade da empresa.
Esse novo cenário tende a acelerar movimentos de fusões, aquisições e parcerias. IPs menores, com boa base de clientes, mas baixa maturidade regulatória, podem buscar integração com players mais capitalizados e já conformes. Segundo dados do próprio Bacen, ainda existem dezenas de instituições que não solicitaram autorização ou estão em processo de análise, formando um estoque relevante de empresas que precisam agir rapidamente.
Do ponto de vista estratégico, 2025 também abriu oportunidades claras: para os capitalizados, a chance de liderar a construção do novo ecossistema regulado; para outros, a necessidade de repensar sua posição na cadeia de valor, seja por meio de parcerias, integração com instituições autorizadas ou atuação em nichos adjacentes.
Compliance digital e sede física: o fim da zona cinzenta
Outro marco de 2025 foi a elevação do compliance digital. Agora, as IPs passam a ter de demonstrar, de forma efetiva, infraestrutura tecnológica, políticas de segurança da informação, prevenção a fraudes, gestão de incidentes, controles sobre cloud computing e disseminação de cultura de segurança entre colaboradores e usuários.
Dessa forma, a proteção de dados extrapola os princípios da LGPD e começa a admitir auditorias independentes e certificações de segurança cibernética, exigindo evidências técnicas concretas sobre como os dados são tratados, protegidos e monitorados.
Além disso, o Bacen passou a exigir sede física exclusiva para as IPs, vedando coworkings e escritórios virtuais, salvo exceções dentro de conglomerados. Isso porque a sede física passa a ser entendida como elemento de rastreabilidade e accountability, não apenas de logística.
Se 2025 foi o ano da virada regulatória, 2026 será o ano da execução. A partir do novo ano, as IPs precisarão conduzir projetos completos de transformação, envolvendo diagnóstico jurídico-societário, governança, capital, tecnologia, segurança, AML, prevenção a fraudes e atendimento ao cliente.
Para novas instituições, o recado é ainda mais direto: o produto, o roadmap tecnológico e o plano de captação precisam nascer já alinhados ao cronograma regulatório. A autorização deixa de ser um passo posterior e se torna a largada.
Ao final de 2025, a mensagem do regulador é inequívoca: operar como se fosse grande, com compliance de startup, não é mais uma opção. A zona cinzenta foi extinta. Se a sua empresa quiser operar dentro das regras, precisará estruturar rapidamente um plano de adequação para cumprir as resoluções tratadas acima e fazer o pedido tempestivo da autorização do Bacen, que vai até o final de maio.
Isso porque, em 2026, estar fora do perímetro autorizado não será apenas um risco jurídico, mas um risco à própria continuidade do negócio e à confiança do mercado.