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Nova política de dados do WhatsApp levanta debate de abuso de poder econômico, avaliam advogados

Compartilhamento de dados com o Facebook foi anunciado na última semana.

14/1/2021

Um das novidades mais polêmicas do mundo da tecnologia neste início de 2021 foi o anúncio do WhatsApp de que irá compartilhar dados de seus usuários com o Facebook, dono do aplicativo de troca de mensagens.

Logo após a criticada mudança, informou-se que a novidade não afetaria a União Europeia, uma vez que existem acordos com organizações europeias dedicadas à proteção de dados.

De fato, como explica o advogado e economista Renato Opice Blum (Opice Blum, Bruno e Vainzof Advogados Associados), em comparação com o Brasil, na União Europeia “há uma cultura e uma fiscalização mais intensa”. Basta lembrar que o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (General Data Protection Regulation) é de 2016 e entrou em vigor em 2018. “A LGPD entrou em vigor só em setembro e a Autoridade Nacional está se estruturando ainda”, destaca Opice Blum.

Na nova política do WhatsApp, a regra é clara: quem não concordar com a mudança é “convidado” a apagar o aplicativo e desligar a conta. Para o advogado, a imposição draconiana pode ir parar no Judiciário.

É uma aplicação privada, mas quase que de utilidade pública, é uma novidade que temos no contexto atual e provavelmente o Judiciário vai equalizar. A LGPD dá duas opções: o consentimento e o legítimo interesse. A questão mais complexa, tormentosa, é com relação ao titular do dado; quando ele não concordar, a opção que ele tem é não usar.

As informações que agora serão compartilhadas com o Facebook incluem dados como IP, pagamento ou transação financeira, tempo de conexão e atualizações de status. Renato Opice Blum avalia que a alteração “pode estar em desacordo com o sistema mais complexo legislativo que envolve também a parte de antitruste, de abuso de poder econômico”.

Segundo a advogada Patricia Peck, head de Direito Digital da banca Pires & Gonçalves - Advogados Associados, há uma particularidade importante no caso do WhatsApp, qual seja, o fato de que exerce posição dominante e concentração de mercado: "Estamos ainda tratando de um cenário de monopólio com eventual barreira de entrada para novos competidores, o que também prejudica livre escolha dos titulares ou uma rápida transição para outros serviços similares."

Conforme a causídica, há muita discussão na Europa com relação a imposição de “consentimento compulsório” principalmente quando somada a exercício de posição dominante de mercado.

"Devido aos efeitos sistêmicos e que podem atingir inclusive demais empresas que atuam no mercado, é importante que se queira fazer um processo de adequação sustentável, que não gere desconforto nos usuários e sem ruídos desnecessários com as autoridades. Portanto, o risco de haver violação da LGPD é elevado, mas não apenas com um olhar isolado da regulamentação específica, mas no contexto da harmonização da proteção do consumidor, quando interpretado no conjunto das leis vigentes, princípios éticos e garantias fundamentais, efeitos em rede, aumento de risco de segurança, possível falta de transparência e situações que afetem terceiros com uso de poder de monopólio."

Quanto à diferenciação anunciada pelo WhatsApp com relação à União Europeia e o Reino Unido, Patricia Peck recorda que em 2017 a União Europeia multou o Facebook em 110 milhões de euros por acordo feito e não informado com o WhatsApp, que dava condições técnicas de combinar automaticamente as contas de usuários de ambas plataformas. 

No mesmo ano, prossegue a advogada, as autoridades antitruste da Itália multaram o WhatsApp em 3 milhões de euros por obrigar usuários a concordar em compartilhar seus dados pessoais com o Facebook, e em 2018, as autoridades espanholas multaram em 600 mil euros o Whatsapp e o Facebook (300 mil cada) por transferência e processamento de dados pessoais de seus usuários sem consentimento.

"Infelizmente isso aponta um tratamento diferenciado conforme o rigor das autoridades de cada país e o aproveitamento, de certo modo, oportunístico, neste momento, da situação do Brasil ainda estar com a LGPD sem aplicação de multas, pois apenas iniciam em 1º de agosto de 2021 e com a Autoridade Nacional ainda sendo operacionalizada, permitindo uma janela de ação que novamente utiliza de posição dominante de mercado, que traz uma certa barreira de ação para os próprios usuários, que ficam em condição vulnerável, quase que “reféns” do provedor de serviços."

O WhatsApp assegurou que a atualização da política de privacidade “não afeta a privacidade das mensagens com amigos e família”, pois inclui alterações relacionadas ao envio de mensagens para uma empresa no WhatsApp, que é opcional.

Para Patricia Peck, a alteração joga holofotes para uma questão que poderia ser conduzida de forma mais tranquila - "e pode escalar para uma situação mais agravada de belicismo jurídico junto à Autoridade Nacional de Proteção de Dados e também demais autoridades de proteção do consumidor".

A advogada pondera que tal fato pode inclusive se desdobrar em uma atenção maior em cima das demais empresas que estão conduzindo seus processos de conformidade. 

"É sempre muito ruim para todo o mercado quando algum player desperta a fúria do fiscalizador. Por enquanto, vemos que LGPD ainda não intimida, mas isso pode mudar depois que começarem as sanções. Mais do que princípios, a LGPD trouxe uma mudança de cultura nas organizações, agregando maior responsabilidade no trato com dados pessoais, já que a utilização ou o processamento indevido podem gerar graves danos às pessoas físicas a quem essas informações pertencem. Não há outra saída senão se preparar para esse novo cenário, com o cumprimento das definições e métodos que garantam a prontidão no atendimento às solicitações dos titulares."

O advogado Renato Opice Blum concorda que a maior preocupação é a forma pela qual essa atualização se deu. "A alternativa dada para quem não concordar é não usar. Esse talvez seja o grande ponto de discussão hoje em dia, se isso seria possível. Teremos aí uma combinação: LGPD mais leis que envolvam o abuso do poder econômico, que inclusive é pauta global. Os países estão tratando deste assunto e abrindo alguns processos. Essa seria a bola da vez”, finaliza.

(Imagem: Reprodução)
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