O recebimento de convite para eventos sociais, brindes e vantagens oferecidos por empresas a agentes públicos serão objeto de uma avaliação mais criteriosa por parte da CGU - Controladoria-Geral da União e podem levar a punições mais severas aos envolvidos.
O rigor que afeta diretamente os programas de integridade das empresas foi dado a partir da publicação da portaria 3.032/25, que uniformiza entendimentos sobre a responsabilização administrativa de empresas privadas nas relações com agentes, instituições e companhias estatais.
Segundo a advogada Alane Santana, coordenadora de Compliance, Proteção de Dados e Direito Digital no Martinelli Advogados, foram aprovados oito enunciados administrativos que, embora tenham caráter orientativo, produzem efeitos práticos relevantes, funcionando como parâmetros interpretativos.
"Na eventualidade de uma investigação, a CGU tende a adotar tais entendimentos como referência para enquadrar condutas, calcular multas e aplicar sanções", explica Alane.
O que diz cada enunciado da portaria 3.032/25:
- Enunciado 1/25: Quanto ao decreto 11.129/22, que regulamenta a lei anticorrupção, a portaria define que aplicação do texto se dá a todos os processos desde a vigência (18/7/22), inclusive a fatos anteriores. Na avaliação da advogada do Martinelli, não é possível alegar retroatividade mais benéfica, entendimento que acompanha parte da doutrina que afasta as premissas do direito penal do processo administrativo sancionador. Além disso, a dosimetria seguirá o novo decreto, ainda que mais severa;
- Enunciado 2/25: A portaria define que podem ser consideradas também como vantagens indevidas os bens, serviços ou proveitos de qualquer natureza, com valor econômico ou não, vantagens de natureza material, imaterial, moral, política ou sexual. A amplitude conceitual repercute nas políticas e normas internas relacionadas a programas de integridade, fomentando a necessidade de definir e identificar as vantagens imateriais, morais e políticas. "Uma promessa de cargo político pode ser tida como vantagem indevida? Pelo teor, muito provavelmente", avalia a Alane;
- Enunciado 3/25: Em relação à promessa, ao oferecimento ou ao ato de dar vantagem indevida a agente público ou terceiro a ele relacionado, a advogada esclarece que não é preciso comprovar que a pessoa jurídica tinha intenção específica de corromper, basta demonstrar que o ato lesivo foi praticado, exclusivamente ou não, no interesse ou benefício da pessoa jurídica;
- Enunciado 4/25: Se o próprio agente público exige ou pede a vantagem, a solicitação ou exigência não excluirá a responsabilidade da pessoa jurídica;
- Enunciado 5/25: A portaria define que não é ilícita a situação em que a empresa oferece brindes ou hospitalidades que atendam ao interesse institucional do órgão público no qual o agente atue, desde que respeitem os critérios do decreto 10.889/21 (ainda que aplicável ao poder executivo federal, há longa data tem servido de parâmetro para programas de integridade e relação com o poder público);
- Enunciado 6/25: Convites para shows, jogos ou eventos de entretenimento oferecidos a agentes públicos fora dos parâmetros do decreto 10.889/21 configuram ilícito;
- Enunciado 7/25: Por ser um ilícito formal, a apresentação de documentos falsos ou adulterados em licitação já configura ilícito administrativo, independente do resultado do certame. "É o caso de uma empresa que apresenta um atestado técnico adulterado em licitação para obras públicas. Mesmo que seja desclassificada antes da habilitação final ou não vença a licitação, a empresa responde pelo ilícito", exemplifica Alane Santana;
- Enunciado 8/25: Aas condenações em PAR - Processo Administrativo de Responsabilização implicam, como regra, a aplicação cumulativa de multa e publicação extraordinária da decisão. Apenas em caso de acordo de leniência ou termo de compromisso pode haver aplicação isolada de multa.
Na avaliação da advogada do Martinelli, os enunciados esclarecem pontos importantes na interpretação da lei anticorrupção, mas trazem certo rigor, principalmente em relação à oferta de brindes e hospitalidades a agentes públicos.
"Uma análise dos enunciados 3, 5 e 6 indicam que eventuais ofertas fora das regras permitidas na interação com agentes públicos podem levar a uma compreensão de que a oferta foi uma vantagem indevida, ainda que sem intenção de obtê-la, ampliando os riscos para as pessoas jurídicas", afirma Alane.
Ela acrescenta que essas mudanças exigirão das empresas mais atenção a programas de integridade, que precisarão ser ajustados, com atenção dedicada a política de brindes, hospitalidades e controles licitatórios.