O juiz de Direito Caio Almeida Neves Martins, da 2ª vara de Porto Alegre do Norte/MT, concedeu tutela de urgência para suspender qualquer ato de consolidação da propriedade fiduciária de um imóvel rural vinculado a cédula de crédito bancário.
O magistrado entendeu que não houve mora dos autores, uma vez que o pagamento da parcela havia sido realizado antecipadamente, e que a cooperativa de crédito, ao utilizar parte do valor para abater outra dívida sem autorização e instaurar procedimento de consolidação com base em mora inexistente, atuou “de maneira contraditória”.
Entenda o caso
Os autores afirmaram ter quitado integralmente a parcela nº 1 da CCB - Cédula de Crédito Bancário garantida por alienação fiduciária sobre imóvel rural, cujo vencimento ocorreria em 30/8/25. O pagamento, no valor de R$ 1.435.483,48, foi realizado em 26/8/25, antes do prazo estipulado.
Segundo relataram, a gerente da cooperativa havia garantido que o depósito seria destinado exclusivamente à quitação da parcela, orientando o envio dos valores para conta indicada pela própria instituição.
Entretanto, parte do montante pago teria sido direcionada pela cooperativa para outra obrigação, sem autorização dos devedores.
Com isso, a instituição financeira expediu notificação cartorária para purgação de suposta mora, em 26/9/25, fixando prazo até 11/10/25. Os autores sustentaram a inexistência de inadimplemento, alegaram nulidade da notificação e defenderam que a conduta da cooperativa violou o direito de imputação do pagamento previsto no art. 352 do CC.
Pediram, então, tutela de urgência para impedir a consolidação da propriedade e a transferência do imóvel.
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Mora inexistente e redirecionamento indevido
Ao analisar o pedido, o magistrado destacou que os documentos anexados — comprovante de transferência, áudios e mensagens autenticadas — confirmam que o pagamento foi realizado antes do vencimento, e que a própria cooperativa havia assegurado a destinação integral dos valores à parcela vinculada à alienação fiduciária.
Segundo o juiz, a cooperativa, "ao redirecionar parte dos valores a outra dívida e instaurar procedimento de consolidação fundado em mora inexistente, a cooperativa atuou de maneira contraditória".
Ressaltou ainda que o procedimento previsto no art. 26 da lei 9.514/97 é célere e automático, sem contraditório prévio, o que reforça o risco de dano irreversível: a perda do imóvel rural.
Diante desse cenário, deferiu a tutela de urgência para determinar que a cooperativa se abstenha de praticar qualquer ato voltado à consolidação da propriedade fiduciária vinculada ao contrato. Também ordenou o envio de ofício ao 1º Registro de Imóveis de Porto Alegre do Norte/MT para a imediata suspensão do procedimento até nova deliberação judicial.
Por fim, o magistrado condicionou o cumprimento da decisão à regularização da representação processual, determinou o encaminhamento dos autos ao CEJUSC para tentativa de conciliação e estabeleceu diretrizes para citação, apresentação de contestação e etapa probatória.
Para o advogado Leandro Amaral, sócio do Amaral e Melo Advogados, a decisão reforça a importância de atuação técnica e transparente nas relações de crédito rural.
“Diante do endividamento e com várias dívidas vencidas, o produtor rural costuma priorizar o pagamento das mais gravosas. Isso, no Direito, é chamado de imputação de crédito. Mas o que temos visto são bancos e cooperativas que, mesmo avisados dessa imputação, direcionam os valores para outras operações, deixando em aberto as dívidas mais pesadas, especialmente quando envolvem imóveis rurais. Nesse caso, o Judiciário reconheceu essa má-fé e suspendeu uma consolidação que resultaria na perda da propriedade.”
- Processo: 1005184-80.2025.8.11.0059