A expansão do trabalho mediado por plataformas digitais e a ausência de um marco regulatório adequado motivaram a criação da Câmara Técnica “Regulação do Trabalho por Aplicativo”, no IDP - Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa.
Reunindo especialistas de diversas áreas, o grupo apresentou um relatório com diagnóstico, diretrizes e uma proposta de lei complementar para enfrentar os desafios jurídicos, econômicos e sociais desse setor em constante transformação.
- Veja a íntegra do documento.
Crescimento acelerado e impacto sobre o mercado de trabalho
Segundo o estudo, o trabalho por aplicativo tornou-se peça relevante na economia brasileira. Em 2024, cerca de 1,7 milhão de pessoas atuaram por meio de plataformas digitais, com perfil majoritariamente masculino, preto ou pardo e renda de até três salários-mínimos. Os dados aparecem no Sumário Executivo do relatório.
O Banco Central reconhece o papel dessas atividades na ampliação da força de trabalho e na queda da taxa de desocupação, como destaca o documento ao citar o Relatório de Política Monetária.
Falhas do modelo jurídico atual e insegurança nas decisões
O relatório ressalta que a legislação brasileira não oferece respostas adequadas ao fenômeno das plataformas. Isso ocorre porque os cinco requisitos clássicos utilizados para identificar vínculo empregatício – não eventualidade, subordinação, onerosidade, pessoalidade e alteridade – nem sempre se aplicam ao modelo de prestação de serviços por aplicativos.
Segundo o estudo, a ausência de enquadramento claro alimenta intensa insegurança jurídica e leva o Poder Judiciário a intervir constantemente para avaliar casos de reconhecimento de vínculo entre trabalhadores e empresas digitais.
No STF, o julgamento do Tema 1.291 ainda não foi concluído. O relatório lembra que, mesmo com a repercussão geral, a decisão não será suficiente para fornecer critérios universais para todos os segmentos do trabalho por aplicativo, reforçando a necessidade de um marco legal próprio.
Nova abordagem regulatória
A Câmara Técnica destaca que o capitalismo de plataforma rompe fronteiras tradicionais do Direito do Trabalho, criando formas híbridas entre autonomia e dependência produtiva. Isso impõe a necessidade de regulamentação específica, capaz de dialogar com a velocidade das inovações tecnológicas e de evitar modelos rígidos e rapidamente obsoletos.
O documento critica projetos de lei muito detalhados ou vinculados a modelos de negócio específicos, como o PLP 12/24, que regula apenas o transporte individual remunerado de passageiros. Para os especialistas, esse formato impede que as normas se apliquem a novos serviços e limitações tecnológicas do setor.
Proteção previdenciária: um dos eixos centrais
Um dos pontos mais sensíveis do debate é a inclusão previdenciária dos trabalhadores de aplicativo. O relatório assinala que países e organizações internacionais já defendem a integração desses profissionais aos sistemas de seguridade, com participação financeira obrigatória das plataformas.
No Brasil, a discussão ainda é incipiente e enfrenta obstáculos conceituais, já que a classificação jurídica desses trabalhadores impacta diretamente o modelo de contribuição ao regime previdenciário.
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Proposta de regulamentação:
O anexo ao relatório apresenta uma proposta alternativa de Lei Complementar, construída para ser geral, flexível e aplicável a diferentes tipos de aplicativos. Entre os principais pontos, destacam-se:
1. Reconhecimento do trabalhador por aplicativo como profissional autônomo
A proposta define o trabalhador por aplicativo como pessoa física que atua profissionalmente por meio da intermediação digital e assegura a inexistência de vínculo empregatício, preservando a livre gestão do tempo.
2. Regras obrigatórias de transparência e devido processo
Os termos de uso deverão prever regras claras, incluindo procedimentos para exclusão de trabalhadores e diretrizes de conduta das plataformas.
3. Seguro obrigatório
As plataformas deverão contratar seguro mínimo para cobrir acidentes relacionados à atividade.
4. Inclusão previdenciária com novas fontes de financiamento
A proposta estabelece:
- contribuição previdenciária do trabalhador (7,5%) e da plataforma (20%) sobre um salário de contribuição equivalente a 25% da renda bruta mensal,
- responsabilidade da empresa pelo recolhimento da parte do trabalhador,
- e enquadramento do trabalhador como contribuinte individual para acesso ao RGPS.
5. Recomendações para políticas públicas complementares
O relatório ainda reconhece a necessidade de medidas de apoio, como licenças, afastamentos e mecanismos suplementares de proteção social, a serem desenhados pelo governo federal.
Regulação deve evitar rigidez e impactos negativos
O estudo enfatiza que regulações excessivamente rígidas podem prejudicar tanto trabalhadores quanto empresas e consumidores. Exemplos como a regulação tradicional dos táxis mostram que controles demasiadamente fechados podem gerar ineficiência, reduzir oferta de serviços e frustrar usuários em picos de demanda.
Por isso, mecanismos como tabelamento de preços e limites fixos de horas logadas são desencorajados, devido ao risco de distorções no mercado das plataformas.
A Câmara Técnica do IDP conclui, assim, que o Brasil precisa avançar rapidamente para um modelo regulatório que reconheça as particularidades do trabalho por aplicativo. A proposta apresentada busca equilibrar autonomia profissional, segurança jurídica e proteção social, sem sufocar a inovação.
O estudo defende que uma legislação clara, abrangente e adaptável é indispensável para enfrentar os desafios do capitalismo de plataforma e garantir que trabalhadores, empresas e consumidores possam coexistir em um ambiente seguro e economicamente sustentável.
A Câmara Técnica “Regulação do Trabalho por Aplicativo” é composta por Ademar Borges, João Paulo Bachur, João Trindade, José Roberto Afonso, Marilda Silveira e Thaís Riedel Vilma Pinto. A coordenação e relatoria do estudo são de João Paulo Bachur.