No plenário virtual, o STF analisa recurso da PGR que busca delimitar o alcance da tese que estendeu a prerrogativa de foro.
O entendimento permite que crimes praticados no cargo e em razão das funções continuem sob competência da Corte mesmo após o afastamento do agente público. Isso vale ainda que o inquérito ou a ação penal tenham sido instaurados apenas depois do término do mandato.
A análise dos embargos não reabre o mérito da decisão tomada pelo plenário, em março, por maioria de 7 a 4, mas tem por objetivo esclarecer os efeitos práticos do entendimento fixado e estabelecer parâmetros para a aplicação, diante de dúvidas surgidas com a remessa de inquéritos e ações penais ao STF.
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O julgamento está previsto para ser concluído na próxima sexta-feira, 19.
Até lá, os ministros podem apresentar votos, além de formular pedidos de vista ou de destaque para julgamento presencial.
Veja o placar até o momento:
Decisão de mérito
Em março, o Supremo alterou a orientação que vigorava desde 2018 (AP 937) e fixou a seguinte tese:
"A prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício."
Prevaleceu o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, para quem o entendimento anterior reduzia indevidamente o alcance constitucional da prerrogativa de foro e produzia oscilações constantes de competência, com prejuízos à estabilidade, à eficiência da persecução penal e ao princípio do juiz natural.
O HC foi impetrado pelo senador Zequinha Marinho, ex-deputado Federal, denunciado por suposta prática de "rachadinha" durante o exercício do mandato.
O inquérito foi instaurado em 2013, inicialmente sob supervisão do STF, mas acabou remetido a outras instâncias após a renúncia do parlamentar.
Desde então, o processo tramitou por mais de uma década em diferentes órgãos do Judiciário, sem conclusão da instrução processual.
Ao fixar a nova tese, o STF determinou sua aplicação imediata aos processos em curso, com preservação dos atos já praticados sob a jurisprudência anterior.
Embargos
Ao embargar do acórdão, a PGR indicou quatro pontos que, a seu ver, demandariam esclarecimento:
- ampliação da modulação de efeitos para manter na 1ª instância processos com instrução já encerrada;
- definição de critérios para casos de exercício sucessivo de cargos sujeitos a foros distintos;
- aplicação da tese a cargos vitalícios;
- incidência do foro em crimes praticados durante o processo eleitoral.
Voto do relator
1. Ampliação da modulação de efeitos
No voto apresentado nos embargos, ministro Gilmar Mendes rejeitou o pedido da PGR para ampliar a modulação de efeitos.
Segundo o relator, regras de foro por prerrogativa de função têm natureza de competência absoluta e, por isso, devem incidir imediatamente sobre os processos em curso, independentemente da fase em que se encontrem - inclusive aqueles já sentenciados e em grau recursal.
Para Gilmar, admitir a permanência de ações na 1ª instância após a mudança de entendimento poderia resultar em julgamento por juízo absolutamente incompetente, violando o princípio constitucional do juiz natural.
2. Regras para mandatos ou cargos sucessivos
Quanto aos casos em que o agente exerce mandatos ou cargos sucessivos sujeitos a diferentes foros, o relator propôs a adoção da regra da prevalência do órgão de maior graduação, prevista no art. 78, III, do CPP.
Assim, quando houver dúvida sobre o momento exato da prática do crime ou quando a conduta se estender por mais de um mandato, a competência deverá ser fixada, em regra, no tribunal hierarquicamente superior, que poderá avaliar a necessidade de eventual desmembramento.
3. Cargos vitalícios
Gilmar Mendes também afirmou que a tese aprovada pelo STF se aplica aos ocupantes de cargos vitalícios, como membros do Poder Judiciário, do MP, dos Tribunais de Contas, das Forças Armadas e da carreira diplomática.
Segundo o relator, a prerrogativa de foro visa garantir independência e liberdade de atuação do agente público, inclusive após o desligamento do cargo, protegendo-o de eventuais retaliações decorrentes de atos praticados no exercício da função.
4. Crimes durante eleições
Em relação a crimes praticados durante o processo eleitoral, o relator esclareceu que não há foro por prerrogativa de função quando a conduta ocorre antes da investidura no cargo e apenas a pretexto de seu exercício futuro.
A exceção ocorre quando tais crimes são conexos a delitos funcionais praticados após a diplomação, hipótese em que a competência do tribunal poderá ser atraída para julgamento conjunto.
5. Conclusão
Ao final, Gilmar Mendes votou pelo acolhimento dos embargos com efeitos integrativos, para fixar as seguintes balizas:
- a tese alcança todos os titulares de foro, inclusive ocupantes de cargos vitalícios;
- é cabível a aplicação da prevalência do órgão de maior graduação nos casos de exercício sucessivo de cargos;
- o foro não alcança, em regra, crimes eleitorais, salvo nas hipóteses de conexão com crimes funcionais posteriores.
O relator reafirmou, contudo, a incidência imediata da nova orientação, rejeitando a ampliação da modulação de efeitos.
Veja o voto.
- Processos: HC 232.627 e Inq 4.787