A 4ª turma do STJ manteve decisão que havia afastado a penhora do quinhão hereditário do empresário João Araújo, fundador do grupo Buritipar.
Colegiado entendeu que as ações da Itaúsa S/A recebidas por testamento de sua tia estavam gravadas com cláusulas vitalícias de impenhorabilidade, incomunicabilidade e inalienabilidade, válidas diante da ausência de herdeiros necessários.
Com a decisão, fixou-se o entendimento de que a exigência de “justa causa” para a imposição de cláusulas testamentárias restritivas se aplica apenas quando há bens da parte legítima e que, inexistindo herdeiros necessários, o testador pode impor impenhorabilidade, incomunicabilidade e inalienabilidade sobre a totalidade do patrimônio.
Entenda
Na origem, o banco Santander ajuizou execução de título extrajudicial com base em nove contratos de câmbio, no valor indicado de R$ 298,7 milhões e, para outubro/21, com apontamento de R$ 364,1 milhões.
Ao tomar conhecimento de que João José Oliveira de Araújo havia sido beneficiado no testamento de sua tia com ações da Itaúsa S/A, o banco Santander pediu a penhora no rosto dos autos do cumprimento do testamento, incluindo os frutos e rendimentos das ações a serem partilhadas, até o limite do valor executado.
Em 1ª instância, o juízo da execução deferiu a constrição apesar da existência das cláusulas restritivas, sob o fundamento de que a justificativa do testamento seria genérica e que seria necessária “justa causa”, à luz do art. 1.848 do CC.
Contra essa decisão, os executados recorreram ao TJ/SP, sustentando que o art. 1.848 do CC não se aplicava ao caso porque a testadora não possuía herdeiros necessários e, portanto, a instituição de cláusula de impenhorabilidade não exigiria “justa causa”.
O TJ/SP deu provimento para afastar a penhora, destacando que a testadora não era devedora dos títulos e era livre para dispor de seus bens por testamento, sem que isso configurasse fraude à execução, independentemente da data de instituição do gravame.
Em recurso ao STJ, o Banco Santander alegou violação aos arts. 797 e 805 do CPC e ao art. 1.848 do CC, sustentando, em síntese, que a cláusula de impenhorabilidade instituída sobre bens recebidos por herança, especialmente quando de conteúdo genérico, não seria oponível ao credor cujo crédito seria anterior à instituição da restrição.
Também defendeu que não seria possível levantar a penhora sobre os direitos hereditários sem que o devedor indicasse meio alternativo para satisfação da dívida.
Impossibilidade de penhora
Em decisão de novembro, o relator, ministro Raul Araújo, delimitou a controvérsia em saber se seria possível penhorar o quinhão hereditário, consistente em ações da Itaúsa S/A deixadas por testamento, gravadas com cláusulas de impenhorabilidade, incomunicabilidade e inalienabilidade.
Ao enfrentar a tese de “justa causa”, afirmou que a exigência do art. 1.848 do CC tem incidência restrita aos herdeiros necessários: “A limitação do direito do testador, no que tange à necessidade de indicação de justa causa para imposição de cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, somente incide quando se tratar de bens da legítima”.
A partir disso, concluiu que, inexistindo parte legítima, o testador pode impor livremente as cláusulas restritivas, sem necessidade de motivação, porque não se está diante de bens destinados à legítima.
No caso concreto, o relator destacou que a testadora não possuía herdeiros necessários e dispôs da integralidade do patrimônio em testamento, legando aos sobrinhos, inclusive ao devedor, a totalidade das ações da Itaúsa S/A.
Conforme entendeu, “era mesmo desnecessária a indicação de justa causa para a eficácia da cláusula, visto que, ante a ausência de herdeiros necessários, não se trata de bem pertencente à legítima”.
Cláusulas válidas
O ministro também reforçou que a jurisprudência do STJ admite afastamento dessas cláusulas apenas em hipóteses excepcionais e em benefício do próprio beneficiário, não para satisfazer dívida perante terceiros.
Assim, concluiu que “não há que se falar em seu afastamento, não podendo as ações recebidas pelo executado serem objeto de constrição para sanar suas dívidas, independentemente da data de instituição do gravame”.
Por fim, afastou a possibilidade de fraude a credores ou fraude à execução, ao consignar que tais figuras exigem ato intencional do devedor para dilapidar ou ocultar patrimônio.
No caso, as ações foram recebidas por transmissão causa mortis, por liberalidade da tia, e o relator pontuou que é "direito da testadora assegurar que os bens transmitidos a seus herdeiros não respondem por eventuais dívidas destes”.
Em sessão do colegiado na última terça-feira, 17, o entendimento foi reforçado pelo ministro e acompanhado por unanimidade pelo colegiado.
Quem é João Araújo
João José Oliveira de Araújo é empresário brasileiro e liderança do setor mineral. Teve atuação na expansão e internacionalização da Buritirama Mineração, empresa que adquiriu da família por cerca de R$ 500 milhões, sendo aproximadamente R$ 300 milhões em dívidas.
Atualmente, ocupa o cargo de presidente do Conselho de Administração e é fundador do grupo Buritipar, conglomerado com mais de oito empresas nos segmentos de mineração, metalurgia, tecnologia, logística e agronegócio.
O processo tramita em segredo de Justiça.
- Processo: REsp 2.215.846