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SEC classification of goods and services: um interessante instrumento de análise (jurídica) no mercado de contratação de produtos e serviços

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Atualizado às 07:47

Na década 1970, o economista Phillip Nelson, professor emérito da Universidade de Binghamton (EUA), identificou a categoria dos bens de pesquisa ou busca (search goods), contrastando-a com os bens de experiência (experience goods)1.

Atualmente, economistas e profissionais de marketing utilizam-se largamente da "SEC classification of goods and services". SEC é o acrônimo dos termos em inglês search, experience e credence. Em tradução livre, podemos falar em "classificação PEC de produtos ou serviços", sendo PEC relativo a pesquisa, experiência e credibilidade.

Além de economistas e profissionais de marketing, a classificação vem sendo crescentemente utilizada por juristas, sobretudo em estudos de análise econômica do direito (AED)2. A classificação é interessante e merece divulgação. Nesta breve coluna, vamos sucintamente apresentá-la e também algumas das suas aplicações no Direito, sobretudo na área do Direito do consumidor.

Bens de pesquisa

A SEC classification baseia-se na facilidade ou dificuldade com que as pessoas - em geral, consumidores - podem avaliar ou obter informações sobre os bens que pretendem adquirir. Em primeiro lugar, bens de pesquisa ou busca (search goods) são produtos ou serviços com características facilmente avaliáveis antes da contratação. Esses bens apresentam baixos custos de detecção de qualidade previamente à compra. Por isso, o adquirente busca informações a seu respeito por meio da pesquisa, inspeção direta e comparando os atributos dos bens antes de adquiri-los3.

A maioria dos produtos se enquadra nessa categoria de bens de pesquisa. Os principais exemplos são roupas, calçados, utensílios para escritório e móveis para casa4.

Os bens de pesquisa estão mais sujeitos à substituição e à concorrência de preços, pois os consumidores podem verificar facilmente o preço do produto e outras opções em diferentes lojas, certificando-se de que os produtos são mesmo semelhantes. A marca e as especificações detalhadas do produto influem para transformar um produto de bem de experiência em bem de pesquisa.

Bens de experiência

Bens de experiência (experience goods) são produtos ou serviços cujas características, como qualidade ou preço, são difíceis de observar antes da sua aquisição e experimentação. Trata-se de bens que podem ser avaliados com precisão somente após terem sido contratados e experimentados5.

De maneira análoga, pode-se dizer que os custos pré-contratação de avaliação e percepção de qualidade são altos e o custos pós-contratação são baixos. Por isso, os consumidores acabam conhecendo os atributos dos bens somente após adquiri-los e experimentá-los. Essas informações podem ser naturalmente utilizadas para contratações posteriores dos bens6.

Muitos serviços pessoais se enquadram nessa categoria, como restaurantes, salões de beleza, parques temáticos, viagens e férias. Outros exemplos são empregos, hotéis, jornais, músicas e filmes, vinho e comida.7

Phillip Nelson, o precursor dessa categorização, explica que "o procedimento mais óbvio de que o consumidor dispõe para obter informações sobre preço ou qualidade é a pesquisa." No entanto, "haverá bens para os quais esse procedimento de pesquisa é inadequado", bens que vale a pena para o consumidor avaliar pela aquisição e experimentação em vez de pela pesquisa. "Se o preço de compra for baixo o suficiente, qualquer procedimento de pesquisa, mesmo moderadamente caro, será descartado." Nelson ilustra essa ideia com a hipótese de aquisição de atum em lata: "para avaliar marcas de atum enlatado, por exemplo, o consumidor quase certamente compraria marcas de atum para consumo. Ele poderia, então, determinar a partir de várias compras qual marca ele prefere. Chamaremos esse processo de informação de 'experiência'."8

Em se tratando de bens de experiência, é difícil para os consumidores fazerem com precisão escolhas de consumo. Em áreas de prestação de serviço, como a de saúde, essa modalidade de bens recompensa a reputação e gera inércia. Bens de experiência normalmente têm elasticidade de preço menor do que os de pesquisa, pois os consumidores têm receio de que preços mais baixos possam ser devido a problemas ocultos ou questões de qualidade.

Bens de credibilidade

Por fim, bens de credibilidade (credence goods) apresentam altos custos pré e pós-contratação de detecção de qualidade. Trata-se de bens cujo impacto na utilidade é difícil, ou mesmo impossível, de ser determinado com exatidão pelo consumidor mesmo após o consumo9. Segundo Stefan Haupt, os bens de credibilidade são aqueles cujos efeitos de uso ou consumo são conhecidos apenas após anos, se é que o são algum dia, após a contratação ou que só podem ser avaliados com auxílio altamente técnico10.

Muitos serviços profissionais enquadram-se nessa categoria, como os de contador, de assessoria jurídica, de saúde, de creche, além de orientação religiosa e espiritual. Entre os produtos, os suplementos vitamínicos podem ser inseridos nessa modalidade11.

As dificuldades de avaliação podem decorrer do fato de que o consumidor não tem conhecimento ou competência técnica para avaliar efetivamente o bem ou, alternativamente, porque o custo de aquisição da informação pode ultrapassar o valor da informação almejada. Por outro lado, o vendedor do bem conhece o impacto de utilidade do bem, criando assim uma situação de assimetria informacional.

Implicações jurídicas

A SEC classification of goods and services vem sendo, como já referido, utilizada por juristas como útil elemento de análise, sobretudo em estudos de AED na área de direito do consumidor. Uma primeira aplicação para essa classificação está ligada à alocação de deveres de informação das partes em uma relação de consumo. A classificação pode auxiliar na decisão sobre se, em um determinado caso, recai ou não sobre o fornecedor o dever de informação.

Segundo a AED, os deveres de informação devem ser alocados de forma eficiente, o que implica que o fornecedor tenha o dever de divulgar as informações apenas se ele for o produtor de informação mais barato e o "evitador de custos mais barato" (cheapest-cost-avoider), aquele "que pode produzir ou fornecer o conhecimento pelo menor custo e sabe melhor o valor do conhecimento." De acordo com Stefan Haupt, esse pode ser o caso se o exame da qualidade do produto ou serviço for muito caro para os consumidores, como acontece, entre outras hipóteses, em relação a "coisas cuja qualidade não pode ser avaliada com precisão, mesmo após um uso mais longo", isto é, os bens de credibilidade12.

A classificação tem sido também utilizada para avaliar o direito de arrependimento ou prazo de reflexão, ferramenta amplamente difundida para proteção dos consumidores. Trata-se de direito do consumidor a, dentro de um certo período após a celebração do contrato, desistir da aquisição do produto ou da contratação do serviço. À luz da AED, os períodos de reflexão só se justificam se forem necessários para remediar ineficiências13.

Uma tal situação de ineficiência pode surgir, entre outros motivos, devido a assimetrias de informação. Essas assimetrias são especialmente prováveis de ocorrer com bens de experiência e de credibilidade, uma vez que, em relação a eles, a qualidade pode ser avaliada somente após a contratação e o consumo, ou mesmo nem assim. Essas assimetrias de informação podem levar, por conta de seleção adversa, a falhas de mercado, as quais podem justificar a medida de prazo de reflexão, porque assim os consumidores obtêm mais tempo para adquirir as informações relevantes sobre os produtos e serviços adquiridos. Esses efeitos são menos prováveis com bens de pesquisa, em relação aos quais o consumidor pode reconhecer a qualidade na inspeção antes da contratação. As assimetrias informacionais são típicas de transações à distância, nas quais o consumidor e o fornecedor estão fisicamente separados, de modo que o consumidor é, pela natureza do contrato, informado de forma inadequada, mesmo em se tratando de bens de pesquisa, visto que a inspeção prévia é impossível14.

Em caso de contratação de bens ocorrer fora do estabelecimento comercial, o CDC prevê, como sabido, a possibilidade de desistência do contrato no prazo de 7 dias (art. 49). O prazo de sete dias é geral, valendo para todos os tipos de produtos e serviços.

Nos casos envolvendo bens de pesquisa, esse período parece ser longo demais, uma vez que o consumidor pode inspecioná-los assim que os tiver em mãos. Em outras situações, todavia, o prazo de 7 dias pode ser muito curto para uma avaliação adequada. Esse pode ser o caso envolvendo bens de experiência, que só podem ser devidamente avaliados depois que o produto foi adquirido e efetivamente experimentado, ou mesmo bens de credibilidade, que são difíceis de ser avaliados mesmo depois disso. Nessas últimas modalidades de bens, o período de reflexão não poderia então ser justificado como uma medida eficiente para sanar assimetrias informacionais15.

A SEC classification pode ser útil também na implementação da responsabilidade pelo vício do produto e do serviço. Nos casos de bens de pesquisa, é mais fácil para o consumidor verificar e demonstrar em juízo um vício de qualidade que os torne, por exemplo, impróprios ao consumo (arts. 18 e 20 do CDC). Mas nos casos de bens de experiência e, sobretudo, de credibilidade, pode ser difícil ou mesmo impossível para o consumidor perceber e, ainda pior, demonstrar em juízo que o produto ou serviço apresenta vício de qualidade. Diante de insatisfação do consumidor para com o bem adquirido e em se tratando de bens de experiência ou de credibilidade, deve ser então facilitada ao consumidor a defesa de seus direitos, sendo-lhe concedida a inversão do ônus da prova por conta da sua hipossuficiência, devendo o fornecedor provar que o produto ou o serviço é livre de qualquer vício (art. 6.º, VIII, CDC).

Conclusão

Por essas e potenciais outras aplicações, a SEC classification of goods and services mostra-se um interessante instrumento de análise jurídica e de auxílio na aplicação de normas legais. Fica aqui, então, a sua notícia e divulgação para que venha a ser mais conhecida e utilizada pelos juristas brasileiros.

__________

1 NELSON, Phillip. Information and Consumer Behavior. Journal of Political Economy, v. 78, n. 2, 1970, p. 311-312. Disponível aqui. Acesso em: 4 ago. 2021.

2 V., p. ex., HAUPT, Stefan. An economic analysis of consumer protection in contract law. German Law Journal, vol. 4, n. 11, 2003, p. 1150 e p. 1153.

3 BENZ, Men-Andri. Experience and Credence Goods: An Introduction. In: Strategies in Markets for Experience and Credence Goods. 2007, p. 2.

4 BENZ, op. cit., p. 2.

5 BENZ, op. cit., p. 2.

6 BENZ, op. cit., p. 2.

7 BENZ, op. cit., p. 2.

8 NELSON, op. cit., p. 312.

9 BENZ, op. cit., p. 2.

10 HAUPT, op. cit., p 1148.

11 BENZ, op. cit., p. 2.

12 HAUPT, op. cit., p. 1144.

13 HAUPT, op. cit., p. 1147.

14 HAUPT, op. cit., p. 1148.

15 HAUPT, op. cit., p. 1150.