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O direito e a economia comportamental: Uma perspectiva a partir de métodos empíricos.

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Atualizado em 17 de abril de 2022 16:04

1. Introdução

Em minha última coluna sobre o direito privado na common law, apresentei uma introdução ao direito comportamental com base no texto de Thomas Ulen, publicado no The Oxford Handbook of Behavioral Economics and the Law. O referido manual traz uma série de textos interessantes sobre o direito e a economia comportamental, inclusive uma análise sobre a importância do uso de métodos empíricos para desenvolvimento dessa disciplina. A presente coluna revisa e sumariza o texto elaborado pelo Professor Christoph Engel, cuja premissa básica é que todo direito é comportamental e pode ser uma ferramenta de governança.1 Um dos motivos para que a dimensão comportamental seja mais proeminente é o fato de que o direito não se contenta com a mera causalidade e requer dolo ou culpa. Christoph Engel destaca que existe uma grande tradição da perspectiva comportamental em duas áreas do direito, a saber, o direito e psicologia com seus estudos sobre a dinâmica das salas de audiência e o esforço dos criminologistas para compreender por que existe crime e como pode ser mitigado pelo direito penal.2

A questão-problema básica é explicar as ações dos indivíduos a partir da sua reação à estrutura de oportunidade delineada pelo modelo de regras jurídicas. A análise do direito e economia comportamental desvia da análise econômica do direito (law and economics) tradicional devido às premissas relativas às forças motoras da ação individual. Ao contrário do modelo-padrão em que os indivíduos possuem preferências bem definidas, existe margem para uma função de utilidade mais ampla e para preferências sociais em particular. Os atores não são mais presumidamente voltados apenas e tão somente para o seu próprio bem-estar e existe uma abertura para os efeitos cognitivos e como as instituições jurídicas refletem ou mitigam tais efeitos. Diante da grande imprevisibilidade do comportamento humano, a intervenção institucional pode dar maior previsibilidade à conduta humana e tornar as interações sociais mais significativas.3 O objetivo dessa coluna será elencar as metodologias empíricas que vêm sendo utilizadas para pesquisas sobre o direito e a economia comportamental, apresentando para o nosso leitor alguns dos debates atuais a esse respeito.

2. Metodologias Empíricas: Pesquisa de Campo, Entrevistas, Vinhetas e Experimentos Laboratoriais

Tradicionalmente, a responsabilidade civil é identificada como uma área do direito voltada para a indenização, em que a vítima processa o causador de um prejuízo em busca da reparação do dano e uma decisão judicial pretende torná-la indene. A objeção dos acadêmicos de law and economics é que tal construção negligencia que potenciais ofensores antecipam a intervenção jurídica e ajustam sua conduta, de modo que a responsabilidade civil possui um efeito dissuasório e previne condutas indesejadas socialmente, tal como uma sanção criminal e uma intervenção de uma autoridade pública. Contudo, existe na academia um certo ceticismo sobre se o efeito dissuasório da responsabilidade civil é, de fato, poderoso e tem sido realizadas múltiplas tentativas empíricas de se medir o efeito da responsabilidade civil.

Christoph Engel se refere a três estudos empíricos diferentes para mostrar o quão variados são os resultados dessas pesquisas. Com base na ideia de que um regime de responsabilidade civil mais severo iria induzir um comportamento mais cuidadoso de potenciais ofensores, o resultado deveria ser de uma redução genérica do nível de prejuízo. Assim é que um estudo mediu tais efeitos a partir de uma perspectiva indireta, investigando a hipótese de que em Estados com regimes mais rigorosos de responsabilidade por erro médico, a saúde dos bebês recém-nascidos deveria ser melhor, mas sem encontrar qualquer associação significativa entre esses dois fatores na prática.4

Noutro estudo empírico, alunos do primeiro ano do curso de direito foram expostos a uma série de hipóteses que envolviam alguma forma de comportamento ilegal e o regime jurídico era alterado para que os estudantes informassem se iriam se envolver em alguma atividade ilegal, conforme o regime jurídico em questão. A responsabilidade civil teve efeitos diminutos e a tendência de se engajar em atividades ilegais não foi significativa nas hipóteses em que não haveria a violação de nenhuma regra jurídica.5

O terceiro estudo empírico foi um experimento laboratorial em que os participantes foram expostos a um dilema, em que se o participante atuasse egoisticamente, iria sofrer um prejuízo, sendo que a certeza da restituição do prejuízo, uma severidade suficiente e uma ameaça de compensação teriam um valor esperado suficientemente alto, de modo a conter os efeitos do dilema ao longo do tempo. Assim é que o experimento laboratorial identificou a existência de um efeito dissuasório da responsabilidade civil.6

Por outro lado, pesquisadores comportamentais não devem buscar a identificação de leis naturais, devendo se satisfazer com a identificação de padrões típicos e em delinear as condições sob as quais um efeito estará normalmente presente.7 Mesmo no caso de busca de previsão de padrões decisórios de uma corte como a Suprema Corte dos Estados Unidos, por exemplo, ainda que a composição da corte permaneça estável ao longo do tempo, é necessária extrapolação do passado para o futuro e o nível de confiança na reprodução do padrão característico deve ser alto. Mesmo assim, a resposta para uma questão-problema de cunho normativo é problemática, já que os juristas querem entender se existe motivo para uma intervenção jurídica e se uma determinada regra jurídica iria aprimorar a situação e querem avaliar a qualidade do processo para geração de regras ou aplicação de regras, o que torna necessária a separação de causa e efeito.8

Christoph Engel salienta a importância da seleção adequada da metodologia coerente conforme a questão-problema. A pesquisa de campo pode servir para a identificação da motivação e da cognição, como no caso de estudos sobre a dinâmica do processo decisório. Uma pesquisa com o uso de filmagem de jurados no processo deliberativo no Estado do Arizona buscava testar se os jurados são influenciados por informação que não tinha sido oficialmente introduzida no processo judicial, como sinais de que uma testemunha seria rica e não foi identificado impacto significativo dessas informações extra-oficiais sobre as posteriores deliberações do júri sobre a culpa dos réus.9 Outra pesquisa de campo sobre o impacto da etnia dos acusados no processo deliberativo dos magistrados demonstrou que, em Israel, magistrados judeus teriam uma maior probabilidade de não manter presos preventivamente os réus de sua própria etnia em comparação com os réus etnicamente árabes e vice-versa.10 Uma outra pesquisa indicou, nos Estados Unidos, que a existência de planos de saúde com cobertura obrigatória para tratamento de diabetes em alguns estados poderia resultar em uma situação de relaxamento de vigilância dos consumidores quando a ordem jurídica cuida da questão, de modo que os problemas dos diabéticos tendiam a aumentar em decorrência de um aumento do consumo de alimentos inadequados pelos consumidores.11

Dependendo da pesquisa, entrevistas podem ser mais intrusivas, dando a oportunidade aos participantes de compartilhar seu conhecimento, compreensão, atitude, julgamento ou escolhas, sendo que a pessoa normalmente tem que responder uma bateria de questões sobre um tema e, em geral, os questionários são distribuídos para membros da mesma população cujo comportamento se pretende entender. Christoph Engel se refere, por exemplo, a pesquisas empíricas com foco em ofensores com problemas mentais.12

Outra metodologia empírica que merece registro é a vinheta, em que os participantes são apresentados com um cenário hipotético e são perguntados sobre como eles se comportariam se estivessem em uma determinada situação ou como eles reagiriam se eles aprendessem sobre tal comportamento. Os estudos de vinheta são experimentos em que o pesquisador altera os cenários e os participantes são alocados para diferentes versões ou veem diferentes versões, sendo comum que estudantes de direito sejam convocados para participar desse método de pesquisa.13 Dentre os exemplos de efeitos identificados nesse tipo de pesquisa, existe a percepção de que o parâmetro de prova no processo civil deve ser superior à preponderância da prova com exigência de maior probabilidade para uma condenação e, igualmente, a ideia de um viés de omissão, isto é, uma crença de que juízes prefeririam evitar sua responsabilidade mediante a rejeição de um caso ao invés de sentenciar em favor do autor.14

Por sua vez, o experimento laboratorial é uma metodologia típica dos economistas comportamentais, que se distingue da vinheta devido a uma série de características próprias. Em regra, as escolhas testadas são incentivadas e a pesquisa possui o desenho típico de um jogo, em que os participantes não são estudados de forma isolada, mas sim interativa. O jogo pode ser repetido em múltiplas etapas, com o estudo de como os efeitos evolvem ao longo do tempo. Tais estudos são baseados em modelos econômicos formalizados, que costumam ser realizados através de computador e com a garantia de anonimato do participante, existindo uma cultura de se evitar truques ou artifícios fraudulentos contra o participante.15 Uma questão importante relativa à elaboração dessas pesquisas diz respeito à motivação de contribuir para a literatura de políticas públicas pelo isolamento de um efeito que se torna suscetível à observação em um contexto com uma estrutura de incentivo que permite a análise de sua força motora.16

3. Considerações finais

Em seu texto para o Manual de Oxford sobre Economia Comportamental e o Direito, Christoph Engel apresenta uma série de metodologias para a condução de pesquisas empíricas, mas alerta para a necessidade de combinar mais de um método conforme a questão-problema.17 Essa estratégia de 'triangulação' de métodos de pesquisa é necessária para dar maior respaldo e credibilidade aos resultados das pesquisas empíricas, de modo que o pesquisador deve sempre buscar a adoção de mais de uma metodologia. Igualmente, pesquisadores deveriam ser cautelosos em derivar conclusões de caráter normativo de um único estudo empírico.18

Além disso, a resposta a certas questões pode exigir o teste completo de instituições e não somente de efeitos isolados. Como instituições são raramente desenhadas a partir do nada, a situação típica é de promoção de uma reforma institucional, em que o legislador intervém e a questão crítica é saber como os destinatários da reforma irão reagir à indução de mudança de comportamento. Em um experimento, esse desafio pode ser enfrentado através de um desenho sequencial que foca na comparação da diferença entre o período anterior e o período posterior à introdução da instituição jurídica testada.19 A pesquisa empírica comportamental sobre questões jurídicas ainda é uma área relativamente nova e com grande potencial de desenvolvimento. Por se tratar de uma área diferenciada e que toma emprestado múltiplos métodos de disciplinas afins, os pesquisadores deveriam aprender com os parâmetros metodológicos desenvolvidos com maior profundidade nesses campos vizinhos do conhecimento.20

_____

Engel, Christoph, Behavioral Law and Economics: Empirical Methods, The Oxford Handbook of Behavioral Economics and Law, p. 125.

2 Idem.

3 Idem, p. 125-126.

4 Yang et al, Does Tort Law Improve the Health of Newborns, or Miscarry? A Longitudinal Analysis of the Effect of Liability Pressure on Birth Outcomes. Journal of Empirical Legal Studies, volume 9, n. 2, 217, 2012.

Cardi et al, Does Tort Law Deter Individuals? A Behavioral Science Study. Journal of Empirical Legal Studies, volume 9, 567, 2012.

6 Eisenberg, Theodore, and Engel, Christoph, Assuring Civil Damages Adequately Deter: A Public Good Experiment. Journal of Empirical Legal Studies, v. 11, n. 2, p. 301, 2014.

7 Engel, Christoph, Behavioral Law and Economics: Empirical Methods, The Oxford Handbook of Behavioral Economics and Law, p. 129.

8 Idem, 131.

9 Rose et al, Goffman on the Jury, Law and Human Behavior, volume 34, 310, 2010.

10 Gazal-Ayal, Oren and Sulitzeanu-Kenan, Raanan, Let My People Go: Ethnic In-Group Bias in Judicial Decisions. Evidence from a randomized natural experiment, Journal of Empirical Legal Studies, volume 7, 403, 2010.

11 Klick, Jonathan and Stratmann, Thomas, Diabetes Treatment and Moral Hazard, Journal of Law and Economics, volume 50, 519, 2007.

12 Engel, Christoph, Behavioral Law and Economics: Empirical Methods, The Oxford Handbook of Behavioral Economics and Law, p. 133-134.

13 Idem, p. 134.

14 Idem.

15 Idem, p. 135.

16 Idem.

17 Idem, p. 138.

18 Idem.

19 Idem, p. 139.

20 Idem, p. 140.