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Violência obstétrica: Diálogos à luz dos direitos humanos e da violência de gênero

segunda-feira, 29 de abril de 2024

Atualizado às 07:34

Em que pese o preceito constitucional de que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (art. 5º, I, da Constituição Federal), bem como que a partir da promulgação da Declaração Universal de direitos humanos de 1948 o direito de homens e mulheres passa a ser universalmente reconhecido, ainda há a necessidade de efetivação da igualdade, positivamente prevista, de modo que passe a ser realidade e não apenas "letra de lei".

Após a Convenção da ONU pela eliminação de toda forma de discriminação contra a mulher em 1979, também chamada de "Carta Internacional dos Direitos da Mulher" (CEDAW), que foi ratificada por 189 Estados até setembro de 2019, tendo entrado em vigor desde 3 de setembro de 1981, consagrou-se a obrigação dos Estados de eliminar a discriminação contra a mulher e zelar pela sua igualdade relativamente aos homens.

Nela, também restou determinado que os Estados Partes devem suprimir a discriminação contra a mulher em todos os assuntos relativos ao casamento e às relações familiares, deste modo, observa-se que a discriminação de gênero é um assunto que está intimamente ligado é a proteção aos direitos sexuais e reprodutivos, uma vez que, diante do processo histórico, no qual as mulheres foram subjugadas de diversas formas, dentre elas no que concerne a prática sexual, envolvendo também as relações familiares e casamento e, consequentemente, a reprodução.

Ainda hoje, muitos assuntos relacionados aos direitos sexuais e domínio do próprio corpo da mulher são questões controvertidas na sociedade, à título de exemplo o aborto, o uso de anticoncepcional e da "pílula do dia seguinte", a realização do procedimento de laqueadura quando a mulher ainda não teve filhos ou é muito jovem, bem como o a própria decisão de se ter ou não filhos.

Mesmo diante de questões ainda muito controversas acerca de direitos sexuais e reprodutivos, que levantam embates morais, o parto sempre foi visto como um momento de importância, na medida que mantém viva a própria existência da raça humana.

Todavia, diante do avanço científico e da popularização, se não obrigatoriedade, do parto institucionalizado, emergiu o conceito de violência obstétrica, que diz respeito aos atos praticados sem o consentimento da gestante/mãe, tanto nela quanto no recém-nascido, tornando também o próprio parto âmbito de discussão sobre direitos.

No presente artigo busca-se relacionar a violência obstétrica com a violação aos direitos humanos, especificamente direitos sexuais e reprodutivos, bem como verificar se há relação com a violência de gênero. Não obstante o foco ser a pessoa da mulher no presente estudo, não se olvida que o nascituro também pode ser vítima da violência obstétrica, sendo, igualmente, sujeito de direitos.

Outrossim, é relevante mencionar que a violência obstétrica possui um recorte ainda mais acentuado quando analisadas vítimas mulheres que são vulneráveis socialmente em decorrência de outros fatores além do gênero, como a cor de pele, nível de instrução e renda, devendo reconhecer a existência de interseccionalidades. Todavia, o enfoque desta pesquisa é uma relação geral entre a violência obstétrica, vítima mulheres e a violação de direitos humanos, essencialmente no que tange os direitos sexuais e reprodutivos e direito à igualdade de gênero. Salienta- se, porém, que essa temática também pode ser atrelada a outros direitos humanos, como o direito à integridade física e/ou psíquica, à saúde, à liberdade, à vida, direito de não ser submetido a tortura e tratamento cruel ou degradante, de não ser submetido à discriminação, entre outros mais. 

Direitos reprodutivos e direitos humanos

Mister inicialmente diferenciar os direitos sexuais dos direitos reprodutivos, enquanto aqueles dizem respeito exercício e a vivência sexual dos seres humanos, estes "[...] consistem no conjunto de direitos relacionados ao exercício da capacidade reprodutiva do ser humano"1. Malgrado haja esta distinção, de modo que os direitos sexuais são mais amplos e não estão sempre atrelados à procriação, ambas categorias são complementares.

À luz de tais conceitos, pode-se dizer que são direitos derivados dos direitos reprodutivos os seguintes: a) o direito de escolha, de forma livre e informada, sobre ter ou não ter filhos, sobre o intervalo entre eles, sobre o número de filhos e em que momento de suas vidas; b) o direito de acesso a receber informações e o acesso a meios, métodos e técnicas para ter ou não ter filhos; c) o direito de exercer a reprodução, sem sofrer discriminação, temor ou violência2.

Os movimentos sociais que influenciaram a positivação e proteção de tais direitos também são distintos, a luta pelos direitos reprodutivos está associada ao movimento feminista, já na busca por direitos sexuais, soma-se a contribuição do movimento LGBTQI+.3

No contexto internacional, após a Convenção da ONU pela eliminação de toda forma de discriminação contra a mulher em 1979 e a promulgação da CEDAW, foi assegurado às mulheres (em regime de igualdade com os homens) decidir livre e responsavelmente sobre o número de filhos, sobre o intervalo entre os nascimentos e a ter acesso à informação, à educação e aos meios que lhes permitam exercer esses direitos. Por meio desse documento, inicia-se a proteção aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres na sua dimensão positiva. Apenas, em 1993, na II Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos da ONU, é que os direitos sexuais das mulheres foram tratados expressamente em dimensão negativa, ou seja, direitos que se referem às vedações de violência e discriminação com base na sexualidade, orientação sexual e identidade de gênero.

Após, houve outras conferências que trataram sobre a temática (Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento em Cairo, em 1994; IV Conferência Mundial da Mulher das Nações Unidas, em Pequim, em 1995) e no ano 2000, a ONU publicou as metas de desenvolvimento do milênio, dentre as quais há a redução da mortalidade neonatal e melhorar a saúde materna.

Nesse aspecto, deve ser ressaltado o papel do Estado na proteção às vítimas de violação de direitos reprodutivos, que deve ser atinente às duas dimensões anteriormente mencionadas (positiva e negativa).

Venezuela, Argentina e Uruguai criaram leis para definir do que seria a violência obstétrica, indicando com uma forma de violência contra a mulher4. Na legislação argentina (Lei 26.485/2009, Artigo 6º), violência obstétrica é definida como aquela exercida pelos profissionais da saúde e caracterizada pela apropriação do corpo e dos processos reprodutivos da mulher, através de um tratamento desumanizado, abuso da medicação e patologização dos processos naturais5.

Já na Venezuela, considerou-se que a violência obstétrica é uma forma de violência de gênero e assim conceituou-se, no artigo 15 (13), da lei 38668:

[.] 13. Violência obstétrica: a violência obstétrica é entendida como a apropriação do corpo e os processos reprodutivos das mulheres pelo profissional de saúde, que é expresso em um tratamento desumano, no abuso de medicalização e patologização dos processos naturais, levando a perda de autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, afetando negativamente a qualidade de vida das mulheres6.

No âmbito interno, o Brasil ratificou a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979 (Decreto 4.377/2022), bem como a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, de 1994.

Válido mencionar que a Constituição Federal de 1988 não traz de maneira expressa os direitos reprodutivos em seu rol de direitos fundamentais (exemplificativo), no artigo 5º, todavia, no §2º deste dispositivo, é asseverado que o disposto não exclui outros direitos decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Ademais, no Brasil, não há lei federal que trate especificamente sobre o tema violência obstétrica, apenas leis estaduais e algumas leis municipais. Contudo, há exemplos de leis federais que trazem direitos reprodutivos em seu teor, como é caso da lei do acompanhante (lei 14.737/23), que foi promulgada muito recentemente, demonstrando preocupação, ainda que ínfima perto do que necessário, em proteger às mulheres gestantes.

Isso é demonstrado pelas pesquisas, Souza7 aponta que dos partos ocorridos na rede pública, o parto vaginal ocorre em 65% dos casos, enquanto há 35% de cesarianas, por outro lado, nas redes particulares a cesariana é esperada em 83% dos partos e 17% de partos vaginais. Tais números são alarmantes pois, conforme a OMS, a cesariana deve ocorrer em apenas 15% dos partos8.

Também pode ser mencionado o levantamento realizado pela ouvidoria da Rede Cegonha no ano de 2012, que mostrou que, nos hospitais do SUS, das 83.574 mil mulheres entrevistadas, 65,2% relataram que não tiveram direito ao acompanhante durante o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato9. Conforme pesquisa que analisou o perfil e a experiência de parto de 555 mulheres, entre o grupo de mulheres que teve parto vaginal, 46,4% ficaram na posição litotômica no momento do parto, em 23,7% foi realizada a manobra de Kristeller, em 30,4% foi realizada a episiotomia e a realização desse procedimento não foi informada para 35,6% das mulheres10. Tais procedimentos deveriam ser excepcionais e podem ser considerados como violência obstétrica.

Destarte, há uma falta de efetividade, tanto formal quanto material, na proteção dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher, resultando em uma facilitação da ocorrência da violência obstétrica.

Violência obstétrica

Percebendo que os direitos reprodutivos são enquadrados como direitos humanos, resguardado em cenário internacional, deve-se pensar na situação de violação a esse direito, especificamente a violência obstétrica, e também o impacto do gênero nesse contexto.

A violência obstétrica pode ocorrer em três momentos distintos: pré-parto, durante o parto e pós-parto. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência obstétrica é:

Apropriação do corpo da mulher e dos processos reprodutivos por profissionais de saúde, na forma de um tratamento desumanizado, medicação abusiva ou patologização dos processos naturais, reduzindo a autonomia da paciente e a capacidade de tomar suas próprias decisões livremente sobre seu corpo e sua sexualidade, o que tem consequências negativas em sua qualidade de vida11.

A vítima desse ato ilícito pode ser tanto a gestante quanto o feto ou o recém-nascido. Já em relação a quem pratica, a legislação brasileira sobre o assunto imputa o ato aos membros da equipe médica que prestarem atendimento à mulher, todavia, por ser, em latu sensu praticada no âmbito hospitalar (institucional), bem como em uma situação específica (antes, após e durante o parto), qualquer funcionário do nosocômio, como secretária, equipe de limpeza e segurança, pode praticar a agressão12.

Dessa forma, o objetivo principal do enfrentamento desse tipo de violência é impedir dor, dano ou sofrimento desnecessário à mulher (durante o período gestacional e puerpério), possibilitando o exercício da autonomia da mulher para as tomadas de decisões sobre seu parto. Assim, a violência obstétrica restringe à autonomia da mulher, ou seja, a liberdade de exprimir o desejo e concordância com o procedimento médico que será realizado, tendo a paciente (como qualquer outro paciente) direito à informação13.

Ademais, a violência obstétrica pode ser física, verbal ou moral/ psicológica. A violência verbal consiste em ofensa verbal proferida pelo profissional da instituição de saúde durante o atendimento à parturiente ou puérpera, diminuindo-a. Muitas vezes, essas ofensas são proferidas em tom de "brincadeiras", passando muitas vezes despercebidas.  A título de exemplo, frases em tom de ameaças como "se você não parar de gritar, não poderei te ajudar" ou "na hora de fazer, não gritou".

Já a violência moral é aquela que atinge o emocional da paciente, concretizando- se por ameaças veladas ou expressa. Como exemplo a indução de vontade para que a mulher realize cesariana, não sendo caracterizada apenas por uma ação verbal, pode ser também uma ação comportamental, como exemplo, o hospital negligenciar ou negar atendimento à mulher, não oferecer métodos de alívio da dor ou impor dificuldades para tal.

Por fim, a violência física ocorre quando há ação de membro da equipe médica que cause danos à integridade física da paciente, sendo exemplo comum, no parto vaginal, a episiotomia, que, na maioria dos casos, é realizada sem o consentimento da paciente ou até mesmo sem a transmissão de informação.

O Ministério da Saúde estabeleceu em 2018 novas Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal, recomendando a restrição do uso da episiotomia para partos vaginais espontâneos, devendo ser utilizada apenas em casos excepcionais14.

Outra prática comum que se caracteriza como violência física é a Manobra de Kristeller que "consiste em um profissional se colocar sobre a barriga da parturiente durante o trabalho expulsivo do parto e pressionar a barriga com movimentos que acarretem a expulsão do feto pelo canal vaginal"15.

Esses são alguns exemplos de violências caracterizadas como violências obstétricas, as quais podem ser caracterizadas, como manifestação da violência de gênero.

Deve-se destacar que no campo do Judiciário Brasileiro existem diversas demandas discutindo a ocorrência desses atos e as possíveis responsabilizações16. Nesse aspecto, destaca-se a pesquisa realizada por Taysa Schiocchet e Suéllyn Mattos de Aragão17 do que analisaram decisões judicias do sul do país e constataram diversas limitações na argumentação jurídica e na racionalidade, o que implica em uma insegurança e instabilidade ao sistema jurídica. Nesse cenário, percebe-se uma afetação negativa aos direitos das pacientes gestantes. 

Violência de gênero 

Segundo Silvia Pimentel, Ana Lúcia P. Schritzmeyer e Valéria Pandjiarjian18 "as relações de gênero ou relações sociais entre os sexos devem ser, pois, analisadas dentro de um complexo contexto de poder e violência, no qual se encontram inseridas".

Para Fidalgo (2020, p. 11) a violência de gênero:

[...] enquadra-se da mesma forma que toda e qualquer conduta que tem por base o gênero, que concorra para provocar, ou seja passível de, causar morte, dano ou sofrimento nos âmbitos: físico, sexual ou psicológico da mulher, tanto na esfera pública quanto na privada19. 

Outrossim, Saffioti aponta que tal conceito "[...] pode ser compreendido como uma relação de poder e de dominação do homem e de submissão da mulher, refletindo a ordem patriarcal de gênero"20.

Assim, diante de tais apontamentos sobre gênero, no que concerne à violência obstétrica, a prima facie aparenta que esta violência apenas atinge as mulheres, por serem aquelas que passam pelo processo gestacional, todavia, conforme anteriormente dito, também pode ser vítima o feto ou nascituro, contudo, o que busca-se evidenciar é em como os pais de gênero na sociedade e relações de poder, em vista de um passado histórico  patriarcal, influencial no tratamento dispensado às mulheres dentro do sistema de saúde, quando do período gestacional e puerpério.

Garcia21 aponta que o feminino foi historicamente construído como sinônimo de submissão e docilidade, assim, ainda hoje essa ideologia ressoa no que é esperado das mulheres posturas ativas e protagonistas são rechaçadas com violência. No mais, é válido salientar que no momento do parto a mulher encontra-se totalmente vulnerável, diante de suas condições físicas.

Garcia22 também ressalta que além da questão do feminino, por outro lado, os dados sobre o tema demonstram outros aspectos que influem na condição de vulnerabilidade e acabam por facilitar a violência, como a cor e a condição socioeconômica, sendo mais suscetíveis à violência obstétrica mulheres pretas, pardas e pobres.

Outrossim, muitas vezes, a gestante se submete à vontade imposta pelo profissional da saúde, pelas razões histórico-sociais já exposta, mas também por haver, ali no ambiente institucional, uma relação hierárquica de poder, a qual não é desvinculada ao contexto já mencionado.

[...] é possível verificar que no topo da relação hierárquica está o médico, o detentor de conhecimento técnico-científico, a maior autoridade sobre o corpo, a saúde, o cuidado e o tratamento do paciente. Na base, como representante hierárquico inferior, temos a gestante, cuja função única é a de seguir o que lhe é transmitido23. 

Um dos pontos primordiais que se deve ter em mente quando se está relacionando a violência de gênero com a violência obstétrica é a questão da autonomia da mulher em relação ao seu próprio corpo. Siqueira24 (2021) entende que a autonomia, enquanto direito que permite a intervenção médica no corpo do paciente, depende da obtenção prévia do consentimento livre e informado, para que seja possível afastar o injusto.

Ainda, a autora explica que não basta mera anuência para que a conduta médica seja regular, mas sim que a regularidade depende de uma série de pressupostos que visam garantir que a tomada de decisão da paciente seja livre. Deste modo, além de requisitos específicos que podem ser aplicados à situação, podemos verificar o consentimento por meio do conceito jurídico de autonomia da vontade, que deve ser livre de vícios como o erro, engano e coação.

[...] especialmente no caso das intervenções médicas, do cumprimento do dever de esclarecimento, que impõe ao médico a obrigação de informar ao paciente todos os aspectos referentes ao diagnóstico, às alternativas, à evolução e aos riscos do tratamento. Nas hipóteses em que não houver condições fáticas para colher o consentimento ou informar suficientemente o paciente, poderá o médico recorrer ao consentimento presumido para legitimar sua atuação, sempre orientando-se pela vontade presumida do paciente25. (Siqueira, 2021). 

Ressalva-se que, em que pese existência dessa autonomia, ela pode ser barrada em casos que houver um risco iminente de morte ou de lesão com potencial de afetar gravemente a qualidade de vida extrauterina do feto (como exemplo, uma lesão cerebral grave). Nessas condições, é e dever ser permitida a sobreposição da decisão médica sobre a da mulher, todavia, essa sobreposição deve ser justificada.

Para não haver dúvidas acerca da manifestação de vontade da mulher, Assis e Camargo26 (2022, p. 436) asseveram que é recomendada a elaboração de um plano de parto, que se trata de "[...] um documento elaborado pela gestante e o seu médico desde o início do pré-natal, sendo complementado ao longo do período gestacional".

Segundo Juvenal Borrielo, "é uma forma de comunicação entre a mulher, ou o casal, e os profissionais de saúde, incluindo obstetrizes e médicos que darão assistência durante o trabalho de parto"27. Entretanto, destaca-se que apesar do plano de parte ser uma ferramenta fundamental para o exercício da autonomia da gestante, não deve ser um obstáculo para impedir o obstetra a realizar procedimentos necessários e urgentes que sejam exigidos para a manutenção da vida dos envolvidos.

O que se verifica é que o plano de parto é uma alternativa de facilitação da comunicação entre a paciente e o médico, bem como uma forma de consolidação da verdadeira manifestação de vontade, mas ainda assim, não é uma garantia de que não haverá a sobreposição arbitrária de interesses médicos e institucionais sobre as decisões da mulher, consolidado uma violência que é manifestadamente de gênero, visto que a principal vítima é a mulher.

Conclusão

Em conclusão a violência obstétrica representa uma violação flagrante dos direitos humanos, destacando-se especialmente como uma afronta aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

Foi visto que, em que pese uma evolução histórica dos direitos sexuais e reprodutivos no âmbito internacional, no âmbito interno, ainda é corriqueira a violência obstétrica, não havendo normas federais que tratam sobre o assunto, de modo que há carência de um direito formal e material, bem como a carência de efetividade destes.

Essa violência é institucionalizada e perpetuada por uma cultura que desvaloriza a autonomia e dignidade das gestantes e parturientes, sobrepondo-se à autonomia da mulher, sendo-lhe, muitas vezes, negado o consentimento informado e perpetrados procedimentos invasivos.

O que se observa após o estudo, é que a violência obstétrica não apenas viola os direitos das mulheres, mas também perpetua desigualdades de gênero e contribui para a manutenção de um sistema de saúde que falha em garantir cuidados humanizados e respeitosos.

Para enfrentar efetivamente esse problema, é crucial que sejam implementadas políticas e práticas que promovam o respeito à autonomia das mulheres, reconheçam sua capacidade de tomar decisões informadas, bem como uma mudança legislativa, através da criação de leis federais. No mais, para que de fato haja proteção, deve haver uma fiscalização dos ambientes hospitalares, haja vista o fato dessa violência ser institucionalizada.

__________

1 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 9. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786553622456. Disponível aqui. Acesso em: 12 mar. 2024, P. 571.

2 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 9. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786553622456. Disponível aqui. Acesso em: 12 mar. 2024, P. 571.

3 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 9. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786553622456. Disponível aqui. Acesso em: 12 mar. 2024, P. 571.

4 SIQUEIRA, Flávia. Violência na assistência ao parto e (des)respeito à autonomia da mulher: o tratamento penal das intervenções médicas arbitrárias em gestantes e parturientes. Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 184. ano 29. p. 55-99. São Paulo: Revista dos Tribunais, outubro 2021. Disponível aqui. Acesso em: 12 mar. 2024.

5 OLIVEIRA, Luaralica Gomes Souto Maior de. Violência obstétrica e direitos humanos dos pacientes. Monografia (Graduação). Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2017. Disponível aqui. Acesso em: 12 mar. 2024.

6 VENEZUELA. Ley organica sobre el derecho de las mujeres a una vida libre de violencia, n° 38668. Venezuela. 23 abr. 2007. Disponível aquiAcesso em: 12 mar. 2024. Tradução nossa.

SOUZA, Alessandra Varrone de Almeida Prado. Direito Médico. 2. ed. Rio de Janeiro: Método, 2022. E-book. ISBN 9786559645565. Disponível aqui. Acesso em: 12 mar. 2024.

8 SOUZA, op. Cit.

9 OLIVEIRA, Op.cit., p. 24

10 LANSKY, Sônia et al. Violência obstétrica: influência da Exposição Sentidos do Nascer na vivência das gestantes. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 24, n. 8, p. 2811-2824, ago. 2019. Disponível aqui. Acesso em: 12 mar. 2024, p. 2815.

11 Apud ASSIS, Ana Elisa Spaolonzi Queiroz; CAMARGO, Sarah Silveira. A humanização do parto e a conduta do obstetra. Direitos Fundamentais & Justiça, Belo Horizonte, ano 16, n. 46, p. 425-446, jan./jun. 2022. Disponível aqui. Acesso em: 12 mar. 2024, p. 430.

12 SOUZA, op. Cit., p.248.

13 SOUZA, op. Cit., p.238.

14 SOUZA, op. Cit., p. 242

15 SOUZA, op. Cit., p. 242.

16 Como exemplo, vide a matéria do Portal Migalhas.

17 SCHIOCCHET, Taysa; ARAGÃO, Suéllyn Mattos de. Panorama jurisprudencial da violência obstétrica e análise discursiva das decisões judiciais do sul do Brasil. Revista Direito GV, v. 19, p. e2321, 2023.

18 KNIPPEL, Edson Luz; DIAS, Isabella de Antonio. O enquadramento da violência obstétrica como espécie de violência de gênero. Revista de Direito e Medicina. vol. 3. jul./set. 2019. Disponível aqui. Acesso em: 12 mar. 2024.

19 FIDALGO, Amanda Cabral. Violência contra a mulher x violência de gênero e os mecanismos internacionais de proteção aos direitos das mulheres. Revista Fórum de Ciências Criminais - RFCC, Belo Horizonte, ano 7, n. 14, p. 9-22, jul./dez. 2020.

Disponível aqui. Acesso em: 12 mar. 2024, p. 11

20 KNIPPEL; DIAS, op. Cit.

21 GARCIA, Anna Marcella Mendes. Violência obstétrica: uma barreira na efetivação dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. In: MENDES, Denise Pinheiro Santos; MENDES, Giussepp; BACELAR, Jeferson Antonio Fernandes (Coords.). Magníficas mulheres: lutando e conquistando direitos. Belo Horizonte: Fórum, 2023. p. 65-72.

ISBN 978-65-5518-488-4. Disponível aquiAcesso em: 12 mar. 2024.

22 GARCIA, op. Cit.

23 KNIPPEL; DIAS, op. Cit.

24 SIQUEIRA, op. Cit.

25 SIQUEIRA, op. Cit.

26 ASSIS, Ana Elisa Spaolonzi Queiroz; CAMARGO, Sarah Silveira. A humanização do parto e a conduta do obstetra. Direitos Fundamentais & Justiça, Belo Horizonte, ano 16, n. 46, p. 425-446, jan./jun. 2022. Disponível aqui. Acesso em: 12 mar. 2024.

27 Apud ASSIS; CAMARGO, op. Cit.