COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Migalhas de Direito Médico e Bioética >
  4. Entre a informação e a infração: A arte da comunicação médica no cenário digital global

Entre a informação e a infração: A arte da comunicação médica no cenário digital global

segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Atualizado em 5 de dezembro de 2025 14:03

O Direito Médico, enquanto ramo especializado do Direito, tem ganhado proeminência no cenário jurídico contemporâneo, impulsionado pela crescente complexidade das relações estabelecidas entre profissionais da saúde, pacientes e instituições médicas. Leciona Miguel Kfouri Neto, que o Direito Médico se debruça sobre a complexidade das relações que envolvem a saúde, buscando a justa medida entre a autonomia profissional e a proteção do paciente1.

A sua relevância é acentuada pela natureza sensível dos bens jurídicos tutelados, quais sejam, a vida e a saúde e pela constante evolução tecnológica e social que impacta diretamente na atuação médica. Destarte, a prática médica e, por extensão, o Direito Médico, são alicerçados em um conjunto de princípios éticos e bioéticos que visam guiar a conduta dos profissionais e assegurar a salvaguarda dos pacientes.

Paralelamente, a ascensão das redes sociais transformou velozmente a dinâmica da comunicação e interação em diversas esferas da vida, incluindo o ambiente da saúde. Plataformas digitais tornaram-se canais ubíquos de informação e engajamento, com um impacto significativo na forma como os pacientes buscam dados sobre saúde e como os médicos se comunicam com o público2.

Sob esta ótica, a publicidade médica é uma temática importante na atualidade, quer seja no âmbito da apuração de eventual responsabilidade civil, ou quando da investigação de cometimento de infração ética. Entretanto, essa nova realidade digital, em que pese ofereça oportunidades de educação e engajamento, também apresenta desafios éticos e legais substanciais para os profissionais da saúde.

Muitas pessoas recorrem ao Google para buscar informações de saúde antes de uma consulta. Outrossim, a rápida disseminação de informações, por vezes imprecisas ou descontextualizadas, pode amplificar a exposição de casos de má conduta, impactando a reputação profissional e contribuindo também para a judicialização da saúde3.

Ainda, a exposição indevida de pacientes, a autopromoção sensacionalista e a divulgação de informações médicas, fora dos limites éticos estabelecidos pelos conselhos profissionais, são riscos latentes que podem resultar em sérias consequências jurídicas, incluindo processos por violação de sigilo, danos morais e infrações éticas. Não obstante, a regulamentação da publicidade médica é balizada, pelo princípio de que a Medicina não deve ser mercantilizada e que a promoção de serviços, deve se manter estritamente informativa4

O cenário digital e a comunicação em saúde

Para os profissionais de saúde, essa nova realidade digital oferece oportunidades atinentes à educação em saúde, o compartilhamento de conhecimento e o fortalecimento da relação profissional-paciente. No entanto, a presença digital dos médicos transcende a esfera pessoal, inserindo-se em um contexto profissional que exige cautela e responsabilidade. A expansão das redes sociais e a consequente circulação de informações enganosas, muitas vezes apresentadas como "opiniões de especialistas", têm gerado impactos significativos na área da saúde.

Consequentemente, a facilidade de acesso, e a velocidade com que as informações se propagam, amplificam tanto o potencial positivo quanto os riscos intrínsecos a essa comunicação. A grande quantidade de conteúdos falsos produzidos diariamente e a rapidez com que se disseminam tornam esse trabalho ainda mais desafiador. A informação pode originar-se de qualquer fonte, sem qualquer critério5. Essa linha tênue entre o pessoal e o profissional, torna-se cada vez mais difusa, demandando uma compreensão aprofundada das implicações éticas e legais.

À luz desta conjuntura, o Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu a Resolução n. 2.336/2023, detalhada pelo Manual da Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos (CODAME)6, que dispõe sobre publicidade e propaganda médica, e preliminarmente faz a distinção dos referidos termos. Para fins de aplicação da Resolução em questão, o Capítulo III - que trata dos meios de publicidade e propaganda nas redes sociais próprias de médicos e estabelecimentos médicos - estabelece que a divulgação realizada nesses ambientes tem como finalidade informar à comunidade, de modo geral, as competências e qualificações dos profissionais, bem como as características dos ambientes, físicos ou virtuais, onde desenvolvem suas atividades.

Além disso, são consideradas redes sociais próprias: sites, blogs, Facebook, Twitter, Instagram, YouTube, WhatsApp, Telegram, Signal, TikTok, LinkedIn, Threads, e quaisquer outros meios similares que vierem a ser criados. A norma busca assegurar maior transparência na comunicação entre médicos e pacientes, equilibrando a necessidade de informação com a preservação da dignidade do paciente, do sigilo profissional e da ética da profissão. Uma das vedações mais significativas da nova resolução é a proibição de sensacionalismo, autopromoção exagerada e promessas de resultado em publicações médicas.

Em um exemplo prático: o médico(a) publica uma imagem de "antes" de um paciente e, em seguida, uma de "depois", acompanhadas de expressões como "garantia de pele perfeita em uma semana" ou "resultado garantido, sem risco". Tal conduta afronta a Resolução CFM nº 2.336/2023, pois configura promessa de resultado, utilização de conteúdo com apelo sensacionalista, práticas expressamente vedadas pela normativa. Ademais, a imagem não pode ser manipulada e o paciente não pode ser identificado. Nas demonstrações de "antes e depois", devem ser apresentados, quando existirem, possíveis desfechos insatisfatórios e eventuais complicações, a fim de oferecer uma visão realista.

Quando aplicável, recomenda-se apresentar a evolução do tratamento em diferentes biotipos e faixas etárias, incluindo sua progressão imediata, mediata e tardia. Publicações estruturadas dessa forma têm finalidade educativa, auxiliam o público a desenvolver expectativas mais realistas e contribuem para evitar práticas de propaganda enganosa. Promessas excessivas de resultados ou garantias absolutas podem induzir pacientes a decisões baseadas em expectativas equivocadas, especialmente considerando que a Medicina envolve variáveis biológicas e respostas individuais que não podem ser asseguradas.

Quanto ao sigilo profissionalcontinua sendo um dos pilares da relação médico-paciente e deve ser rigorosamente mantido em todas as plataformas digitais. A divulgação de informações confidenciais, mesmo que de forma indireta ou que possa levar à identificação do paciente, é uma infração ética grave7. Malgrado as oportunidades, a presença digital dos médicos acarreta uma série de riscos e desafios que podem ter sérias implicações morais e jurídicas. A busca por visibilidade e o desejo de atrair pacientes podem levar alguns profissionais a adotar práticas de Marketing que ferem a ética médica, como a promessa de cura milagrosa, a garantia de resultados estéticos ou o uso de depoimentos de pacientes como prova social. Referidos exemplos de condutas não apenas violam as normas do CFM, expondo o médico por vezes, a processos administrativos e judiciais.

Além disso, o liame entre o perfil pessoal e profissional, embora com conteúdos que pareçam inofensivos no contexto pessoal, pode ser interpretado de forma negativa no ambiente profissional. Comentários sobre casos clínicos, mesmo que genéricos, ou a postagem de fotos em ambientes hospitalares, sem a devida cautela, podem gerar mal-entendidos e comprometer a imagem. A jurisprudência tem se mostrado cada vez mais rigorosa na análise desses casos, considerando a vulnerabilidade do paciente e a assimetria de informações na relação médico-paciente. As redes sociais exercem um impacto bidirecional na reputação profissional dos médicos. Por um lado, uma presença digital ética e informativa pode fortalecer a imagem do profissional, aumentar a confiança dos pacientes e até mesmo gerar mais agendamentos.

Médicos que utilizam as plataformas para disseminar conhecimento científico de forma acessível e responsável, constroem autoridade e credibilidade. Em contrapartida, qualquer falha de conformidade nas redes sociais pode ter um efeito devastador na reputação. A rapidez com que informações negativas se espalham, e a dificuldade de removê-las do espaço virtual, são capazes de comprometer a carreira profissional de forma irreversível. Pacientes insatisfeitos, ou que se sentem lesados podem utilizar as redes sociais para expressar suas queixas, e o pior, mesmo que infundado, pode gerar uma crise de imagem do profissional e levar à judicialização do caso.

A percepção de que os médicos estão mais expostos no ambiente digital incentiva os pacientes a recorrer à Justiça para reivindicar seus direitos, e a facilidade de acesso à informação torna a prevenção de litígios ainda mais urgente. A gestão de riscos na Medicina envolve, dentre outros aspectos, a identificação, análise, avaliação e tratamento dos riscos inerentes à atividade médica. Isso inclui desde a prevenção de erros assistenciais até a conformidade com as normas éticas e legais, passando pela comunicação eficaz e pela documentação adequada8.

Ante o exposto, a atualização profissional e a educação continuada constituem medidas preventivas substanciais. Essas medidas, inclusive, podem ser sugeridas e oferecidas pelo Conselho de Classe, uma vez que a normativa demanda sapiência. A Medicina e o Direito são ciências em constante evolução, e as práticas de comunicação devem evoluir de forma correspondente para atender às necessidades dos pacientes, dos profissionais e da sociedade.

Inclusive, o arcabouço normativo também sofre alterações, e o profissional deve estar ciente dessas mudanças a fim de garantir a adequação de sua conduta. A constante evolução tecnológica e as mudanças nas relações sociais demandam uma vigilância constante e uma adaptação proativa por parte dos profissionais, de modo a garantir a segurança do paciente e a proteção dos direitos de todos os envolvidos.

_______

1 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 11. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024.

2 BACVSP - Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular de São Paulo. Médicos nas redes sociais. O que diz a ética?. Disponível aqui. Acesso em: 21 jul. 2025.

3 PROTEGE MÉDICO. O impacto das redes sociais na condenação de médicos. Disponível aqui. Acesso em: 21 jul. 2025.

4 PERSPECTIVAS.MED.BR. O impacto das redes sociais na escolha do médico e sua responsabilidade civil. Disponível aqui. Acesso em: 21 jul. 2025.

5 RIVABEM, F. S.; GLITZ, F. E. Z. Infodemia, publicidade de opinião e responsabilidade civil . Revista IBERC, Belo Horizonte, v. 8, n. 1, p. 80-101, 2025. DOI: 10.37963/iberc.v8i1.331. Disponível aqui. Acesso em: 25 nov. 2025.

6 BRASIL. Resolução CFM nº 2.336, de 13 de julho de 2023. Diário Oficial da União, Brasília, DF,13 set. 2023. Seção 1, p. 312. Disponível aqui. Acesso em: 05 set. 20259.

7 DANTAS, Eduardo. Direito Médico. Editora Juspodivm, 2023.

8 ACADEMIA MÉDICA. Direito médico: 5 passos básicos para a segurança jurídica. Disponível aqui. Acesso em: 21 jul. 2025.