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As plataformas de marketing digital do Google Ads ou Adword: A necessária conciliação da proteção à marca e à proteção aos titulares de dados pessoais

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Atualizado às 08:19

É certo que a principal porta de entrada no mercado eletrônico são os sistemas de buscadores de Internet, também chamados de motores ou ferramentas de busca (search engenies), que são oferecidos por empresas como Google, Yahoo, Bing, entre outras, destacando-se que o buscador da primeira, o Google Search, apresenta-se como a ferramenta de busca mais utilizada pelos internautas.

O comércio eletrônico, segundo Newton De Lucca, há muito se descortinou como uma grande ferramenta para o escoamento da produção de bens e de serviços:

O comércio eletrônico nada mais é do que o conjunto de relações jurídicas celebradas no âmbito do espaço virtual que têm por objeto a produção e circulação de bens e serviços. [...]

Em todas as retroaludidas ocasiões nas quais me pronunciei sobre o tema da proteção ao consumidor, no âmbito do comércio eletrônico, sem exceção, proclamei meu entusiasmo pelas possibilidades de crescimento dessa modalidade de escambo, bastando recordar, entre tantas, a comodidade de poder adquirir produtos ou serviços sem sair da própria casa e por preços menores do que os existentes nos estabelecimentos empresariais dos fornecedores, bem como na possibilidade de comprar coletivas com preços menores regulada pelo decreto 7.962, de 15 de março de 2013.1

Quem nunca passou pela experiência de buscar um produto ou serviço no Google Search quando, então, recebe um anúncio daquele item e, em seguida, nos próximos dias aparecem vários anúncios relacionados a busca? A Google vem aprimorando seus algoritmos de personalização, a partir de sofisticadas ferramentas de Inteligência Artificial, consegue estabelecer com exatidão as preferências dos usuários. A confortável situação de, com um simples clique, acessar um universo de informações tem conquistado os usuários, que desconhecem, na grande maioria dos casos, que deixam valiosas pegadas digitais. Como bem sintetizado por Eli Pariser2 no contexto do marketing comportamental, cada clique gera uma commodity valiosa e cada movimento do mouse é altamente disputado pelos players desse mercado. Assim, a plataforma Google Search e as dos demais aplicativos ofertados são usadas para orientações de questões triviais, como previsão do tempo, e também, para pesquisar preços de um produto ou serviço, além de suas características, ou mesmo como ferramenta de pesquisa.

No entanto, o tratamento de dados realizados pelos algoritmos nas plataformas de marketing digital conferiu ao comercio eletrônico um aumento exponencial da dinâmica de funcionamento do consumo e, assim, diversos reflexos para a atividade de produção e circulação de bens e de serviços.

São diversas as informações que identificam ou possam identificar os usuários o que podem se valer dos direitos assegurados pela LGPD. No entanto, devido à falta de informação e de transparência, será fundamental a atuação da ANPD para fiscalizar a observância da LGPD.

Esse novo normal do comportamento social trouxe ao universo jurídico novas perguntas, por exemplo: como equilibrar e conciliar os interesses dos consumidores (internautas), dos anunciantes dos bens e serviços e das plataformas de anúncios?

De um lado, tem-se a LGPD, que busca proteger os consumidores do tratamento ilícito de dados pessoais, uma vez que esses dados, quando utilizados de forma irregular, podem ser uma das forças motrizes para o funcionamento dos algoritmos do marketing digital. Isto porque a LGPD tem como premissa a de garantir ao titular de dados o controle da sua exposição na Internet e, assim, alcançar a sua justa expectativa na utilização dos recursos dessa esfera do espaço digital, isto é, encontrar ou não o "resultado livre" em suas buscas. Esse "resultado livre" é o que a Google Search convencionou chamar de "resultado orgânico".

Do outro lado têm-se os anunciantes. Não é novidade que as sociedades buscam maior visibilidade de seus bens e serviços e, para isso, não medem esforços, inclusive financeiros, para melhor a visibilidade de seus produtos ou serviços. O que antes se via no horário nobre da televisão, hoje se repete com os desenvolvedores dos algoritmos de forma ininterrupta, fazendo com que determinados anúncios apareçam no topo das buscas realizadas pelo consumidor.

A novidade das plataformas de marketing digital é que os algoritmos (que atuam no direcionamento da busca do consumidor), muitas vezes, não demonstram como se deu o resultado das buscas, nem às empresas nem aos consumidores, que desconhecem o porquê de determinada empresa liderar o topo da lista dos resultados de pesquisa.

Dessa forma, em alguns casos, a aquisição de "palavras-chaves" nas plataformas de marketing digital pode ocasionar ofensa ao direito marcário, porque empresas concorrentes podem se utilizar de elementos marcários de concorrentes como palavras-chaves. Essa conduta resulta no fato de que, quando o usuário busca no Google Search pelo nome de uma marca, o primeiro resultado mostrado pode ser o nome da marca concorrente, e, com efeito carona, causar prejuízos ou, ainda, obrigar o titular da marca a adquirir elementos de sua própria marca como palavra-chave, pagando o preço mais alto do leilão do Google Ads.

Valérie-Laure Benabou e Judith Rochfeld3 destacam que tecnologias que se utilizam de algoritmos devem ser explícitas e, se a era é a da governança dos algoritmos, o mínimo que os sujeitos governados esperam é transparência quanto às regras aplicáveis, de uma maneira inteligível. Não se trata de violação aos segredos comerciais, não se podendo exigir de um operador a publicação de seu know-how, sem qualquer justificativa, o que a LGPD deixa muito claro reforçando em diversas passagens a proteção aos segredos comercial e industrial. Ocorre que é preciso conciliar os interesses envolvidos, de modo a estabelecer uma obrigação de revelação útil e proporcional dos processos de tratamento para os titulares dos dados pessoais.

A partir do momento em que há um algoritmo direcionando a vontade do consumidor (como ocorre no "Google Ads" ou "AdWords", com claro potencial para limitar ou conduzir o exercício livre do direito de escolha do consumidor e das empresas), somado ao exercício de atividade lucrativa da plataforma (que é voltada ao oferecimento de "palavras-chave" a serem adquiridas por sociedades que podem ser concorrentes e podem utilizar-se do "produto" para o fim de alavancar suas atividades adquirindo elementos marcários de terceiros), faz-se necessária ponderação acerca das regras voltadas à regulação dessas atividades empresariais.

Assim, por um terceiro lado, há as plataformas de anúncios, pelas quais, de todo o exposto, é possível extrair deveres anexos às atividades empresariais.

A partir do momento que uma empresa é detentora de poder no mercado (neste caso, do mercado de buscadores na Internet) e desenvolve um modelo de negócios capaz de oferecer à sociedade uma plataforma de marketing digital com tecnologia apta a direcionar "pessoas certas" a "determinados produtos ou serviços", nos mais diversos setores e dos mais diversos graus de poder aquisitivo, não se pode tratar essa plataforma, seu "produto", tão somente como o exercício do direito à livre iniciativa. 

Nesse aspecto, as lições de Eros Roberto Grau são muito oportunas, quando afirma que não se pode reduzir a livre-iniciativa, tal qual consagrada no art. 1º, IV, do texto constitucional, meramente à feição que assume como liberdade econômica ou liberdade de iniciativa econômica.

E prossegue:4

Dela - da livre iniciativa - se deve dizer, inicialmente, que expressa desdobramento da liberdade.

Considerada desde a perspectiva substancial, tanto como resistência ao poder, quanto como reivindicação por melhores condições de vida (liberdade individual e liberdade social e econômica), podemos descrever a liberdade como sensibilidade e acessibilidade a alternativas de conduta e de resultado. Pois não se pode entender como livre aquele que nem ao menos sabe de sua possibilidade de reivindicar alternativas de conduta e de comportamento - aí a sensibilidade; e não se pode chamar livre, também, aquele ao qual tal acesso é sonegado - aí a acessibilidade.

Em síntese, a partir dessas premissas, a licitude da prática deve ser analisada no caso concreto e deverá levar em conta o modo em que os termos foram adquiridos pelas empresas. É sabido que o funcionamento do Google Ads ocorre a partir da aquisição, em leilão, de "palavras-chave" em três possíveis modalidades diferentes, quais sejam, a correspondência exata, ampla ou negativa.

O resultado ou função desta ferramenta é o de que o vencedor do leilão das "palavras-chave" aparecerá junto ao resultado orgânico, nas primeiras colocações, liderando o topo da lista com os resultados quando o usuário digitar o termo (palavra-chave) adquirido pela empresa. Além disso, a partir de "palavras-chave", aos olhos do consumidor, o resultado no Google Search do Google Ads se distingue do "resultado orgânico" somente pela palavra anúncio, que pode aparecer no canto superior ou inferior, de forma quase imperceptível ao consumidor médio.

Não se pode perder de vista, como já dito, que o algoritmo do Google Ads funciona em três níveis: o da correspondência exata, ampla ou negativa. Esses níveis atuam no Google Search a partir do radical do termo buscado pelo consumidor. Essas diferentes modalidades ajudam os anunciantes a controlar quais pesquisas podem acionar seus respectivos anúncios.

Acerca das modalidades de correspondência mencionadas, é preciso esclarecer que as "palavras-chaves" adquiridas na correspondência ampla são alcançadas por termos similares, ou seja, os anúncios podem ser exibidos em pesquisas que incluem erros ortográficos, sinônimos, pesquisas relacionadas e outras variações relevantes do radical e do sufixo. Já a correspondência negativa é o tipo de correspondência que impede que seus anúncios sejam exibidos em pesquisas que incluam determinado termo, ao passo que, na correspondência exata, os anúncios podem ser exibidos em pesquisas que correspondam ao termo exato ou variações muito aproximadas.

Portanto, é possível concluir que, embora a aquisição de marca alheia como "palavras-chave" na ferramenta do Google Ads tenha potencial para configurar concorrência desleal, a simples contratação da ferramenta não pode ser considerada como conduta desleal in re ipsa, ainda mais nos casos em que há discussão se houve violações às marcas que, por sua vez, podem ser registradas no INPI nas modalidades nominativa, figurativa ou mista, em classes e setores diferentes, configuram-se como forte ou fraca e recebendo proteções diferentes.

Logo, para caracterização do ilícito, deve ser demonstrada a modalidade de aquisição da "palavra-chave" e, em seguida (no caso de haver aquisição da palavra-chave capaz de ofender a proteção referente ao tipo), a modalidade e a classe da marca registrada.

*Cíntia Rosa Pereira de Lima é professora de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP Ribeirão Preto - FDRP. Doutora em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP com estágio na Universidade de Ottawa (Canadá) com bolsa CAPES - PDEE - Doutorado Sanduíche e livre-docente em Direito Civil Existencial e Patrimonial pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (USP). Pós-Doutora em Direito Civil pela Università degli Studi di Camerino (Itália) com fomento FAPESP e CAPES. Líder e Coordenadora dos Grupos de Pesquisa "Tutela Jurídica dos Dados Pessoais dos Usuários da Internet" e "Observatório do Marco Civil da Internet", cadastrados no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e do Grupo de Pesquisa "Tech Law" do Instituto de Estudos Avançados (IEA/USP).  Presidente do Instituto Avançado de Proteção de Dados - IAPD. Advogada.

**Emanuele Pezati Franco de Moraes é Mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FDRP/USP (2017-2019). Especialista pelo programa LLM em Direito Civil da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FDRP/USP (2018-2020). Pesquisadora no grupo de pesquisa Observatório da LGPD e Observatório do MCI, ambos vinculados ao CNPq. Associada Fundadora do Instituto Avançado de Proteção de Dados - IAPD. Associada do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil - IBERC. Advogada e sócia fundadora do escritório Advocacia Especializada Pezati Parceiros. Rede social - Instagram: aeppadv.

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1 DE LUCCA, Newton. A proteção dos consumidores no âmbito da internet. In: LIMA, Cíntia Rosa Pereira de; NUNES, Lydia Bastos Teles. (Coord.). Estudos Avançados do direito digital. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 93 - 94.

2 The Filter Bubble: how the personalized web is changing what we read and how we think. Nova York: Penguin Books, 2011. p. 07: "In the view of the 'behavior market' vendors, every 'click signal' you create is a commodity, and every move of your mouse can be acuctioned off within microseconds to the highest commercial bidder".

3 BENABOU, Valérie-Laure e ROCHFELD, Judith. À qui profite le clic? Le partage de la valeur à l'ère du numérique. Collection Corpus dirigée par Thomas Clay et Sophie Robin-Olivier. Paris: Odile Jacob, 2015. p.78.

4 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 10.ª ed. Malheiros: São Paulo, 2017. p. 197.