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A nova incorporação de casas geminadas ou isoladas

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Atualizado em 3 de agosto de 2022 11:59

Introdução 

A lei 14.382/2022 deu nova redação ao art. 68 da Lei de Incorporação Imobiliária, conferindo tratamento legal adequado à incorporação de casas isoladas ou geminadas. Embora já existisse a previsão legal em seu texto original, havia uma lacuna legislativa que gerava insegurança à sua aplicação prática. Essa falta de clareza foi corrigida pela nova redação.

Trata-se, efetivamente, de uma nova forma de incorporação imobiliária, que tem como característica central o desenvolvimento de bairros planejados sem que seja constituído o condomínio edilício. Neste breve texto, trataremos apenas dos pontos centrais do novo art. 68 da lei 4.591/64.

A incorporação imobiliária de casas isoladas ou geminadas em lotes de terreno: O desenvolvimento de conjuntos imobiliários

O traço característico deste negócio imobiliário tratado pela nova redação do art. 68 é justamente a alienação de lotes urbanos com o acréscimo da construção das unidades habitacionais sem a formação de um condomínio.

A concepção do projeto imobiliário diz respeito, essencialmente, a criação de bairros planejados, em que é incompatível a instituição do condomínio edilício, porque não se conseguiria administrar a convivência desta coletividade sob o regime condominial e, ao mesmo tempo, integrá-lo a cidade de maneira estruturada e orgânica.

A novidade do art. 68 autoriza que uma das pessoas indicadas no art. 31 art. da lei 4.591/64 ou 2º-A da lei 6.766/79 promova a incorporação imobiliária, sem que dela resulte a formação de um condomínio edilício. As áreas e vias públicas por ele abrangidas se manterão como integrantes do domínio público e não estarão submetidas a um regime condominial.

Como se percebe, a atividade do incorporador estará conectada com o próprio planejamento urbanístico das cidades, de maneira que não se trata apenas de uma mera incorporação imobiliária com a criação de uma célula condominial que será acoplada na cidade. Mas existirá uma interface com toda a comunidade adjacente que é integrada a esse novo bairro planejado que se desenvolve, agora, sob o manto da incorporação imobiliária.

Esse modelo de negócio empresarial é comum no ambiente dos Programas Habitacionais do Governo Federal, em especial, no âmbito do Programa Casa Verde e Amarela, atual programa habitacional sucessor do Programa Minha Casa Minha Vida.

Nesses programas habitacionais onde o empreendimento é implantado em grandes glebas, o empreendedor usualmente desenvolve a concepção do projeto imobiliário sob a roupagem de Loteamento Urbano, porém, agrega a comercialização da unidade residencial como elemento indissociável, uma vez que não seria possível acessar a linha de crédito habitacional, Sistema Financeiro de Habitação ("SFH"), pelo mutuário se não houvesse a comercialização da habitação ao consumidor final.

Vale destacar que a incorporação de casas não se destinará apenas aos programas habitacionais, mas poderá ser utilizada em qualquer contexto de desenvolvimento imobiliário, desde que atendidas as regras constantes do art. 68 e, ainda, não necessariamente precisa ser de destinado à habitação, podendo ser aplicável seu regramento também aos estabelecimentos não residenciais, como àqueles de uso misto.

A incorporação de casas manterá a integração das áreas públicas junto à municipalidade. As áreas e vias públicas como bens públicos autênticos se juntarão funcionalmente à cidade1. O resultado dessa operação urbanística consiste na geração de áreas que são privativas dos adquirentes e no provimento de áreas públicas, tais como as vias de circulação, logradouros públicos e equipamentos urbanos. Esses bens, efetivamente, passam ao domínio do Município, nos termos do art. 22 da lei 6.766/79 e integram o conjunto de bens da coletividade.

O desenvolvimento desta incorporação não pressupõe a prévia promoção do parcelamento do solo pelo empreendedor, de modo que pode promovê-la em loteamento ou desmembramento já previamente implantado. Além disso, é possível a promoção dessa nova modalidade de negócio imobiliário como uma decorrência natural do planejamento empresarial do incorporador, quando da concepção e estruturação deste conjunto imobiliário.

Os espaços que integram as áreas institucionais, vias públicas, áreas de lazer, permanecerão sob os cuidados da Administração Pública, não cabendo às unidades originadas da incorporação instituída pelo art. 68 o rateio de despesas pela conservação de tais áreas, ressalvados casos específicos em que sejam desenvolvidos loteamentos de acesso controlado com a criação de associações2.

Portanto, a nova redação do art. 68 dada pela lei 14.382/2022 tem clara inclinação para o desenvolvimento de conjuntos imobiliários planejados, deixando evidente a sua correlação com o direito urbanístico das cidades, já que as vias e áreas públicas, aliada aos próprios equipamentos urbanos, ficarão sob o domínio público.

Memorial de Incorporação

É o registro do memorial de incorporação que confere a habilitação para o incorporador levar a cabo sua atividade empresarial consubstanciada na alienação de lotes vinculados à construção das unidades durante o desenvolvimento do empreendimento.

Os documentos que deverão ser apresentados no âmbito do memorial de incorporação desta modalidade de negócio imobiliário são aqueles constantes do art. 32 da lei 4.591/64 e não tem relação com os documentos tratados pelo art. 18 da lei 6.766/79, que dizem respeito ao registro do parcelamento do solo.

Dada a particularidade de não serem formadas propriedades comuns, já que as áreas verdes, vias e equipamentos públicos já foram transferidos ao domínio público no registro do parcelamento de solo, o legislador excepcionou os documentos do art. 32 da lei 4.591/64 que não precisam ser apresentados.

No ato de registro do memorial, o incorporador deverá indicar a metragem de cada lote, assim como a área de construção de cada casa. Porém, está dispensado da apresentação dos documentos constantes das alíneas e, i, j, l e n, nos termos do parágrafo 2º do art. 68.

Aqui vale destacar que algumas alíneas, embora tenham sido dispensadas pelo legislador, poderão ser úteis ao incorporador e aos adquirentes. Assim, é possível que se apresente, por exemplo, a declaração de que trata a aliena "n" do art. 32, que fixa prazo de carência para confirmação ou denúncia da incorporação. Aliás, a sua apresentação revela uma conduta prudente do incorporador.

O legislador foi cuidadoso para que o memorial de incorporação seja tão completo quanto necessário à consecução deste negócio imobiliário, dispensados os documentos que não serão apresentados, porque incompatíveis com as características desta incorporação.

O Oficial de Registro de Imóveis deve exercer o controle destes de documentos para permitir a regularidade da incorporação de casas, mas é preciso reconhecer que, neste primeiro momento, será importante a atuação conjunta e cooperativa do Oficial de Registro de Imóveis junto aos incorporadores, a fim de que não seja obstado o próprio desenvolvimento imobiliário que foi prestigiado pelo novo art. 68.

Registro da Incorporação, patrimônio de Afetação e o RET

O parágrafo 3º do art. 68 trata sobre o registro do memorial de incorporação na matrícula de origem em que tiver sido assentado o registro do parcelamento do solo, vinculando determinados lotes ou a sua totalidade à construção das casas.

O legislador deixou expresso que esta incorporação também poderá ser submetida ao patrimônio de afetação, estabelecido pelo art. 31-A e art. 2º da lei n. 10.931/2004, trazendo segurança aos adquirentes e ao próprio incorporador.

A sujeição desta incorporação ao regime do patrimônio de afetação se dá pelo fato de ter sido caracterizada a atividade como incorporação imobiliária. Logo, fica evidente o tratamento legal, nos termos do art. 2º, II e art. 31-A da Lei n. 10.931/2004, com as mudanças promovidas na lei 4.591/643.

O patrimônio de afetação tem como objetivo central segregar os riscos diretamente atrelados ao empreendimento4. Os ativos segregados ficam afetados à finalidade do desenvolvimento do empreendimento e, para tanto, são afastados dos riscos e obrigações relativos às demais atividades que não digam respeito ao objeto de afetação5.

A técnica da afetação visa permitir o atingimento das finalidades da incorporação, evitando que os bens sejam desvirtuados ou alcançados por execuções de credores não vinculados ao patrimônio afetado6-7. Ao mesmo tempo, resguarda os interesses de toda a rede de contratos em torno da operação imobiliária, contribuindo para o fomento da atividade da construção civil ao tempo em que se protegem os adquirentes e demais credores.

Uma vez permitida a afetação da incorporação imobiliária de casas, é natural que se reconheça a possibilidade de utilização do Regime Especial de Tributação - RET, desde que tenha sido averbado o patrimônio de afetação na matrícula da incorporação, nos termos do §3º do art. 68 da lei 4.591/64.

O RET não é um tributo propriamente, mas uma forma de recolhimento aglutinado de tributos federais pelo pagamento de uma alíquota predefinida pela legislação quanto à receita mensal recebida. Essa sistemática de tributação é exclusiva àquelas incorporações imobiliárias que tenham sido submetidas ao patrimônio de afetação.

Com a adoção do RET, o incorporador usufruirá de uma alíquota unificada para pagamento da totalidade de suas receitas mensais, no montante de 4% e que envolve os impostos e contribuições federais IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, enquanto no Lucro Presumido esta alíquota é de 6,73%, de maneira que existe uma maior eficiência tributária com a adoção do RET.

O RET possui semelhanças como lucro presumido e não admite a utilização de prejuízos fiscais, tampouco compensações ou deduções. O RET da incorporação vigerá até o recebimento integral do valor das vendas das unidades que compõe o memorial de incorporação, independentemente da data em que ocorra a sua comercialização8.

Emolumentos: registros, averbações e o art. 237-A da lei 6.015/73

O legislador também foi atento quanto aos emolumentos. Assim, cuidou de submeter a incorporação de casas ao regramento previsto no art. 237-A da lei 6.015/73, que tem como objetivo a redução de custos atrelados ao desenvolvimento imobiliário, sem descuidar do respeito a formalidade dos atos registrais, bem como sem onerar demasiadamente o empreendedor e o adquirente e, ainda, sem atentar contra a qualidade e a justa remuneração dos serviços dos registradores.

Desta maneira, considerando o contexto do registro do parcelamento do solo e mesmo desta incorporação do conjunto imobiliário, o legislador estabeleceu que a cobrança será feita como ato único, e não como múltiplos atos, com fundamento no art. 237-A da Lei de Registros Públicos, garantindo-se o desenvolvimento imobiliário economicamente sustentável, já que a cobrança como múltiplos atos inviabilizaria financeiramente a incorporação de casas.

Conclusão 

Esse artigo teve como objetivo analisar brevemente a incorporação de conjuntos imobiliários à luz da nova redação do art. 68 da lei 4.591/64, dada pela lei 14.382/2022, com destaque para os principais aspectos legais desta nova modalidade de incorporação, bem como tratou da sua interface com a Lei do Parcelamento do Solo e Lei de Registros Públicos.

Bibliografia

ABELHA, André. Direito imobiliário: reflexões atuais. Porto Alegre: Paixão, 2021.

CHALHUB, Melhim Namem. Da Incorporação Imobiliária. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

MIRANDA, Victor Vasconcelos. TAKEISHI, Sandra Caparelli. Incorporação Imobiliária: O Planejamento Contratual, as suas Garantias e os Riscos da Recuperação Judicial do Incorporador. 4ª ed. Junho/2020. São Paulo: Revista IBRADIM de Direito Imobiliário, 2020. p. 249-273.

NIEBUHR, Pedro. Parcelamento do Solo Urbano in: Curso de Direito Imobiliário. Coordenador Marcus Vinícius Motter Borges. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.

SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Os Direitos do Compromissário Comprador diante da Falência ou Recuperação Judicial do Incorporador de Imóveis. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais | vol. 76/2017 | p. 173 - 193 | abr. - jun. / 2017 | DTR\2017\1648.

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1 NIEBUHR, Pedro. Parcelamento do Solo Urbano in: Curso de Direito Imobiliário. Coordenador Marcus Vinícius Motter Borges. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021 p. 305.

2 A possibilidade de estabelecimento de loteamentos de acesso controlado veio à tona com a modificação implementada pela Lei n. 13.465/2017, que alterou a redação do art. 2º, inserindo o §8º, na Lei n. 6.766/79. No entanto, para sua correta utilização faz-se necessária autorização municipal. Confira-se: art.2º, §8º: "Constitui loteamento de acesso controlado a modalidade de loteamento, definida nos termos do § 1o deste artigo, cujo controle de acesso será regulamentado por ato do poder público Municipal, sendo vedado o impedimento de acesso a pedestres ou a condutores de veículos, não residentes, devidamente identificados ou cadastrados".

3 Art. 2º A opção pelo regime especial de tributação de que trata o art. 1º será efetivada quando atendidos os seguintes requisitos: II - afetação do terreno e das acessões objeto da incorporação imobiliária, conforme disposto nos arts. 31-A a 31-E da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964.

Art. 31-A A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes.

4 CHALHUB, Melhim Namem. Da Incorporação Imobiliária. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p.85.

5 ABELHA, André. Direito imobiliário: reflexões atuais. Porto Alegre: Paixão, 2021. Passim.

6 Em idêntico sentido Cf.: SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Os Direitos do Compromissário Comprador diante da Falência ou Recuperação Judicial do Incorporador de Imóveis. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais | vol. 76/2017 | p. 173 - 193 | abr. - jun. / 2017 | DTR\2017\1648.

7 Cf.: MIRANDA, Victor Vasconcelos. TAKEISHI, Sandra Caparelli. Incorporação Imobiliária: O Planejamento Contratual, as suas Garantias e os Riscos da Recuperação Judicial do Incorporador. 4ª ed. Junho/2020. São Paulo: Revista IBRADIM de Direito Imobiliário, 2020. p.249-273. Passim.

8 Havia grande discussão fiscal acerca do momento em que se encerrava o RET. Para encerrar a controvérsia, o legislador inseriu pela lei n. 13.970/2019 o Art. 11-A, que dispõe: "O regime especial de tributação previsto nesta Lei será aplicado até o recebimento integral do valor das vendas de todas as unidades que compõem o memorial de incorporação registrado no cartório de imóveis competente, independentemente da data de sua comercialização, e, no caso de contratos de construção, até o recebimento integral do valor do respectivo contrato".