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Despesas condominiais - Marco inicial do pagamento por adquirentes de unidades em construção

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Atualizado às 07:36

A despeito das controvérsias que cercam o tema em referência, gostaríamos de compartilhar informações e reflexões sobre situações cotidianas de grande interesse para a indústria da construção civil, sobretudo para aqueles que se dedicam à atividade de incorporação imobiliária.

No que importa para o tema que pretendemos enfrentar, é importante relembrar que a obrigação de pagar as despesas de condomínio era regulamentada pelos arts. 4º, 9º e 12 da lei 4.591/64, e passou a ser disciplinada, após 10 de janeiro de 2003, pelos arts. 1.333; 1.334, I e § 2º, 1.336, I e 1.345, do novo Código Civil (lei 10.406/02).

Emerge dos mencionados dispositivos que pode ser considerado condômino não só o proprietário do imóvel (inclusive o promitente vendedor) indicado na matrícula correspondente, mas também, a ele equiparados, o promitente comprador e o cessionário de direito à aquisição, inexistindo na lei, que é a fonte primária do direito, distinção clara quanto à responsabilidade de cada um deles pelo pagamento das despesas condominiais.

Diante da lacuna legislativa existente, cabe à jurisprudência estabelecer os parâmetros aplicáveis em cada situação, levando em conta as particularidades do caso concreto, motivo pelo qual ainda persistem muitas dúvidas sobre a questão.

E nesse contexto em que prevalecem dúvidas e diferentes interpretações, impõe-se a atuação do Superior Tribunal de Justiça para tentar minimizar a insegurança jurídica que ainda ronda a questão da responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais, na medida em que uma das principais funções da Corte Superior é, justamente, buscar a uniformização da jurisprudência aplicável a determinados assuntos.

Por ocasião do julgamento do recurso especial representativo de controvérsia 1.345.331/RS, realizado em 8/4/15 e relatado pelo Eminente Ministro Luis Felipe Salomão, a segunda seção do Superior Tribunal de Justiça, levando em conta as peculiaridades do caso concreto1, consolidou o entendimento (Tema Repetitivo 886) de que a imissão na posse é essencial para que o promitente comprador seja responsabilizado pelo pagamento das despesas condominiais, conforme retratado na ementa do acórdão abaixo reproduzida, para a situação discutida naquela demanda:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. CONDOMÍNIO. DESPESAS COMUNS. AÇÃO DE COBRANÇA. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NÃO LEVADO A REGISTRO. LEGITIMIDADE PASSIVA. PROMITENTE VENDEDOR OU PROMISSÁRIO COMPRADOR. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. IMISSÃO NA POSSE. CIÊNCIA INEQUÍVOCA.

1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, firmam-se as seguintes teses:

a) O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação.

b) Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto.

c) Se ficar comprovado: (i) que o promissário comprador se imitira na posse; e (ii) o condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador.

2. No caso concreto, recurso especial não provido. (REsp 1.345.331/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, DJe 20/4/15)

Mesmo se tratando de recurso especial representativo de controvérsia, é relevante ressaltar que tanto na alínea "b" do item 1 da ementa, quanto no item 2, a própria segunda seção teve o cuidado de registrar a importância de se avaliar as especificidades de cada caso concreto para se aferir se a transferência da posse, gozo ou disponibilidade do bem ao terceiro adquirente, com base nos fatos e provas de cada demanda, é questão fundamental para o julgamento que estiver sendo realizado.

A ressalva feita, para além de demonstrar zelo, confirma que temperamentos existem às teses firmadas, inclusive no âmbito do próprio Superior Tribunal de Justiça, diante de circunstâncias especiais que enquadrem outros casos concretos como exceções às referidas teses, em decorrência de suas particularidades fáticas.

Por caracterizar exemplo recente de interpretação e relativização das teses firmadas no REsp 1.345.331/RS, merece destaque o acórdão proferido no julgamento do recurso especial 1.847.734/SP, realizado em 29/3/22 e relatado pelo Eminente Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, pelo qual a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça definiu que o promitente comprador deve pagar as taxas condominiais a partir do momento no qual as chaves estavam à sua disposição, quando houver recusa ilegítima em recebê-las. A ementa estabelece:

"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INEXIBILIDADE DE DÉBITO. DESPESAS CONDOMINIAIS. ENTREGA DAS CHAVES. RECUSA. MORA. RESPONSABILIDADE. ADQUIRENTE DO IMÓVEL.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. Cinge-se a controvérsia a definir a parte responsável pelo pagamento das despesas condominiais quando há recusa do adquirente do imóvel em receber das chaves.

3. O promitente comprador passa a ser responsável pelo pagamento das despesas condominiais a partir da entrega das chaves, tendo em vista ser o momento em que tem a posse do imóvel. Precedentes.

4. A recusa em receber as chaves constitui, em regra, comportamento contrário aos princípios contratuais, principalmente à boa-fé objetiva, desde que não esteja respaldado em fundamento legítimo.

5. O adquirente deve pagar as taxas condominiais desde o recebimento das chaves ou, em caso de recusa ilegítima, a partir do momento no qual as chaves estavam à sua disposição.

6. Recurso especial não provido."

Demonstrando sensibilidade às particularidades do caso concreto, o Eminente Ministro Relator, no voto condutor, ponderou que "a resistência em imitir na posse (e de receber as chaves) configura mora da parte adquirente, pois deixou de receber a prestação devida pelo alienante (no caso, a construtora). Nessa circunstância, o art. 394 do CC/2002 deixa claro que se considera em mora o credor que não quiser receber o pagamento e/ou a prestação no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer."

O recente precedente mencionado reforça a plausibilidade da tese de que a disponibilidade da posse já é suficiente para que o adquirente passe a pagar as despesas condominiais, nos casos em que a ausência de entrega das chaves da unidade decorrer de falta de quitação integral do preço convencionado.

Com efeito, é comum, em promessas de compra e venda de unidades incorporadas, a inserção de cláusulas contratuais dispondo: (i) que o termo inicial da responsabilidade do adquirente pelo pagamento de contribuições condominiais coincide com a data da assembleia geral de instalação do condomínio; (ii) que a obra será considerada concluída pela concessão do respectivo "habite-se"; e (iii) que a incorporadora exercerá regularmente o direito de retenção das chaves previsto no art. 52 da lei 4.591/64 até o recebimento integral do preço ou assinatura de contrato de financiamento.

Daí decorre que o fato posse, conforme convenção contratual, nem sempre coincide com o termo inicial de o comprador suportar as despesas de condomínio, pois o recebimento das chaves da unidade, já pronta, disponível e reservada, pode ocorrer bem depois da conclusão da obra, da expedição do "habite-se" e da instalação do condomínio, por fato decorrente de culpa exclusiva do comprador.

Isso porque muitas vezes, finalizada a obra, expedido o "habite-se" e instalado formalmente o condomínio, o adquirente incorre em mora ou inadimplemento total relativo ao pagamento da parcela final do preço, não sendo imitido na posse da unidade.

Para estes casos concretos específicos, em que o incorporador comprova a ocorrência cumulativa dessas três relevantes particularidades destacadas no parágrafo anterior, parece-nos inteiramente defensável, lícita e razoável, em termos de direito obrigacional, a disposição contratual pela qual o comprador se obriga a satisfazer o pagamento das contribuições condominiais a partir da instalação formal do condomínio, ato subsequente ao "habite-se", pois desde aquela data há plenas condições para o exercício da posse2. Se a entrega das chaves da unidade não ocorre naquele momento, isso se deve à vontade do adquirente ou à existência de parcelas do preço pendentes de pagamento, o que permite o exercício regular do direito de retenção das chaves pelo incorporador que está assegurado no art. 52 da lei 4.591/64.

É importante ter em mente que não se pode mesmo confundir a conclusão do empreendimento com a entrega das chaves das unidades a cada um dos adquirentes, na medida em que apenas a primeira depende de esforços exclusivos da construtora para sua caracterização, enquanto a segunda está condicionada ao efetivo cumprimento, pelo adquirente, das obrigações contratuais que assumiu como condição para aquisição do imóvel.

A confiança na tese ora defendida, que já vem sendo reconhecida em vários juízos e tribunais do país quando confirmada a ocorrência cumulativa das particularidades que a distinguem, reside, principalmente, nos argumentos de: (i) possibilidade de exercício da posse pelo adquirente adimplente desde a data de instalação do condomínio, sempre que ciente o condomínio da existência do contrato; (ii) necessidade de prevalência da vontade das partes, diante de uma disposição contratual válida e eficaz; (iii) impossibilidade de beneficiar o contratante inadimplente em detrimento daquele que está em dia com suas obrigações contratuais - a mora do adquirente caracteriza a retenção das chaves prevista no art. 52 da lei 4.591/64 como exercício regular de um direito previsto em lei - sob pena de subversão da lógica que rege o princípio da causalidade e de estímulo ao comportamento contraditório; e (iv) coerência da disposição contratual com o estabelecido no art. 395 do Código Civil, segundo o qual "Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado."

Nesse contexto, e por força do princípio da causalidade, entendemos que o adquirente de unidade, mesmo quando não imitido efetivamente na posse por não ter pago a integralidade do preço ajustado (ou seja, por culpa exclusiva sua), deve também responder pela obrigação de pagamento das despesas condominiais desde a data que lhe era possível receber as chaves do imóvel, pelos memos motivos jurídicos invocados pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do recurso especial 1.847.734/SP, em que houve recusa injustificada do adquirente ao recebimento das unidades.

Assim como ocorreu no acórdão acima mencionado, existem outros litígios em que a data da disponibilidade da posse deve se sobrepor à data de efetiva imissão para que sejam corretamente solucionados, em razão de suas especificidades fáticas comprovadas.

O entendimento em referência guarda plena coerência com o recente acréscimo do art. 67-A na Lei de Incorporações (lei 4.591/64), por meio da "Lei dos Distratos" (lei 13.786/18), tendo recebido o aludido dispositivo a seguinte redação:

"Art. 67-A . Em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, mediante distrato ou resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente, este fará jus à restituição das quantias que houver pagado diretamente ao incorporador, atualizadas com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, delas deduzidas, cumulativamente:

I - a integralidade da comissão de corretagem;

II - a pena convencional, que não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga.

§ 1º Para exigir a pena convencional, não é necessário que o incorporador alegue prejuízo.

§ 2º Em função do período em que teve disponibilizada a unidade imobiliária, responde ainda o adquirente, em caso de resolução ou de distrato, sem prejuízo do disposto no caput e no § 1º deste artigo, pelos seguintes valores:

I - quantias correspondentes aos impostos reais incidentes sobre o imóvel;

II - cotas de condomínio e contribuições devidas a associações de moradores;

(...)"

E como vários juízos e tribunais já vêm, com sensibilidade, reconhecendo essas distinções na análise de casos concretos, parece-nos válido o esforço coletivo para que o Superior Tribunal de Justiça afete oportunamente algum recurso especial versando sobre o tema para que seja julgado como representativo de controvérsia, objetivando que seja fixada a tese de validade da disposição contratual que atribui ao adquirente da unidade a obrigação de pagamento das despesas condominiais desde a data em que disponibilizada a posse, nos casos em que a efetiva imissão não ocorra ou seja retardada por ato exclusivo do comprador.