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Convenções Internacionais que deveriam ser ratificadas (ou aderidas) pelo Brasil para melhoria do ambiente de negócios

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Atualizado às 11:21

1. Introdução 

Em 2019 o Brasil estava na 71ª posição no Ranking global de competitividade, atrás do Peru (65ª posição), do Vietnam (67ª posição) e da Índia (68ª posição), conforme dados do Fórum Econômico Mundial.1

Tal desempenho é atribuído, entre outros fatores, à ineficiência do quadro jurídico para solução de conflitos e do quadro legal em regulamentação, à falta de transparência na elaboração de políticas governamentais e ao fardo no cumprimento regulatório.

Para que não haja dúvida, veja que na análise do índice "Eficiência do Quadro Normativo para as Soluções de Disputas", estamos na 120ª posição de 141 posições.2

Este mapeamento de nossas deficiências, contudo, não deve ser tido como motivo de desânimo, mas observado como identificação de oportunidades de aprimoramento.

Com este objetivo, o presente trabalho visa demonstrar que as Convenções Internacionais Marítimas, uma vez ratificadas ou aderidas pelo Brasil, poderiam, sem muito esforço legislativo, simplificar e modernizar a regulamentação do setor, melhorando o ambiente de negócios e, como consequência, atrair negócios para o país.

Veja-se que tais Convenções são discutidas por anos, às vezes décadas, por toda a comunidade, em foros adequados e técnicos (IMO, UNCITRAL, UNCTAD, ILO), inclusive com a ativa participação de representantes brasileiros, como, por exemplo, no caso da Convenção de Arresto de Navios, de 1999.3

Baseados nessa premissa, fizemos um levantamento de 165 Convenções Internacionais relacionadas ao Direito Marítimo e percebemos que o Brasil não é parte de 60% destas Convenções. A partir dessa constatação, listamos, em nosso estudo, 16 que especialmente deveriam ser ratificadas ou aderidas pelo Brasil sendo que uma delas, a MLC, Maritime Labor Convention (Convenção Sobre o Trabalho Marítimo) foi promulgada no presente ano de 2021, por meio do Decreto 10.671/21, três anos depois da elaboração da primeira versão de nosso estudo que foi inclusive encaminhado e recebido pelo MRE, em dezembro de 2018).

Conscientes do que a experiência internacional demonstra quanto a como o Brasil tem sido visto no setor, mundo afora, temos agora, pelo menos 15 Convenções Internacionais que, uma vez adotadas, elevarão o país a um novo patamar de alinhamento na atividade, neste breve espaço trataremos de duas delas, em uma oportunidade futura, trataremos das demais.

2. Convenção de Arresto de Navios de 1999 (International Convention on Arrest of Ships, 1999)

Países Membros da Convenção de Arresto de 1952: 71

Países Membros da Convenção de Arresto de 1999: 15

Posição do Brasil: Não é parte de nenhuma Convenção de Arresto

A Convenção de Arresto de Navios de 1999 foi redigida pelo CMI e surgiu da necessidade de revisar a Convenção de Arresto de 1952 e as Convenções de Hipoteca de 1926 e de 1967, como se verifica de decisão do CMI, antecedida por resolução da IMO e da UNCTAD no mesmo sentido.4

O texto da Convenção foi adotado pela Conferência Diplomática de Genebra, em 12 de março de 1999, tendo participado da elaboração da Convenção o CMI, a UNCTAD e a ONU-IMO.

Até 30 de junho de 2016 eram partes da Convenção de 1999: Albânia, Argélia, Benim, Bulgária, Congo, Equador, Estônia, Letônia, Libéria, Espanha e Síria.

O arresto de navios sempre teve tratamento diferenciado no Ordenamento Jurídico brasileiro.

Prova disso reside no fato de que o Decreto 737 de 1850 (artigo 338), subordinava o arresto (ou embargo) de embarcações exclusivamente às disposições do Código Comercial (artigo 479 e seguintes) e não às disposições comuns do arresto (ali também denominado "embargo") então previstas no próprio Decreto 737 (artigos 21 e 322 que em muito lembram as disposições constantes do CPC/73 nos artigos 813 e 814).

Apesar de a regra do artigo 338 do Decreto 737/185 não ter sido reproduzida no CPC/1939, no CPC/1973 nem no CPC/15, o tratamento diferenciado ao arresto de navio continuou garantido no Ordenamento Jurídico por conta da vigência do Código Comercial.

O Código Comercial ainda em vigor, possui regras específicas (artigos 479 a 483), de natureza heterotópica (regras processuais em um sistema de direito material) que autorizam o arresto de navio somente em situações bem delineadas.

Basicamente, os artigos do Código Comercial reconhecem que o arresto de navio é algo que afeta não só os interesses de seu proprietário, mas também da tripulação, dos afretadores, dos embarcadores, dos exportadores, dos importadores, das Autoridades Públicas, ou seja, do comércio como um todo, de modo que o arresto de navio representa uma questão que transcende o simples interesse privado de um credor do proprietário do navio, sendo essa a razão do tratamento tão restritivo quanto às hipóteses que autorizam a concessão da medida cautelar de arresto de navio.

Apesar de tais regras restritivas estarem em vigor, é fato que aqueles que militam no Direito Marítimo convivem com a mais completa insegurança jurídica quanto ao tema do arresto de navios, insegurança esta que não diminuiu com o advento do CPC/15.

Nesse cenário, o principal motivo para que o Brasil ratifique a Convenção de 1999 é o ganho de clareza quanto às hipóteses autorizadoras do arresto, eliminando, potencialmente, a insegurança jurídica quanto ao tema do arresto de navios.

A Convenção ainda deve ser ratificada em razão do seu tratamento a questões tormentosas relativas, por exemplo, às hipóteses em que é possível o arresto de navio por dívidas que não são de titularidade do proprietário, cf. art. 3(3).

Destaca-se ainda que a ratificação da Convenção não afetará qualquer direito das Autoridades Públicas brasileiras deterem (hipótese que nada tem a ver com a natureza acautelatória do arresto de navio para fins de garantia de um crédito) um navio com fundamento em Convenções Internacionais ou com base no direito interno brasileiro, visto que tal direito é expressamente resguardado pela Convenção, cf. art. 8(3). 

3. Convenção Internacional relativa a hipotecas e privilégios marítimos de 1993 (International Convention on Maritime liens and mortgages, 1993)

Países Membros da Convenção relativa a hipotecas e privilégios marítimos de 1926: 35.

Países Membros da Convenção relativa a hipotecas e privilégios marítimos de 1967: 6 (não está em vigor).

Países Membros da Convenção relativa a hipotecas e privilégios marítimos de 1993: 18.

Posição do Brasil: É parte da Convenção de 1926 (Promulgada por meio do Decreto 351/1935). Assinou, mas não aderiu à convenção de 1993.

O financiamento das atividades dos proprietários e armadores pelas instituições financeiras se tornou cada vez mais relevante para a manutenção e expansão da indústria da navegação. Tal fato conduziu à percepção da necessidade de um instrumento internacional que uniformizasse o reconhecimento da hipoteca marítima e que limitasse e uniformizasse os privilégios marítimos (maritime liens), créditos que têm preferência sobre a hipoteca.

O cenário acima conduziu à primeira convenção sobre o tema, a Convenção sobre privilégios e hipotecas marítimas de 1926, entretanto, o sucesso da referida convenção foi limitado, o que se vê pelo número de países que a ratificaram ou a ela aderiram.

A Convenção sobre o mesmo tema de 1967 tinha o claro objetivo de substituir a Convenção de 1926, como se lia em seu art. 25. Entretanto, tal objetivo jamais foi alcançado, visto que a Convenção não chegou a vigorar.

Tais fatos conduziram a um novo esforço internacional que culminou na Convenção de 1993, adotada na Conferência de Genebra em 1993. Tendo sido assinada por 57 países (incluindo o Brasil) e sendo eficaz desde 5 de setembro de 2004.

O principal ponto da Convenção é trazer segurança jurídica ao tema, uma vez que deixa claro, que a Convenção se aplica a navios registrados em um Estado Parte da Convenção e a navios registrados em um Estado que não seja Parte da Convenção, desde que o reconhecimento da hipoteca seja buscado frente a Jurisdição de um Estado Parte.

Tal tema é sensível, visto que recentemente decisão proferida por Tribunal de Justiça brasileiro deixou de reconhecer hipoteca registrada em um Estado que não era parte da Convenção de 1926, o que foi objeto de críticas inclusive na doutrina internacional.5

A acessão do Brasil à convenção também daria maior clareza ao tema, especialmente, depois da promulgação da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, uma vez que estabeleceria uniformidade no tema dos privilégios marítimos, atualmente regulados tanto no Código Comercial como na Convenção de 1926.

Na hipótese de o Brasil aderir à Convenção de 1993, deverá denunciar a Convenção de 1926.

4. Conclusões

Os mares exigem uma uniformidade normativa que torna inviável escapar da adesão das Convenções Internacionais Marítimas como única fonte de criação de um substrato legal capaz de gerar segurança jurídica.

Nosso déficit convencional marítimo representa um atraso não só com relação a maioria dos países europeus e asiáticos, como, inclusive, até com relação a nossos vizinhos sul americanos.

Podemos potencializar a vocação marítima natural do Brasil para que sejamos vistos sem desconfiança, com regras claras praticadas por toda a comunidade internacional, o que gerará estabilidade capaz de atrair investimentos e renda para o nosso povo.

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* A versão completa deste trabalho foi escrita por Luiz Roberto Leven Siano, Fabiana Simões Martins e por mim, Marcos Martins, e pode ser encontrada, na língua inglesa, em: https://www.smabrasil.adv.br/site/blog/siano-blog/international-maritime-conventions-in-brazil. Acesso em 07 nov. 2021.

* Aqueles que desejarem a versão completa, em língua portuguesa, podem solicitá-la pelo endereço eletrônico: [email protected] 

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1 Disponível em: https://www3.weforum.org/docs/WEF_TheGlobalCompetitivenessReport2019.pdf. Acesso em: 07 nov. 2021. p. 15.

2 Disponível em: https://www3.weforum.org/docs/WEF_TheGlobalCompetitivenessReport2019.pdf. Acesso em: 07 nov. 2021. p. 127.

3 O Brasil esteve representado na Conferência na qual foi elaborado o texto da Convenção, tendo não só assinado a ata final da Convenção, mas também tido um brasileiro, o advogado brasileiro Walter de Sá Leitão, como seu relator geral.

4 BERLINGIERI, Francesco. Berlingieri on Arrest of ships. v. II: a commentary on the 1999 Arrest Convention. 6. ed. Oxford: Informa, 2017. p. 1.

5 OSBORNE, David; BOWTLE, Graeme; BUSS, Charles. The law of ship mortgages. 2. ed. Oxon: Informa, 2017. p. 115.

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BERLINGIERI, Francesco. Berlingieri on Arrest of ships. v. II: a commentary on the 1999 Arrest Convention. 6. ed. Oxford: Informa, 2017.

LEVEN SIANO, Luiz Roberto; MARTINS, Fabiana Simões; MARTINS FILHO, Marcos Simões. International Maritime Conventions in Brazil 2018. Disponível em: https://issuu.com/sianoemartins/docs/international_maritime_conventions_/63. Acesso em 07 nov. 2021.

OSBORNE, David; BOWTLE, Graeme; BUSS, Charles. The law of ship mortgages. 2. ed. Oxon: Informa, 2017.

WORLD ECONOMIC FORUM. The Global Competitiviveness Report 2019. Disponível em:  https://www3.weforum.org/docs/WEF_TheGlobalCompetitivenessReport2019.pdf. Acesso em: 07 nov. 2021.