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Pedido de esclarecimento da sentença arbitral parcial à luz da jurisprudência recente do STJ

terça-feira, 28 de outubro de 2025

Atualizado em 27 de outubro de 2025 11:44

Após vinte e nove anos de vigência da lei 9.307/1996, já não se pode dizer que a arbitragem se configure como método novo ou desconhecido da realidade jurídica brasileira.

Pelo contrário, não é exagero afirmar-se que o país se transformou em uma referência do campo arbitral, estando inserindo, inclusive, na rota das arbitragens internacionais, com destaque para a solução de disputas de natureza societária e empresarial, muito em razão do advento da própria lei 9.307/1996 que fomentou o desenvolvimento do instituto; além do alto nível dos árbitros e das Câmaras Arbitrais instaladas no país; sem falar da vasta produção intelectual quanto ao tema, que se caracterizada pela interdisciplinaridade1, e que por isso propicia o desenvolvimento de estudos sobre a arbitragem em diversas áreas do conhecimento jurídico, como ocorre nas áreas de direito administrativo; tributário; ambiental; consumerista; internacional; empresarial; societário dentre outras, o que, evidentemente, contribui para o seu desenvolvimento.

Apesar dos mencionados avanços, há temas que ainda hoje suscitam dúvidas e inquietações no cenário arbitral. Entre eles, destaca-se o instituto da sentença arbitral parcial. Cuida-se de instrumento incorporado à lei de arbitragem pela lei 13.129/15 (art. 23, §1) e que, resumidamente, possibilita ao painel arbitral, por iniciativa própria ou a pedido da parte, na hipótese de cumulação de pedidos, decidir definitivamente parte do objeto do processo, desde que a matéria esteja em condições de ser decidida.

Veja-se, até por questão de racionalidade e eficiência do sistema é plenamente justificável que o árbitro profira sentença sobre parte do mérito se (i) a matéria for incontroversa; (ii) não houver necessidade de produção de outras provas; ou (iii) em razão da revelia forem presumidas verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor, não havendo razão para, nesse contexto, manter pendente de julgamento questão apta a ser decidida, apenas porque outras ainda não estão em condições de julgamento2, sem contar com o fato de que a análise integral do litígio está assegurada.

A sentença arbitral parcial, portanto, recebe o mesmo tratamento dado às sentenças únicas - aqui entendidas aquelas que, no mesmo ato, resolvem a lide integralmente -, de modo que transitará materialmente em julgado3, ainda que haja questões pendentes de julgamento. Sua eficácia será imediata, e constituirá título executivo se condenatória, além de que estará suscetível ao ajuizamento de ação declaratória de nulidade (art. 33 da lei de arbitragem), e à impugnação ao cumprimento de sentença.

Entretanto, sempre haverá questões que exigirão novas reflexões, demonstrando a necessidade e desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial para assegurar maior previsibilidade e segurança jurídica.

Não se ignora, nesse sentido, que, dentre outras, a temática referente à sentença arbitral ainda necessita de maior desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial no Brasil, carecendo também de delimitações conceituais como forma de evitar o mal hábito de que institutos de Direito Processual, ainda que correlatos, sejam indevidamente aplicados no Direito Arbitral.

A esse propósito, em recente julgado (REsp 2.179.459/SP, julgado em abril de 20254), o STJ, ao interpretar que o § 1º. do art. 33 da lei de arbitragem (alterado pela lei 13.129/15), decidiu que o pedido de esclarecimentos formulado ao Tribunal Arbitral - mesmo quando não acolhido - interrompe o prazo decadencial para a propositura da ação declaratória de nulidade, entendimento que também pode ser aplicado à hipótese de sentença arbitral parcial, sobretudo pelo risco de contradição entre decisões futuras e aquelas eventualmente já proferidas.

Trata-se de julgamento relevante, pois elucida lacuna do texto de lei, especificamente quanto ao início do prazo decadencial para ajuizamento da ação anulatória de sentença arbitral na hipótese de desacolhimento do pedido de esclarecimentos, definindo que o início da contagem do prazo para propositura de ação declaratória de nulidade se inicia com a notificação sobre o resultado do pedido.

Contudo, há nesse julgamento aspectos que merecem atenção e que, como se verá a seguir, revelam uma intrigante confusão conceitual que não pode passar despercebida.

O primeiro aspecto se refere ao fato de que o referido acórdão deixou de se atentar para o disposto no art. 207 do CC5, segundo o qual, salvo disposição legal em contrário, os prazos decadenciais não admitem suspensão ou interrupção e nesse ponto as exceções previstas em lei se restringem à proteção dos absolutamente incapazes (cf. arts. 208, 195 e 198 do CC), deixando de contemplar questão relativa ao início do prazo para ajuizamento de ação declaratória de nulidade da sentença arbitral que, portanto, não se interrompe nem suspende.

Nesse aspecto, o ponto fundamental está na necessidade de distinguir-se prazos materiais, como é o caso dos prazos decadencial e prescricional, de prazos processuais, considerando que se referem a questões jurídicas distintas, com regras próprias de contagem de prazo e consequências diferentes na hipótese de descumprimento.

Enquanto os prazos processuais se destinam a delimitar, temporalmente, a prática de atos no curso do processo, os prazos de direito material se destinam a demarcar o período para exercício de direitos subjetivos conferidos por lei, transcorrendo independentemente da existência do processo. Referem-se, os prazos de direito material, ao direito em si, ou seja, à existência, exercício ou extinção do direito material.

Percebe-se, portanto, o equívoco em que incorreu o acórdão proferido no REsp 2.179.459/SP, ao considerar que apresentação de pedido de esclarecimentos, enquanto ato de natureza processual, interromperia o prazo de direito material de 90 (noventa) dias para ajuizamento de ação declaratória de nulidade da sentença arbitral.

Nesse ponto, diferentemente do que ocorre com os embargos de declaração (art. 1.026 do CPC), o pedido de esclarecimentos não conta com efeito interruptivo incidente sobre toda a decisão.

Pela sistemática da lei de arbitragem, se apenas parte da sentença arbitral for objeto do pedido de esclarecimentos, a sentença será desmembrada e as partes não impugnadas serão consideradas capítulos definitivos, ou melhor, sentenças arbitrais parciais - afinal, apenas as partes impugnadas estarão sujeitas a correções, esclarecimentos de obscuridades, dúvidas, contradições, ou a expresso pronunciamento sobre ponto omitido.

É por isso que as partes da sentença arbitral que não estiverem pendentes de esclarecimentos configuram-se como sentença arbitral parcial e, portanto, (i) com eficácia imediata; (ii) constituindo título executivo se condenatória; (iii) estando suscetível ao ajuizamento de ação declaratória de nulidade (art. 33 caput e § 1º. da Lei de Arbitragem) no prazo de 90 (noventa) dias após o recebimento da notificação, além de (iv) sujeita à impugnação ao cumprimento de sentença.

Por outras palavras: a alteração da regra de início da contagem do prazo decadencial somente incidirá sobre os capítulos que tenham sido objeto do pedido de esclarecimentos, os demais já estarão sujeitos ao curso ininterrupto do prazo decadencial para propositura da ação declaratória de nulidade da sentença arbitral, nuance que não foi observada pelo Superior Tribunal de Justiça

Como se vê, ainda que novas indagações surjam - e surgirão - sobre as características, possibilidade(s) de impugnação, validade e eficácia da sentença arbitral, bem como sobre os efeitos do pedido de esclarecimentos previsto no § 1º do art. 33 da lei de arbitragem, o recente entendimento do STJ, embora relevante, demonstra-se frágil e impreciso tecnicamente, pois é capaz de fazer crer que o pedido de esclarecimentos previsto pela lei de arbitragem seria dotado de efeito interruptivo equivalente àquele conferido pelo art. 1.026 do CPC aos embargos de declaração, o que não ocorre.

Em síntese pedido de esclarecimentos e os embargos de declaração se assemelham apenas pelo fato de serem institutos que buscam o aperfeiçoamento de decisões, sendo que nenhum deles tem a capacidade de interromper o curso de prazos decadenciais. Quando muito, os embargos declaratórios interrompem o prazo processual para a interposição de recursos, e os pedidos de esclarecimentos, alteram o marco inicial para o início da contagem do prazo prescricional de 90 (noventa) dias para ajuizamento da ação declaratória de sentença arbitral apenas quanto à parte pendente de esclarecimentos. Nada mais.

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1 Lembre-se que Lei de Arbitragem possui natureza processual, definindo, em linhas gerais, questões relativas à instauração, condução e encerramento do procedimento arbitral, destinado a "dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis" (art. 1º. da Lei 9.307/96).

2 Destaque-se que embora o Código de Processo Civil não seja aplicável à arbitragem, os arts. 344, 355 e 356 do CPC/2015 fornecem parâmetros para a prolação de sentenças judiciais parciais (sobre a inaplicabilidade do Código de Processo Civil a arbitragens, vide REsp n. 1.851.324/RS, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 20/8/2024, DJe de 23/8/2024).

3 Sobre o tema: ALMEIDA, Cássio Drummond Mendes de. Arbitragem e Coisa Julgada. Londrina, PR: Thoth, 2021., p. 125-135.

4 (REsp n. 2.179.459/GO, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/4/2025, DJEN de 25/4/2025.)

5 "Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição."