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Reforma trabalhista e a exclusão do prêmio do salário de contribuição

A vinculação do conceito de prêmio ao seu pagamento "em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades", demanda, ou pelo menos não exclui, que haja a formalização de qual é o fato ou parâmetro que provoca o pagamento do prêmio a ao empregado ou terceiro, e a sua correlação lógica com o desempenho laboral extraordinário.

sexta-feira, 2 de março de 2018

Atualizado em 1 de março de 2018 14:45

Antes da edição da lei 13.467/17, era iterativo o posicionamento da jurisprudência trabalhista e tributária de que o valor pago habitualmente a título de prêmio teria natureza salarial, sendo contraprestação do trabalho (remuneração). O prêmio de desempenho se enquadraria no conceito de gratificação ajustada paga com habitualidade e, portanto, integraria o salário do empregado, inclusive, para incidência das contribuições previdenciárias.

Os contribuintes, por sua vez, arguiam que, quando não habitual, o valor pago a título de prêmio não integraria o salário de contribuição, estando abrangido pela previsão legal de que não são tributadas as importâncias recebidas a título de ganhos eventuais e os abonos expressamente desvinculados do salário, (item "7", da alínea "e", do § 9º, do art. 28 da lei 8.212/91).

Com a promulgação da lei 13.467/17, o arcabouço normativo se modificou substancialmente, o que exige nova avaliação do tratamento previdenciário do Prêmio de Desempenho.

A denominada "Reforma Trabalhista" efetuou profundas alterações da legislação trabalhista, entre elas a modificação do artigo 457 da CLT. O seu § 2º atualmente dispõe que: "As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário."

Já os §§4º e 22 do mesmo artigo, este último introduzido pela MP 808/17, conceituam como Prêmio: "as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades." Desde que pagas até duas vezes por ano, abrangendo também o pagamento a terceiros vinculados à atividade da fonte pagadora.

A lei 8.212/91, por sua vez, sofreu alteração no seu art. 28, § 8º, "a", e § 9º, "z", com a previsão expressa de que não integram o salário de contribuição, os valores pagos a título de prêmios e abonos. A alteração da norma de incidência das contribuições previdenciárias traz maior segurança, já que, apesar dos §§ 2º, 4º e 22 do art. 457 da CLT determinarem que os prêmios e abonos não integram a remuneração também para fins previdenciários, afasta-se a possibilidade de se arguir que, por ser matéria tratada por norma específica, a alteração da legislação trabalhista não produziria efeito no que se refere ao custeio previdenciário.

Para que o valor recebido pelo empregado, a título de prêmio ou abono, não integre a sua remuneração para fins trabalhistas e previdenciários, devem ser atendidos os seguintes parâmetros: a) o pagamento do prêmio deve decorrer de liberalidade do empregador; b) independentemente da sua habitualidade, os prêmios poder ser pagos no máximo duas vezes por ano; c) o prêmio deve estar, comprovadamente, vinculado a "desempenho superior ao ordinariamente esperado" do empregado no exercício de suas atividades; d) o prêmio não pode ser substituto de parcela salarial prevista no contrato de trabalho.

Mas ainda existe insegurança jurídica, da parte dos empregadores, pela inexistência de posicionamento jurisprudencial sólido sobre as alterações da reforma trabalhista, já que se trata de complexa e muito recente alteração legislativa.

No que se refere ao Prêmio, não se identifica, mesmo avaliando a jurisprudência anterior à reforma, inclusive do CARF, entendimento pacificado sobre os conceitos de "liberalidade" e de pagamento "em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado", utilizados pelo legislador como premissas para desvincular o prêmio por desempenho do salário dos empregados.

Com relação ao conceito de liberalidade, há duas interpretações possíveis, baseadas nas correntes existentes para integração salarial da parcela gratificatória. Ambas estabelecidas pela doutrina trabalhista com base na antiga redação do §1º do artigo 457, que previa a integração ao salário das gratificações ajustadas (figura inexiste na atual redação da CLT).

A primeira interpretação, baseada na corrente subjetivista, é no sentido de que liberalidade seria aquilo que é concedido pela empresa, mas não exigido pela legislação aplicável. Nessa hipótese, o empregador poderia, exclusivamente em função de sua vontade, instituir determinada gratificação, o que, contudo, não lhe vincularia à repetição do seu pagamento, ou à sua integração ao contrato de trabalho pactuado com o empregado. Normalmente esses pagamentos estavam vinculados a eventos socialmente relevantes (p. ex. aniversário da empresa), ou fatos empresarialmente considerados significativos (p. ex. aumento extraordinário da lucratividade, reconhecimento excepcional pelo mercado, entre outros).

A segunda interpretação, vinculada à corrente objetivista, é de que "liberalidade" seria aquilo que, além de ser concedido pela empresa, mesmo não havendo exigência legal, não pode ser prévia e contratualmente acordado. Nesse caso, o requisito essencial para o enquadramento como "liberalidade" da parcela seria a inexistência de pactuação do seu pagamento com o empregado, o que ocorreria com a sua formalização ou com o seu pagamento habitual (pactuação tácita).

A jurisprudência dos Tribunais1 é consolidada na linha da corrente objetivista, posicionando-se que a simples reiteração da parcela, tornando-a habitual, produziria a sua integração ao contrato e, em consequência, ao salário, independente da intenção do empregador.

No âmbito do CARF, da mesma forma, prevalece o entendimento de que a as contribuições previdenciárias somente não incidem sobre o ganho eventual, não pago habitualmente e não previamente ajustado entre empregador e empregado, não gerando expectativa do direito ao seu recebimento pelo empregado2.

Em caráter geral, colhe-se dos julgados do CARF o entendimento de que habitualidade é "conhecimento prévio de que tal pagamento será realizado quando implementada a condição"3, que "diz respeito à frequência da concessão da referida prestação"3.

Aplicando-se a interpretação de "liberalidade" vinculada à inexistência de pactuação formal ou tácita (habitualidade), o conceito de prêmio previsto no §§ 4º e 22 do artigo 457 da CLT teria a sua abrangência limitada aos pagamentos feitos a empregados sem qualquer prévia pactuação ou formalização, e decorrente de espontânea e não prevista decisão do empregador.

Com base nessa interpretação restritiva, o prêmio pago por mera liberalidade previsto no novo artigo 457 da CLT não poderia ser equiparado ao prêmio ajustado contratualmente (em contratos, políticas internas das empresas, ofertas de trabalho etc.). E dessa forma, aproximar-se-ia do conceito de gratificação eventual e não ajustada, que, mesmo antes da Reforma Trabalhista, já não integrava a remuneração para fins trabalhistas e previdenciários. Por sua vez, o prêmio contratualmente acordado se aproximaria do conceito de gratificação ajustada, que, de acordo com a jurisprudência consolidada da Justiça do Trabalho, integraria a remuneração.

Entretanto, entendemos que essa não é a melhor interpretação jurídica para a configuração do Prêmio regulado e conceituado pela atual redação do artigo 457 da CLT.

Caso contrário, a Reforma Trabalharia teria inovado apenas para esclarecer que os prêmios pagos por mera liberalidade (sem qualquer tipo de prévio ajuste ou pactuação), ainda que habituais, não passariam a integrar o salário; em sentido contrário ao atual entendimento jurisprudencial segundo o qual a habitualidade implica ajuste tácito.

A exposição de motivos do PL 6.787/164, que originou a lei 13.467/17, é expressa ao consignar que questão do entendimento jurisprudencial acerca do pagamento por liberalidade foi considerada e a alteração da legislação foi trazida justamente com a finalidade de ultrapassá-la, para que o empregador possa premiar o funcionário sem que tal parcela seja considerada salário.

Com a sua novel conceituação jurídica, o prêmio consiste na remuneração, habitual ou não, previamente pactuada ou não, que é paga de forma discricionária pelo empregador, por não corresponder ao salário fixado no contrato de trabalho do empregado, para remunerar o desempenho extraordinário, que extrapola àquele previsível e inerente à função do empregado.

Não é possível restringir o conceito legal de prêmio, sob o argumento de que somente o pagamento não pactuado ou previsível cumpriria o requisito da "liberalidade". Ora, o pagamento habitual torna a possibilidade de recebimento previsível, tendo o legislador expressamente consignado que essa característica não desnatura o prêmio.

O conceito de prêmio, positivado na CLT, é complementado pela vinculação ao parâmetro do "desempenho superior ao ordinariamente esperado".

Segundo a doutrina justrabalhista5, os prêmios consistem em parcela paga ao empregado em decorrência de evento ou circunstância considerada como relevante pela empresa e vinculada à conduta individual do empregado, ou de grupo de empregados. Compõe a sua natureza as características de contraprestação do trabalho prestado, e de condição, tanto que normalmente estão vinculadas a certas circunstâncias objetivas e subjetivas previamente pactuadas (aumento de vendas, captação de novos clientes, otimização de processos, etc) que, se atingidas, ensejarão o pagamento do prêmio6.

A jurisprudência trabalhista, da mesma forma, entende que, para caracterização de prêmio, esse deve estar diretamente relacionado ao desempenho do empregado7.

No seu conceito estrito, o prêmio se vincula exclusivamente ao desempenho do empregado, ou de grupo de empregados, frente à implementação de determinadas condições pactuadas, que normalmente se vinculam ao aumento da produção ou à eficiência do trabalhador.

O prêmio não se confunde com gratificação, à medida que os fatos ou circunstâncias propiciadores do pagamento desse último não se vinculam diretamente à conduta do trabalhador, mas sobretudo, a fatos ou acontecimentos objetivos e externos à vontade do empregado.

A alteração do artigo 457 da CLT, trazida pela Reforma Trabalhista, deixa explícito que para que os valores pagos a título de prêmio não integrem o salário dos colaboradores, as condições estabelecidas devem incentivar que o empregado exceda o seu desempenho regular, vez que esse último já é remunerado pelo salário mensal.

A vinculação do conceito de prêmio ao seu pagamento "em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades", demanda, ou pelo menos não exclui, que haja a formalização de qual é o fato ou parâmetro que provoca o pagamento do prêmio a ao empregado ou terceiro, e a sua correlação lógica com o desempenho laboral extraordinário.

Inclusive, para que haja maior segurança para o empregador, de que possuirá elementos para demonstrar que determinado pagamento efetivamente se refere à premiação de desempenho, é indicado que haja um parâmetro previamente formalizado de avaliação, que indique qual é o critério que define o desempenho superior ao ordinário, em face da atividade executada.

Essa definição deverá ser efetuada em face da realidade da empresa e da função desempenhada pelo empregado. O pressuposto básico é de que o prêmio não pode remunerar o desempenho normal do empregado, fazendo às vezes de salário.

Por exemplo, no caso de um profissional de vendas, o prêmio não pode fazer às vezes da comissão, remunerando cada venda efetuada. Mas é plenamente viável o empregador considerar a média de vendas por mês, no último ano, e instituir um prêmio a ser pago sempre que esse parâmetro médio for ultrapassado.

A reforma trabalhista, neste ponto, buscou incentivar a meritocracia e o incremento da produtividade do trabalhador brasileiro, ao reduzir o custo para o empregador na instituição de premiação por desempenho. Espera-se que a interpretação das autoridades fiscais e da jurisprudência sejam consentâneas com esses objetivos e com a vontade do legislador, exteriorizada no texto normativo.

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1 Súmula 207, STF: As gratificações habituais, inclusive a de natal, consideram-se tacitamente convencionadas, integrando o salário.

Súmula 152, TST: GARTIFICAÇÃO. AJUSTE TÁCITO. O fato de constar no recibo de pagamento de gratificação o caráter de liberalidade não basta, por si só, para excluir a existência de um ajuste tácito.

2 Vide: Acórdão 2401-004.107, proferido pela 2ª Seção/4ª Câmara /1ª Turma Ordinária, na sessão de 16/02/16.

3 Vide: Acórdão 2301-0,03.424, proferido pela 2ª Seção/3ª Câmara /1ª Turma Ordinária, na sessão de 14/0513.

4 PROJETO DE LEI 6.787, DE 2016 - Altera o DL 5.452, de 1º de maio de 1943 - Consolidação das Leis do Trabalho, e a lei 6.019, de 3 de janeiro de 1974, para dispor sobre eleições de representantes dos trabalhadores no local de trabalho e sobre trabalho temporário, e dá outras providências. Autor: PODER EXECUTIVO Relator: deputado ROGÉRIO MARINHO(...) Art. 457 A jurisprudência dos tribunais trabalhistas entende que benefícios pagos com liberalidade pelo empregador integram o salário do empregado, sobre ele incidindo encargos trabalhistas e previdenciários. A nossa intenção com a mudança proposta ao art. 457 é a de permitir que o empregador possa premiar o seu funcionário sem que isso seja considerado salário. É o caso, por exemplo, de reclamações comumente ajuizadas em que se requer a incorporação ao salário de um prêmio por vendas - uma viagem ou determinado objeto. O efeito concreto disso é a retração do empregador, que evita conceder esses prêmios sob o risco de vê-los incorporados ao salário, caracterizando um claro prejuízo aos empregados. Além disso, acrescentamos uma definição do que é prêmio de forma a sanar as inúmeras divergências jurisprudenciais e doutrinárias existentes e que dificultam o pagamento desse tipo de liberalidade.

5 O desembargador Federal do Trabalho Sérgio Pinto Martins leciona que "a natureza jurídica do prêmio decorre de fatores de ordem pessoal relativos ao trabalhador, ou seja, seria uma espécie de salário vinculado a certa condição".MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Individual do Trabalho. Atlas, 12ª Edição, pág. 234

6 Cite-se: BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo: Ltr, 2008, p. 770)

7 "Saliente-se, outrossim, que o fato de a premiação ser paga em valores variáveis não retira a sua natureza salarial, eis que, via de regra, o pagamento de prêmios está diretamente relacionado à produtividade do empregado, o que se mostra lícito." (TRT 2ª Região. Processo 0000914-57.2012.5.02.0057)

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*Alessandro Mendes Cardoso é sócio do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados, mestre em Direito Tributário e professor em cursos de pós-graduação do IBMEC e PUC/MG.

*Simone Bento Martins Cirilo é advogada do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados, mestranda em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET.

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