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Quinto constitucional: uma garantia para a sociedade

Alexandre Pacheco Lopes Filho e Celso Barros Coelho Neto

O quinto constitucional não é um privilégio criado para contemplar advogados e membros do Ministério Público, trata-se de uma garantia para a sociedade!

sábado, 28 de julho de 2018

Atualizado em 25 de setembro de 2019 17:27

Nos últimos dias, alguns setores da magistratura vêm alardeando uma forte campanha contra o quinto constitucional. A Associação Nacional dos Magistrados Estaduais -ANAMAGES propaga, abertamente, em redes sociais, mensagens contra a cota constitucionalmente destinada ao Ministério Público e à advocacia nas cortes brasileiras. O Presidente da instituição, Magid Nauef, chegou a declarar que "o quinto constitucional é preenchido pelo advogado fracassado".

 

Tais fatos, exigem uma reação altiva e imediata do Conselho Federal da OAB e das entidades de classe representativas dos membros do Ministério Público, principalmente daquele, inclusive já tomada em pronta reação de seu Presidente, tendo em vista o ataque direto à advocacia.

 

Em seu perfil na rede social Instagram, a ANAMAGES, ao afirmar que o "quinto constitucional é uma mácula que a República não pode carregar", informa que irá empreender esforços "junto ao Congresso Nacional para a exclusão do artigo 94 da Constituição Federal".

 

O aviso deveria acender um sinal de alerta para os profissionais da advocacia e membros do parquet, que além de responder publicamente aos ataques, poderiam fazer um forte lobby contrário junto aos parlamentares federais, sob pena de assistirem de camarote ao fim do quinto constitucional, caso permaneçam inertes.

 

A posição da ANAMAGES revela, no fundo, um preconceito velado contra a advocacia, ao considerar o juiz concursado o único capaz de exercer a jurisdição. Primeiramente, cabe lembrar que os membros do Ministério Público são todos concursados e muitos advogados também, tendo em vista que boa parte deles também segue carreiras públicas, como, por exemplo, os Procuradores Federais, de Estados e Municípios, Procuradores Estatais, entre outros.

 

No entanto, é óbvio que existem incontáveis advogados que optam exclusivamente pela advocacia privada e são mais que preparados para assumir um cargo em qualquer tribunal. Grande parte dos maiores juristas brasileiros está dedicada exclusivamente à advocacia privada.

 

Também é válido destacarmos que, dos 11 Ministros do Supremo Tribunal Federal (onde não há quinto, apenas a nomeação direta), apenas 2 deles - os ministros Luiz Fux e Rosa Weber - são oriundos da magistratura, sendo outros 8 oriundos da advocacia e o eminente ministro Ricardo Lewandowski oriundo do Tribunal de Justiça de São Paulo, porém por acesso via quinto constitucional.

 

No fundo, a campanha pelo fim do quinto constitucional revela muito mais um interesse classista (no sentido de se reservar mais vagas em tribunais para os juízes de primeiro grau) do que uma preocupação "republicana".

 

A cota destinada ao Ministério Público e à advocacia foi introduzida no Brasil na época do Governo Provisório de Getúlio Vargas, sendo positivada no artigo 104, §6º, da Constituição de 1934, in litteris:

Art. 104. Compete aos Estados legislar sobre a sua divisão e organização judiciárias e prover os respectivos cargos, observados os preceitos dos arts. 64 a 72 da Constituição, mesmo quanto à requisição de força federal, ainda os princípios seguintes:

§ 6º - Na composição dos Tribunais superiores serão reservados lugares, correspondentes a um quinto do número total, para que sejam preenchidos por advogados, ou membros do Ministério Público de notório merecimento e reputação ilibada, escolhidos de lista tríplice, organizada na forma do § 3º.

A partir daí, o quinto esteve presente nas diversas Constituições brasileiras, até a vigente Constituição Federal, estando inserido atualmente no art. 94.

 

O rodízio entre advogados e integrantes do Ministério Público foi introduzido pela Constituição de 1946, que também inovou ao exigir pelo menos dez anos de prática forense em seu art. 124, inciso V, vejamos:

Art. 124. Os Estados organizarão a sua Justiça, com observância dos arts. 95 a 97 e também dos seguintes princípios:

V - na composição de qualquer tribunal, um quinto dos lugares será preenchido por advogados que estiverem em efetivo exercício da profissão e membros do Ministério Público, de notório merecimento e reputação ilibada, com dez anos, pelo menos, de prática forense. Para cada vaga, o Tribunal, em sessão e escrutínio secretos, votará lista tríplice. Escolhido um membro do Ministério Público, a vaga seguinte será preenchida por advogado; (Redação dada pela Emenda Constitucional 16/65)

A participação de advogados e integrantes do parquet na composição dos tribunais é de fundamental importância para a manutenção de um equilíbrio, na mesma esteira do sistema de checks and balances que norteia a Constituição Federal brasileira.

 

Ora, da mesma forma que o Sistema de Freios e Contrapesos, consagrado por Montesquieu, destina-se a manter um equilíbrio entre os Poderes da República, o quinto constitucional tem como finalidade a manutenção do equilíbrio internamente, dentro de um Poder.

 

Nesse sentido, Gilmar Ferreira Mendes e André Rufino do Vale2 acentuam que "no Brasil, o princípio do quinto constitucional rende notória homenagem a esse valor, permitindo que as cortes tenham, necessariamente, uma composição diversificada".

De acordo com o entendimento de Rodrigo Prates3, o quinto gera novas jurisprudências em decorrência da diversificação das composições das cortes, in litteris:

O quinto constitucional é, sem dúvida, um importante mecanismo de oxigenação dos tribunais, posto que é por meio dele que se incluem dentre os julgadores, sejam ministros ou desembargadores, juristas oriundos da advocacia e do Ministério Público. Em que pese hajam críticas ao instituto é necessário frisar que, na realidade, o quinto é o responsável pelo surgimento de novos entendimentos e posicionamentos jurisprudenciais, na medida em que as visões de tais julgadores nem sempre são as mesmas que as dos magistrados de carreira.

Aliás, o quinto não pode ser confundido com uma indicação direta, como ocorre, por exemplo, na nomeação dos ministros do Supremo Tribunal Federal pelo Presidente da República. A nomeação de um Desembargador pelo quinto constitucional decorre de um complexo processo de escolha que conta com a participação, inclusive, do próprio Tribunal.

 

O quinto constitucional não é um privilégio criado para contemplar advogados e membros do Ministério Público, trata-se de uma garantia para a sociedade! Uma garantia de que o Poder Judiciário não será exercido por julgadores oriundos de uma única categoria profissional. Nesse ponto, é oportuno lembrar do ensinamento de Rui Barbosa: "A pior ditadura é a do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer".
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1 A influência do pensamento de Peter Häberle no STF.

2 PRATES, Rodrigo. O instituto do quinto constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3998, 12 jun. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/28226>. Acesso em: 15/7/18.
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*Alexandre Pacheco Lopes Filho é advogado e procurador estatal.

*Celso Barros Coelho Neto é advogado e procurador do estado do Piauí.

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