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As relações de consumo e o covid-19

Rafael Tedrus Bento e Camila Eduarda M. de Almeida

Posicionamento adotado pelo PROCON, a fim de tentar minimizar os risos e prejuízos neste período de calamidade pública

terça-feira, 31 de março de 2020

Atualizado às 11:14

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1.  Relações de Consumo no Brasil

No Brasil, há uma lei específica, a 8.078/90 que versa sobre a proteção do consumidor e dá outras providências sobre este assunto, sendo conhecido como o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Em termos gerais, entende-se como relação de consumo, aquela que para se concretizar é necessário a presença de 03 elementos essenciais, o "tripé", sendo o fornecedor, o consumidor e algo que os liga, podendo ser um produto ou serviço.

O CDC define cada um dos elementos em seus artigos. O consumidor é definido no art. 2, o qual garante que este adquire o produto como destinatário final, isto é, para uso próprio ou da sua família. Há outras formas de caracterização do consumidor, como o por equiparação, explicado no parágrafo único do art. 2, o art. 17 e o art. 29 do mesmo código.

Já o fornecedor é conceituado no art. 3º do CDC, como aquela pessoa que insere produto ou serviço no mercado de consumo com habitualidade, independente das características daquela.

Por fim, mas não menos importante os produtos e serviços são definidos nos §2º e 3º, do art. 3, do CDC, respectivamente, sendo aqueles passíveis de serem comercializados.

1.1. Princípios regentes da Relação de Consumo

A relação de consumo é norteada por uma série de princípios, que tem por objetivo a busca pelo equilíbrio contratual, como o da boa-fé, proporcionalidade e transparência.

Considerado um dos princípios mais importantes na relação de consumo, o da boa-fé é disciplinado no art. 4º, III do CDC, e tem por objetivo estabelecer que as partes hajam com lealdade e cooperação, a fim de não onerar a atividade ou expectativa da contraparte, vedando a imposição de cláusulas abusivas.

Decorrente deste princípio supracitado, há o Princípio da Proporcionalidade, o qual tem por objetivo garantir que haja reciprocidade entre as prestações de cada parte. Caracterizado no art. 6º, V do CDC, o qual preceitua que é direito básico do consumidor alterar cláusulas desproporcionais ou excessivamente onerosas.

Neste mesmo sentido, há o Princípio da Transparência, o qual está garantido no art. 4º, "caput" do CDC, que tem por objetivo que as partes contraentes, bem como as cláusulas do contrato, sejam claras e específicas, a fim de não restar dúvidas ao consumidor.

Dessa forma, importante que haja a aplicação destes princípios com os demais que regem a relação de consumo, a fim de que esta se torne o mais justa possível, perante as condições de cada parte.

1.2.  Vulnerabilidade na Relação de Consumo

Incontroverso que a relação de consumo apresenta clara vulnerabilidade de uma das partes, sendo especificamente o consumidor. Esta característica é um dado objetivo quando se trata deste tipo de relação, decorrente dos fornecedores estarem em uma posição majoritária, tanto economicamente, quanto de informações.

Ademais, o consumidor não tem qualquer conhecimento sobre a estrutura dos fornecedores, nem tão pouco sabem sobre o ciclo de produção, só tendo conhecimento do produto final, o que o torna mais frágil ainda na relação contratual.

Com essa posição vulnerável de uma das partes, o Código de Defesa do Consumidor acaba tendo como dever a proteção do consumidor, a fim de que seja estabelecido o equilíbrio contratual nas relações de consumo.

1.3.  PROCON - Proteção de Defesa do Consumidor

A Fundação PROCON foi o primeiro órgão público a implementar o Programa de Municipalização da Defesa do Consumidor no Brasil. 

Tal fundação, tem por objetivo a proteção e defesa do consumidor, mas não apenas isso, visa também o equilíbrio e harmonização das relações de consumo, bem como a melhoria da qualidade de vida da população e a facilitação do exercício da cidadania.

Entre as diversas atividades exercidas pelo PROCON, dentre elas, destacamos, recebimento e processamento nas relações administrativas, individuais e coletivas, contra fornecedores de bens ou serviços; orientação aos consumidores e fornecedores acerca de seus direitos e obrigações nas relações de consumo, fiscalização do mercado consumidor para fazer cumprir as determinações da legislação e de defesa do consumidor, acompanhamento e propositura de ações judiciais coletiva.  

2.  O vírus sem precedentes que assola o mundo e traz consequências para as relações de consumo

Em breve síntese, relata-se que o vírus do Covid-19 foi isolado, pela primeira vez em 07 de janeiro de 2020, sendo identificado na cidade chinesa Wuhan, ocorrendo a primeira morte decorrente daquele, quatro dia após o isolamento inicial do vírus.

O vírus se alastrou tão rapidamente que que em março de 2020, todos os continentes tinham sido afetados, até que no dia 11 deste mês, a OMS decretou que o Covid-19 era uma pandemia.

Também conhecido como coronavírus, a transmissão ocorre, de forma geral, de pessoa para pessoa, através do ar, por meio de tosse e espirros da pessoa contaminada.

Ainda não há um tratamento específico a fim de prevenir o vírus, em questão. Assim, como forma de minimizar o contágio e diminuir a proliferação do vírus, além das medidas rigorosas de higiene e limpeza que deverão ser adotadas, recomenda-se o distanciamento e/ou isolamento social.

O distanciamento social é indicado para todos aqueles que sair de casa é imprescindível. Logo, quando saírem é recomendado que se mantenha uma distância de em média 1,5m de distância das outras pessoas, já quanto ao isolamento social é indicado para aqueles que já testaram positivo para doença, devendo ficar em casa, a fim de não contaminar outras pessoas.

A fim de incentivar que a diminuição de circulação de pessoas, os Estados-Membros adotaram outras medidas, para manter as pessoas em casa, dentre elas, o fechamento dos shoppings, comércio de rua, academias, bares, entre outros.

Só foi permitido o funcionamento de atividades consideradas essenciais, sendo, farmácias, restaurantes através de delivery, padarias, lojas de conveniência e postos de gasolina, por exemplo, desde que reforcem as medidas de limpeza e higiene.

Sendo assim, diante destas medidas necessárias para o combate do coronavírus, afeta-se diretamente as relações de consumo.

3.  Evento de Força Maior e a relação de consumo

Denomina-se evento de força maior, aquele determinado no parágrafo único do art. 393 do Código Civil, em que não se é possível evitar ou impedir os efeitos de determinadas situações.

Em termos gerais, são situações inesperadas e imprevisíveis, as quais por possuírem estas características não dão oportunidade para que sejam adotadas medidas preventivas ou impeditivas em relação ao fato.

Incontroverso que a pandemia do Coronavírus é uma situação de força maior, tendo em vista, que não era possível prever a incidência deste vírus em uma escala tão grande e que este, traria consequências tão drásticas.

Sendo assim, a adoção destas medidas afeta diretamente as relações de consumo, já que na maioria dos contratos decorrente deste tipo de relação, como por exemplo, os contratos de clubes, academias, eventos, viagens, entre outros, sofreram uma interrupção em seu curso, ou seja, houve uma cessação nos contratos estabelecidos entre consumidor e fornecedor.

No caso em tela, seria possível enquadrar a situação no art.14, §3º do Código de Defesa do Consumidor, o qual adota a teoria do risco da atividade, ou seja, que o caso de força maior é uma das únicas possibilidades de afastar a responsabilidade do fornecedor, tendo em vista, que ele não deu causa, nem concorreu direta ou indiretamente para a interrupção do contrato.

A situação anormal que assola o país, ou seja, o estado de calamidade pública, caracteriza a ausência do nexo de causalidade, o que afasta a culpa em relação ao fornecedor, tendo em vista que se trata de um evento de força maior, que independeu da vontade das partes para ocorrer.

4.  A posição do PROCON frente aos contratos de consumo durante a situação de calamidade pública

Evidente que não apenas o país, como o mundo vive uma situação excepcional, com danos e prejuízos, até então incalculáveis.

Neste sentido, como citado anteriormente, diversos foram os casos de interrupção forçada dos contratos, apesar de nenhuma das partes terem culpa, isso acentua o desequilíbrio já esperado entre consumidor e fornecedor.

Com isso, o PROCON, precisa adotar medidas que atendam ambos os lados no contrato, prevalecendo a harmonia e o equilíbrio das partes, ou seja, ele precisa atuar para desenvolver a sua função precípua, a proteção do consumidor, porém é necessário também que garante a continuidade do desenvolvimento econômico.

Como dito, as medidas buscam atender ambos os lados, já que se tal fornecedor continuar se desenvolvendo, ou pelo menos se mantiver no mercado, maior será a chance de conseguir solucionar as demandas dos consumidores, através de soluções alternativas ou lhe entregando o prometido, após essa situação anormal, por exemplo.

Dessa forma, é necessário que haja o equilíbrio, a boa vontade, boa-fé e o bom senso de todos, consumidores, fornecedores e do próprio PROCON, na solução dos conflitos, tendo em vista, que o que se espera é a resolução dos problemas e viabilidade dos acordos entre as partes, já que não apenas o consumidor tem direito ao seu crédito, mas é necessário a manutenção das empresas e do comércio, em geral.

Sendo assim, o que o PROCON-SP sugere em nota publicada pelo seu diretor executivo é que a preferência dos consumidores seja na conversão do serviço contratado em crédito para ser usado em momento posterior, sem que o fornecedor cobre ou penalize para realizar esta alteração, a fim de que deste modo, ambas as partes sairiam ganhando.

Além disso, este órgão também garante que fará o possível para que encerrada a pandemia, pelo prazo seguinte de 12 (doze) meses, seja dado ao consumidor lesado por este evento de força maior, o direito de escolha, entre o reagendamento do serviço contratado, a substituição por outro produto ou serviço equivalente a utilização de crédito para ser consumido na mesma empresa.

Ademais, o PROCON-SP determina que os fornecedores não meçam esforços para manter os compromissos assumidos, bem como, informa que não serão toleradas práticas abusivas e má-fé.

5.  Conclusão

Não há dúvidas sobre os danos e prejuízos trazidos pela pandemia do Covid-19, nos contratos oriundos da relação de consumo.

Entretanto, neste momento, como o próprio PROCON-SP determinou é o momento das partes contratantes, mais do que nunca, adotarem os princípios que norteiam esta relação e colocá-los em prática, tendo em vista que só será possível a proteção dos consumidores e a manutenção das empresas, se ambas as partes colaborarem.

Dessa forma, é pedido aos consumidores calma e paciência, ao invés de buscar os PROCONS ou medidas judiciais desesperadamente diante de todo problema consumerista que tiver, bem como, pleiteia-se para que os fornecedores se dediquem em seu máximo para o cumprimento dos contratos, bem como, é necessário o posicionamento do PROCON, a fim de que ofereça medidas, para que ambas as partes contratantes tenham o mínimo de prejuízos possíveis.

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t*Rafael Tedrus Bento é sócio do escritório Luz & Tedrus Bento Advogados, mestrando em Direito Internacional pela PUCCAMP, especializado em Direito do Trabalho pela PUC-SP e especializado em Direito Empresarial pelo INSPER.





t*Camila Eduarda M. de Almeida é colaboradora do escritório Luz & Tedrus Bento Advogados, graduanda pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCCAMP.


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