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Tempestade sanitária e o risco de revisionismo exacerbado do ambiente contratual brasileiro

No âmbito dos contratos, é importante olhar com rigor para as hipóteses de aplicação da chamada Teoria da Imprevisão e da possibilidade de alegação de caso fortuito ou força maior. Diante da tempestade sanitária que se forma, não há como descartar um possível pleito de revisão ou rescisão de determinados contratos

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Atualizado às 11:42

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O coronavírus chegou ao Brasil e trouxe consigo impactos em todas as esferas da vida em sociedade. Governos municipais, estaduais e federal tomam atitudes para conter o avanço da pandemia, novos negócios jurídicos são estimulados pelas precauções, enquanto outros são colocados em xeque.  Cabe, portanto, aos operadores do Direito uma análise mais atenta sobre as consequências desta nova situação.

No âmbito dos contratos, é importante olhar com rigor para as hipóteses de aplicação da chamada Teoria da Imprevisão e da possibilidade de alegação de caso fortuito ou força maior. Diante da tempestade sanitária que se forma, não há como descartar um possível pleito de revisão ou rescisão de determinados contratos em razão da formação de um contexto de onerosidade excessiva para uma ou ambas as partes, ou por completa impossibilidade de cumprimento da obrigação.

Na prática, a Teoria da Imprevisão reclama determinados pressupostos, entre eles a alteração drástica e imprevisível das circunstâncias à época da formação do contrato, o ônus elevado para o devedor e o enriquecimento do credor em virtude das novas circunstâncias. Não é preciso muito esforço criativo para prever situações que, diante do inusitado contexto no qual o novo vírus nos inseriu, se enquadrem nesses pressupostos e permitam um possível pedido de revisão do contrato.

Da mesma forma, é possível pensar em situações provocadas pela pandemia onde se alegue casos fortuitos ou de força maior, admitindo até mesmo eventuais pleitos de rescisões contratuais. O artigo 393 do Código Civil permite liberar o devedor pelos prejuízos de situações alheias a sua vontade que tornem impossível o cumprimento da obrigação. Importante ressaltar que, para que ocorra tal liberação, o fato não pode ser resultado de culpa do devedor. Deve ser motivado por fato imprevisível, inevitável e irresistível - o que caracterizaria caso fortuito ou de força maior.

Não são apenas contratos entre entes privados que podem estar sujeitos a possíveis alterações ou rescisões com a nova crise que se desenha. Mesmo os contratos envolvendo a administração pública também podem ser alvos de novas análises em razão de diferentes consequências da pandemia. Tendo em vista as novas determinações de governos em todas as esferas de poder para o combate ao coronavírus, é possível que haja  justificativas de reanálises contratuais futuras provocadas pelo chamado - fato do príncipe - atos gerados pelo estado, de ordem geral, que provocarão efeitos diretos e indiretos sobre os contratos administrativos em vigor.

Diversas das medidas que estão sendo tomadas para conter o avanço da doença poderão vir a ser interpretadas como fatos do príncipe e, se isso ocorrer, enquadradas como casos fortuitos ou de força maior, ou ainda enquadradas na teoria da imprevisão, com reflexos diretos no regular adimplemento dos contratos.

Muito se discute sobre como o revisionismo exacerbado pode comprometer o ambiente contratual brasileiro e sobre a necessidade de se impor limites às reanálises contratuais, mas é fato que a situação atual é excepcional e, até algum tempo atrás, totalmente inesperada e imprevisível. Existirão sim - como sempre - aqueles que tentarão tirar proveito aético da situação, mas momentos excepcionais autorizam medidas excepcionais, sendo que os operadores do Direito precisam estar atentos para este fato e saber dosar a distribuição da Justiça.

Governos, federal, estaduais e municipais, estão tomando medidas urgentes, mas a situação de calamidade parece inevitável. Caberá aos operadores do Direito fazer, futuramente, uma boa leitura dos impactos da pandemia nos negócios jurídicos e nos contratos firmados para melhor regrar as consequências da crise que certamente surgirá. Será inevitável, sim, discutir a revisão ou rescisão de determinados contratos em função da situação excepcional que o novo coronavírus instaurou no país, e o reflexo das medidas governamentais para conter os avanços da doença. Todos os ingredientes estão presentes para que grandes debates cheguem em breve aos nossos tribunais.

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*Pedro Henrique Barroso de Almeida é advogado e integra a equipe do Luz Moreira Advogados.

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