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Quais as consequências trabalhistas do home office permanente pós-pandemia e que atos jurídicos podem resguardar empresas

Muitos aspectos dessa forma de trabalho não tinham soluções jurídicas objetivas, o que demandou das organizações o enfrentamento destas problemáticas

sexta-feira, 5 de março de 2021

Atualizado às 09:48

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A pandemia do covid-19 forçou muitas empresas a repensarem seus modelos de trabalho, para que pudessem se manter ativas e amenizar os impactos causados pela paralisação de suas atividades empresariais, decorrentes da necessidade de acatar imediatamente as determinações sanitárias emanadas pelo Poder Público para enfrentamento da pandemia.

Dentre as medidas adotadas, o home office - de longe - foi a alteração mais profunda na rotina das empresas. Ainda que nossa legislação já assegurasse a possibilidade do teletrabalho, a pandemia foi o gatilho para acelerar essa tendência de mercado que caminhava à passos lentos. Apesar de ter sido um período crítico para o empresariado, que se viu, de uma hora para outra, obrigado a adotar medidas radicais para salvaguardar seus negócios, o desdobramento da adoção do home office foi uma mudança bem recepcionada.

Embora, inicialmente, as empresas tenham enfrentado dificuldades e desafios de implantar home office, em virtude da falta de familiaridade com as ferramentas de comunicação, bem como os receios com adaptação dos empregados ao novo modelo de trabalho, o que se notou de modo geral, foram experiências positivas que encorajaram o empresariado a deixar de pensar no home office como medida temporária e passaram a vislumbrar esse modelo em caráter definitivo.

Entretanto, as mudanças ocorridas nas organizações empresariais que afetaram diretamente a rotina de trabalho dos empregados, naturalmente provocaram preocupações, dúvidas e receios, principalmente em relação aos riscos envolvidos nas alterações unilaterais dos contratos de trabalho. Ainda que a CLT já tivesse previsão expressa quanto ao trabalho remoto, muitos aspectos dessa forma de trabalho não tinham soluções jurídicas objetivas.  Isso demandou das organizações o enfrentamento destas problemáticas, de modo a dar soluções adequadas e céleres para o novo modelo de trabalho, e assim evitar riscos de violações trabalhistas.

Ainda que a MP 927/20 tenha sido revogada, enquanto vigente, apresentou algumas medidas para dar segurança jurídica na implantação do teletrabalho. Entretanto, não foram suficientes para preencher lacunas, tais como, a extensão da responsabilidade do empregador por acidente e doenças do trabalho, aspectos ergonômicos e fiscalização, limites do controle de jornada, fornecimento de infraestrutura, dentre outros.

Passado quase um ano do início da pandemia, essas lacunas ainda permanecem sem regulamentações objetivas, somando-se à demais problemáticas trabalhistas que estão sendo enfrentadas, e isso nos conduz para a seguinte indagação: quais as consequências trabalhistas do home office permanente?

Uma coisa é fato, o indicador que antes eram pautados nas horas trabalhadas, passou a ser norteado pela entrega de resultados, onde o foco deve estar na produtividade do empregado. Tal mudança levou as empresas a direcionar seus esforços na implantação de políticas e mecanismos de monitoramento e controle de produtividade, periodicidade de reuniões, alinhamento de metas. Já na perspectiva subjetiva, o efeito causado foi o estreitamento da relação de confiança entre empregado e empregador.

Contudo, aqui chamamos atenção para um ponto sensível acerca das características do regime de teletrabalho e a adoção de mecanismos de controle de produtividade.

A CLT prevê no inciso III, do art. 62, que empregados em regime de teletrabalho não são submetidos à controle de jornada. Ocorre que, no dia a dia das empresas, dependendo da forma como o controle de produtividade é realizado, pode dar brecha para que seja interpretado como uma forma indireta de controlar a jornada do empregado. E, a partir do momento que a jornada é controlada, ao empregado é garantida a percepção de horas extras.

Por tais razões, se a organização optar por não aderir ao controle de jornada, de modo a se isentar do pagamento de horas extras, deve ficar atenta as abordagens feitas aos empregados, bem como orientar ostensivamente os gestores sobre os controles indiretos de jornada, tais como relatórios de produtividade com indicativos de tempo, horários de início e fim, ou ainda, cobranças de cumprimento de horários realizados por instrumentos tecnológicos (login/logout no sistema interno da empresa, celular, whatsapp, etc).  Enfim, qualquer meio que possibilite o controle.

Ainda que perante a Justiça do Trabalho os mencionados elementos, individualmente, não sejam determinantes para configuração da existência de controle de jornada, importante ficar atento que, se somados com demais provas, podem se transformar em fortes evidências que o empregado tinha sua jornada de alguma forma controlada, aumentando a chance de condenação ao pagamento de horas extras, adicional noturno e intervalos.

Para mitigar riscos, a adoção expressa do controle de jornada é o recomendado, com implantação de mecanismos adequados para os registros, ainda que o empregado trabalhe em home office. Isto evita que o gestor tenha dificuldades em realizar o controle de produtividade do empregado, em razão do receio de que aquela conduta seja confundida com o controle de jornada, reduzindo seu poder de gestão e atraindo riscos trabalhistas.

Outro ponto sensível sendo enfrentado, são os aspectos que envolvem a fiscalização das condições ergonômicas dos empregados em regime de home office, isso porque o colaborador não se encontra nas dependências da empresa, o que dificulta ou impede a fiscalização direta do empregador quanto ao cumprimento das normas de segurança, saúde e ergonomia. 

A CLT atribui ao empregador o dever de instruir seus empregados - expressamente e ostensivamente - quanto às precauções a serem tomadas para evitar doenças e acidentes de trabalho, cabendo ao empregador formalizar termo de responsabilidade, a ser assinado pelo colaborador. Entretanto, importante esclarecer que o termo de responsabilidade não exime o empregador de eventual responsabilidade por danos decorrentes dos riscos ambientais do teletrabalho, conforme sinalizado no Enunciado 72 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, promovida pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

Ainda, na mesma jornada, consolidou-se o entendimento que "o regime de teletrabalho não exime o empregador de adequar o ambiente de trabalho às regras da NR-7 (PCMSO), da NR-9 (PPRA) e do artigo 58, § 1º, da Lei 8.213/91 (LTCAT), nem de fiscalizar o ambiente de trabalho, inclusive com a realização de treinamentos". Com essa sinalização dada pelo Judiciário, é recomendado às empresas adotarem medidas objetivas para mitigar riscos de saúde e ergonomia dos empregados em home office. Para isso, é imprescindível que as organizações revisem e readaptem os instrumentos que orientam as medidas para segurança da saúde do empregado (PCMSO, PPRA, LTCAT), diante desta nova realidade de trabalho.

Já existem projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional, que visam regulamentar aspectos do teletrabalho. Entretanto, enquanto não temos elementos objetivos e legais para nortear as práticas trabalhistas, recomenda-se que as empresa sempre tenham a cautela de documentar as medidas adotadas, é importante a elaboração de contratos e aditivos contratuais com previsões expressas e detalhadas, principalmente sobre jornada de trabalho, infraestrutura, reembolsos, fiscalizações, ainda, termos de responsabilidade e termo de sigilo das informações corporativas que transitam dentro do ambiente doméstico. Certamente a adoção de tais medidas trarão para as empresas segurança jurídica para poder desenvolver suas atividades plenamente, aproveitando o melhor dessa modalidade remota de trabalho.

Francine de Faria

Francine de Faria

Coordenadora da equipe de Direito do Trabalho no escritório Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica. Graduada em Direito pela UNIBRASIL. Pós-graduanda em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade Positivo.

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