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Justiça do Trabalho não é competente para julgar ação de transportador de cargas autônomo

Os Ministros da Suprema Corte também têm definido que não compete à Justiça do Trabalho apreciar controvérsia sobre relação jurídica que tem por fundamento a lei 11.442/2007.

terça-feira, 6 de julho de 2021

Atualizado às 10:52

 (Imagem: Divulgação)

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Não é notícia nova que o plenário do STF, na Sessão Virtual de 3/4/20 a 14/4/20, concluiu o julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade 48, sobre a constitucionalidade da lei 11.442/07, que regula a atividade do Transportador Autônomo de Cargas - TAC. Segundo a decisão, uma vez preenchidos os requisitos da lei 11.442/07, estará configurada uma relação comercial de natureza civil e afastada a configuração do vínculo de emprego do motorista autônomo com a Empresa de Transporte de Cargas - ETC.

Ocorre que, em decorrência desse entendimento, agora os ministros da Suprema Corte também têm definido que não compete à Justiça do Trabalho apreciar controvérsia sobre relação jurídica que tem por fundamento a lei 11.442/07, mas sim, à Justiça Comum, a qual caberá pronunciar acerca da existência de eventual desvirtuamento na relação jurídica.

Natureza comercial da contratação do transporte autônomo de cargas

O artigo 5º, parágrafo único, da lei 11.442/07, determina que as relações decorrentes do contrato de transporte de cargas de que trata o art. 4º desta lei são sempre de natureza comercial, não ensejando, em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo de emprego. Parágrafo único. Compete à Justiça Comum o julgamento de ações oriundas dos contratos de transporte de cargas.

A despeito da vontade do legislador manifestada objetivamente na citada lei desde 2007, não eram raras as condenações de empresas transportadoras em valores vultuosos pela Justiça do Trabalho, em decisões que invertiam a ordem de aplicação do direito positivo e reconheciam o vínculo empregatício com o transportador autônomo.

Pessoalmente, me recordo o quão complexo era explicar para executivos brasileiros e estrangeiros porquê uma terceirização lícita, contratada com agente capaz e com objeto previsto em lei, era singelamente rechaçada pela Justiça do Trabalho.

A grande maioria das decisões trabalhistas, ignorando a necessidade de análise da presença dos requisitos legais no contrato comercial, partia diretamente para o reconhecimento dos elementos previstos no art. 3º da CLT, sob os mais diversos pretextos que supostamente configurariam a subordinação, tais como: existência de dispositivo eletrônico que propicia o monitoramento do caminhão pela transportadora; prazos pré-estabelecidos para entrega da carga em seu destino; ou simplesmente pela aplicação da teoria da subordinação estrutural. Segundo os adeptos dessa teoria, basta que a atividade desempenhada pelo trabalhador seja essencial ao funcionamento estrutural e organizacional da empresa para que ele esteja subordinado a ela. Ou seja, se o autônomo exerce função que faça parte inafastável da atividade fim da empresa, ele é necessariamente seu empregado. 

Na esteira de tais decisões, motoristas autônomos se tornavam milionários da noite para o dia, enquanto as empresas transportadoras amargavam prejuízos enormes em seus balanços, prejudicando sobremaneira o exercício da atividade econômica em decorrência da insegurança jurídica estabelecida.

Licitude da terceirização de atividade-fim

Felizmente, parece que esse período obscuro, em que a terceirização era demonizada por boa parte da Justiça do Trabalho, tende a ficar no passado. Pelo menos é o que indicam as recentes decisões do STF.

Além da reforma trabalhista ter criado regras mais claras para a terceirização na tentativa de superar a polêmica sobre a inexistente distinção de atividade-fim e atividade-meio, o próprio STF decidiu que a Constituição não impõe uma única forma de estruturar a produção. Ao contrário, o princípio constitucional da livre iniciativa garante aos agentes econômicos liberdade para eleger suas estratégias empresariais dentro do marco vigente (CF/1988, art. 170). A proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego (CF/1988, art. 7º). ADPF 524, Rel. Min. Luís Roberto Barroso.

E conforme citado no início desse artigo, especificamente sobre a lei 11.442/07, que regulamenta o transporte rodoviário de cargas e prevê a possibilidade de terceirização dessa atividade, decidiu o STF na ADC 48:

Ementa: Direito do Trabalho. Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade. Transporte rodoviário de cargas. Lei 11.442/07, que previu a terceirização da atividade-fim. Vínculo meramente comercial. Não configuração de relação de emprego. 1. A lei 11.442/07 (i) regulamentou a contratação de transportadores autônomos de carga por proprietários de carga e por empresas transportadoras de carga; (ii) autorizou a terceirização da atividade-fim pelas empresas transportadoras; e (iii) afastou a configuração de vínculo de emprego nessa hipótese (...). Uma vez preenchidos os requisitos dispostos na lei 11.442/07, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista. (STF-Pleno, ADC 48, Relator Ministro ROBERTO BARROSO, Data de Publicação DJE: 19/05/2020 - Ata nº 70/2020. DJE nº 123, divulgado em 18/05/2020).

Incompetência da Justiça do Trabalho sobre a matéria

Não obstante, ainda hoje se tem verificado decisões rebeldes na esfera trabalhista que negam vigência à lei do transporte autônomo de cargas e relegam a segundo plano a decisão da Suprema Corte, sob o pretexto de que não se trata de análise da licitude da terceirização, mas sim de verificação dos pressupostos dos artigos 2º e 3º da CLT.

A esse respeito e em cumprimento à decisão vinculante do plenário, ambas as Turmas do STF têm decidido que, por estar caracterizada uma relação comercial de natureza civil, essa relação precisaria ser, primeiro, invalidada pela Justiça Comum, falecendo competência da Justiça do Trabalho para a análise da alegada existência de vínculo empregatício entre a sociedade empresária transportadora com o transportador autônomo de cargas. Nesse sentido:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. VIOLAÇÃO AO QUEDECIDIDO NA ADC 48. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM PARA JULGAR CAUSA ENVOLVENDO RELAÇÃO JURÍDICA COMERCIAL. AGRAVO INTERNO PROVIDO. 1. No julgamento da ADC 48, o ministro melator Roberto Barroso consignou em seu voto que a lei 11.442/07, 'disciplina, entre outras questões, a relação comercial, de natureza civil, existente entre os agentes do setor, permitindo a contratação de autônomos para a realização do Transporte Rodoviário de Cargas (TRC) sem a configuração de vínculo de emprego'. 2. As relações envolvendo a incidência da lei 11.442/07 possuem natureza jurídica comercial, motivo pelo qual devem ser analisadas pela justiça comum, e não pela justiça do trabalho, ainda que em discussão alegação de fraude à legislação trabalhista, consubstanciada no teor dos arts. 2º e 3º da CLT. 3. Agravo Interno provido. (Rcl n. 43.544-AgR, Relatora Min. Rosa Weber, Redator p/ o Acórdão Min. Alexandre deMoraes, Primeira Turma, j. 17/02/2021, DJe 3.3.2021).

Destarte, em razão da eficácia vinculante da decisão proferida em controle concentrado de constitucionalidade, resta sedimentado que a análise de eventual fraude na contratação do transportador autônomo se insere na competência da Justiça Comum, não possuindo a Justiça do Trabalho competência para dirimir o conflito.

O combate às decisões inconstitucionais

Faz-se necessário esclarecer que, por ser matéria de ordem pública, a incompetência absoluta deve ser declarada de ofício, podendo ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição, conforme prevê o art. 64, § 1º, do CPC.

Ainda que haja relutância na aplicação do sobredito entendimento por alguns juízes, cabe às empresas arguir a incompetência da Justiça do Trabalho às instâncias superiores, ou ingressar com Reclamação Constitucional diretamente no STF.

O cabimento da reclamação pressupõe seja a decisão proferida pelo STF anterior à decisão reclamada e, nos termos do art. 988, § 5º, I do CPC, somente antes do trânsito em julgado desta.

A ação rescisória seria o remédio cabível na situação em que a decisão a ser combatida transitou em julgado, desde que tenha sido proferida após o julgamento da ADC 48, com base no art. 966, II do CPC.

Júlio Beltrão

Júlio Beltrão

Sócio do Espallargas, Gonzalez & Sampaio - Advogados.

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