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A MP 1040/2021 e as alterações na lei das sociedades por ações

É de se esperar o texto final do Senado para se verificar se o já amplo objeto da MP 1040/21 será ou não ampliado mais ainda.

segunda-feira, 19 de julho de 2021

Atualizado às 10:38

 (Imagem: Divulgação)

(Imagem: Divulgação)

Depois do artigo introdutório sobre a MP 1.040/21, publicado neste Migalhas no dia 9 do mês em curso, este artigo é o primeiro de uma série que os integrantes do GIDE - Grupo Interdisciplinar de Direito Empresarial passam a publicar no pelo mesmo meio, discutindo as alterações que a MP 1040/21 pretende realizar no Direito Comercial. Os textos que serão publicados foram baseados na versão do Projeto de Lei de Conversão aprovado pela Câmara dos Deputados e em fase de início de análise por parte do Senado. Os autores desses artigos esperam que os textos auxiliem tanto na compreensão das propostas de alteração, como também para o aprimoramento do futuro texto legal pelo Senado.

A temática dos textos em apreço tem dois pontos gerais fundamentais: a referida MP vem fora de hora e mexe no que não deve, tendo feito uma gororoba muito indigesta de ingredientes que não deveriam estar misturados.

O contexto da MP 1040/2021

Segundo a sua Exposição de Motivos, a MP 1040/21 foi elaborada para "melhorar o ambiente de negócios no Brasil, bem como impactar positivamente a posição do país na classificação geral do relatório Doing Business do Banco Mundial". A MP 1040/21 não trata exclusivamente de temas de Direito Comercial; ao contrário, pretende dispor sobre "a facilitação para abertura de empresas, sobre a proteção de acionistas minoritários, sobre a facilitação do comércio exterior, sobre o Sistema Integrado de Recuperação de Ativos (Sira), sobre as cobranças realizadas pelos conselhos profissionais, sobre a profissão de tradutor e intérprete público, sobre a obtenção de eletricidade, sobre a desburocratização societária e de atos processuais e a prescrição intercorrente" (art. 1º).

Discussões à parte sobre a amplitude inicial do seu objeto, é fato que as emendas apresentadas para discussão no Senado Federal procuram ampliar ainda mais os temas tratados pela MP, tentando incluir, por exemplo, pisos salariais mínimos para engenheiros e outras profissões. Objetos amplos de alterações legislativas, em regras, não resultam em textos legislativos aprimorados para os temas que se pretende tratar. É de se esperar o texto final do Senado para se verificar se o já amplo objeto da MP 1040/21 será ou não ampliado mais ainda.

O Direito Societário será profundamente alterado (não necessariamente para o melhor) se todas as mudanças pretendidas pela MP 1040/21 forem aprovadas pelo Senado Federal e sancionadas pelo Presidente da República. Essas alterações, se aprovadas, modificarão a Lei das Sociedades por Ações, o Código Civil e o registro empresarial.

No que interessa às alterações na Lei das Sociedades por Ações, a MP 1040/21 promove as seguintes alterações que passamos a explicar.

Voto plural

Voto plural significa a atribuição de números de voto diferentes entre classes de ações. Assim, uma ação ordinária classe A, por exemplo, teria direito a um voto por ação, enquanto a ação ordinária classe B teria direito a três votos por ação nas deliberações da mesma companhia. Acionistas titulares de ações ordinárias classe B teriam maior poder do que acionistas ordinários da classe A.

Não temos o voto plural previsto na atual redação da lei 6.404/76 e o texto original da MP 1040/76 não o previa. O Projeto de Lei de Conversão aprovado na Câmara dos Deputados incluiu o voto plural.

Pode-se dizer que a adoção do voto plural vai contra o ideal de valorização da totalidade dos acionistas uma vez que, em substância, passa a permitir a concentração de poder pelos titulares de ações com voto plural favorecido, em detrimento da ideia de que a regra de um voto por ação, também em substância, equaliza o direito de voto dos acionistas, parecendo uma volta indesejada ao passado anterior à lei 10.303/01, no qual o limite para emissão de ações preferenciais (e sem direito a voto) era de 2/3 do capital social, superior aos 50% hoje existentes.

A redação e o regramento previstos no Projeto de Lei de Conversão trazem alguns pontos de preocupação. Fora a questão da permissão para um maior acúmulo de poder, também vem à mente a indagação sobre qual teria sido o racional adotado para se chegar nesse limite taxativo de 10 votos por ação, escolhido pelo legislador. Ou, em outras palavras, se faz sentido a existência de um limite legal de votos por ação.

Essa alteração, s.m.j., parece não estar em linha com o ideal de valorização do acionista, entendido como sendo o ideal de se valorizar a totalidade dos acionistas, e não apenas um grupo particular, como será o caso do grupo que irá deter as ações com voto plural. Desse ponto de vista trata-se de um caminho contrário, consistente na concentração do poder de voto - e, portanto, da solidificação de um controle majoritário mínimo -, quando se tem buscado acentuada abertura do capital das companhias abertas, papel de um verdadeiro Mercado de Capitais e não o do Mercado do Capital de Poucos. Questão para deliberação pelo Senado e que merece atenção especial da comunidade jurídica e empresarial.

Venda Substancial de Ativos

A MP 1040/21 inclui a temática da venda substancial de ativos como matéria sujeita à aprovação dos acionistas. Essa questão da venda substancial de ativos, com essas palavras, é nova para o Direito brasileiro; mas não é nova no Direito estrangeiro. A lei societária de Delaware, por exemplo, coloca esse tema como sendo o seu Subcapítulo X, cujo título é Venda de Ativos, Dissolução e Liquidação ("Subchapter X Sale of Assets, Dissolution and Winding Up"). A regra lá prevista é que toda companhia poderá, em qualquer reunião do seu conselho de administração ou órgão de direção, vender, alugar ou permutar todos ou substancialmente todos os bens do seu patrimônio.

Acredita-se que a intenção do legislador em incluir essa temática como matéria sujeita à aprovação dos acionistas da companhia aberta seja aproximar o Direito brasileiro de um tema comumente encontrado no Direito estrangeiro.

A nova regra proposta pela MP 1040/21, que não sofreu modificações na Câmara dos Deputados, estabelece, nos termos da nova redação do art. 122, que caberá à assembleia geral "deliberar a alienação ou a contribuição para outra empresa de ativos, caso o valor da operação corresponda a mais de 50% (cinquenta por cento) do valor dos ativos totais da companhia constantes do último balanço aprovado".

Como a venda substancial de ativos equivale, em substância, a uma quase dissolução de fato da companhia, a exigência da sua aprovação pelos acionistas reunidos em assembleia traz uma maior proteção para os acionistas minoritários, que passam a terem o direito de aprovarem vendas substanciais e que resultarão na diminuição das atividades da companhia.

Conflito de interesses

O Projeto de Lei de Conversão aprovado pela Câmara dos Deputados, mantendo o texto original da MP 1040/21, incluiu uma regra que determina que caberá à assembleia geral deliberar sobre "a celebração de transações com partes relacionadas que atendam aos critérios de relevância a serem definidos pela Comissão de Valores Mobiliários".

Neste ponto, nota-se que a redação proposta traz dúvidas sobre a sua aplicação se analisada junto com o atual art. 115, que prevê a vedação de voto do acionista em qualquer deliberação que possa beneficiá-lo de modo particular.

A leitura conjunta do art. 115 com a nova hipótese de deliberação em assembleia pode tanto permitir a conclusão de que o acionista continua impedido de votar e os demais acionistas irão deliberar sobre a aprovação, ou não, das "transações com partes relacionadas", como também permite a interpretação de que, em alguma medida, o novo tratamento revogaria, ainda que em parte, a vedação absoluta trazida pelo art. 115, já que somente os negócios tidos como relevantes pelos critérios da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deveriam ser objeto de aprovação em assembleia, não se deixando de registrar que se trata de uma forma pior de se interpretar a lei societária.

Espera-se que a nova apreciação da matéria pelo Senado corrija essa dúvida interpretativa, esclarecendo se a intenção do legislador era, ou não, abrandar a regra de vedação de voto prevista pelo art. 115.

Proibição de acúmulo de cargos

A MP 1040/21 inclui o Parágrafo 3º no art. 138 da lei 6.404/76, de forma a determinar a vedação, nas companhias abertas, da acumulação do cargo de presidente do conselho de administração e do cargo de diretor-presidente ou de principal executivo da companhia.

Esta medida possui o intuito de evitar que o mesmo indivíduo possua cargos tanto no conselho de administração quanto na diretoria de sociedades abertas. O intuito do legislador é reforçar os princípios de boa governança para este tipo de empresa, sendo que eventuais deslizes e, até mesmo, atuações e conflito de interesses são reduzidos (como, por exemplo, é questionável o nível de escrutínio de um membro do conselho de administração que teria a obrigação de fiscalizar a diretoria, em que referido membro também participa).

Infelizmente, o conflito de interesses entre os órgãos administrativos de uma companhia pode ser algo comum, caso a mesma pessoa exerça diferentes cargos. Neste sentido, de fato, a MP parece trazer algo positivo para o mercado brasileiro, fortalecendo medidas de governança corporativa e gestão transparente nas empresas.  

O Parágrafo 4º do mesmo artigo, também adicionado pela MP, por outro lado, determina que a CVM poderá excepcionar a vedação do acúmulo de cargos para as companhias com menor faturamento, nos termos de sua regulamentação. Portanto, em casos excepcionais, o acúmulo de cargos seria possível, desde que aprovado pela agência reguladora do mercado.

Todavia, o Parágrafo 4º não é, justamente, algo prejudicial para essa "boa governança", reforçada pelo não acúmulo de cargos? A partir do momento em que o legislador determina que não é possível alguém deter o mesmo cargo no conselho e na diretoria de uma companhia aberta, de fato, percebemos o efeito positivo que esta mudança legislativa possui no mercado de capitais brasileiro. Se esta regra pode ser "burlada" pela CVM, não é algo que coloca em questão essa mesma governança que a MP tanto se esforça para proteger?

Com certeza, as regras para companhias maiores, com maior faturamento, devem ser diferenciadas - tanto que possuímos alguns segmentos diferenciados no mercado listado. Todavia, uma regra que não permite o acúmulo de cargos dentro de companhias abertas deveria ser algo uniforme no mercado, não possibilitando exceções. É algo que deveria ser, ao menos, repensado e discutido.  O critério do menor faturamento para o fim de se criar uma exceção não é razoável e contraria a própria lógica que a MP pretende estabelecer. O que importa é a potencialidade do controle de órgãos societários pela via do acúmulo de cargos, o que pode gerar distorções nas deliberações e na gestão da sociedade.

Divulgação de Informações

A redação da lei 6.404/76 definia, no Parágrafo 1º do art. 124, que a primeira convocação da assembleia geral, no caso de companhias abertas, deverá ser feita com prazo de antecedência da primeira convocação de 15 (quinze) dias e, em segunda convocação, de 8 (oito) dias. a MP 1040 propôs a alteração do prazo da primeira convocação para 30 (trinta) dias, mantendo os 8 (oito) dias para a segunda convocação.

Novamente, a MP propõe mudanças específicas no âmbito de sociedades abertas, em vista da preocupação dos acionistas (principalmente minoritários) de sociedades listadas e com negociação em mercado em conseguirem todas as informações relevantes para a assembleia a ser realizada.

Ainda, o Parágrafo 5º do art. 124 da lei 6.404/76, determina que a CVM poderá, a seu exclusivo critério, mediante decisão fundamentada, a pedido de qualquer acionista e desde que ouvida a companhia, determinar o adiamento da assembleia por até 30 (trinta) dias, contado da data de disponibilização dos referidos documentos e informações aos acionistas. O intuito do legislador, novamente, é a proteção de acionistas que não tenham recebidos todas as informações referentes a assembleia a ser realizada - não incomumente, os acionistas minoritários.

Vale ressaltar que a MP cria essas regras tanto no sentido de assembleias ordinárias, ocasião em que as empresas possuem obrigação de publicar as demonstrações financeiras e balanços patrimoniais sujeitos à análise dos acionistas para aprovação das contas anuais, quanto extraordinárias, situações em que quaisquer outros assuntos de interesse da companhia e dos investidores podem ser discutidos.

O mesmo Parágrafo 5º do art. 124 da lei 6.404/76, determina que a CVM poderá, a seu exclusivo critério, declarar quais documentos e informações relevantes para a deliberação da assembleia geral não foram tempestivamente disponibilizados aos acionistas. Portanto, além de poder aumentar o prazo para realização da assembleia, possui a CVM, como órgão regulador responsável por elaborar e fazer cumprir as regras das companhias abertas, o poder de exigir que todos os documentos de interesse dos acionistas sejam disponibilizados.

A MP, claramente, tenta aumentar a segurança sentida pelos investidores e acionistas no mercado acionário brasileiro. Todavia, aqui, vale refletirmos se não seria o caso de realizar alterações estruturais mais profundas, ao invés de diminuir o "medo" de investir no mercado brasileiro.

A nosso ver, a MP tenta remediar a insegurança e desconfiança que o mercado brasileiro cria nos investidores - neste sentido, diversas medidas "tapa buraco" foram criadas, cuja efetividade e essência devem ser questionadas.

Conclusão

Estas primeiras linhas sobre a MP 1040/21 procuraram demonstrar e trazer luz sobre os pontos de alteração da Lei das Sociedades por Ações. Como já dito pelo membro fundador do GIDE, Prof. Dr. Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, é uma metralhadora giratória, no sentido de que o legislador atirou para todos os lados, sem tentar focar e, de fato, resolver, uma questão mercadológica por vez com a utilização da ferramenta legislativa. Na sequência deste artigo, outros integrantes do GIDE apresentarão seus comentários sobre outras alterações legislativas promovidas pela MP 1040/21 e que são relevantes para o Direito Comercial. Que o debate continue!

Carlos Eduardo Vergueiro

Carlos Eduardo Vergueiro

Bacharel, Mestre e Doutor em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo, Mestre em Direito (LL.M.) pela Columbia University, vencedor do II Concurso de Monografias da Comissão de Valores Mobiliários, advogado. Membro permanente do GIDE.

Muriel Waksman

Muriel Waksman

LL.M. pela Univesity of Chicago. Mestre em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo. Graduada em Direito pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas - FGV Direito SP. Sócia do Tognetti Advocacia. Coordenadora técnica e administrativa adjunta do GIDE.

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa

VIP Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa

Professor sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP. Sócio do escritório Duclerc Verçosa Advogados Associados. Coordenador Geral do GIDE - Grupo Interdisciplinar de Direito Empresarial.

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