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Contagem do prazo prescricional: violação de direitos autorais na internet

Em função do exponencial desenvolvimento tecnológico, faz-se necessário estudar, cada vez mais, Direito Digital. Sob este contexto, o presente artigo tem o intuito de demonstrar como corre o prazo prescricional de violações de direitos autorais praticadas na internet.

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Atualizado às 08:42

(Imagem: Arte Migalhas)

O Código Civil de 2002 adotou, no artigo 189, a tese da prescrição da pretensão, que pode ser definida como: nasce, com a violação de um direito, uma pretensão para o seu titular, que pode ser extinta devido à prescrição. Por uma ótica jurídica, claramente a prescrição é um benefício para o devedor, que não ficará infinitamente sujeito a uma cobrança. Dessa forma, para garantir a segurança jurídica de todos os indivíduos, e não somente daqueles que tiveram seus direitos violados, foi estabelecido este instituto, um direito subjetivo público abstrato de ação, visto que: o direito não socorre aqueles que dormem. 

O artigo 186 do Código Civil traz que quem violar direito ou causar dano a outrem comete ato ilícito, e, notoriamente, com base no artigo 927 do Código Civil, fica obrigado a reparar aquele que comete ato ilícito. A lei de Direitos Autorais (lei 9.610/98) traz direitos que, se forem violados, geram a pretensão de reparação, como é o caso de violação de direitos patrimoniais e morais de autor.

Não levando em consideração a discussão jurídica que circunscreve a temática do prazo de prescrição de violação de direitos autorais, dado que não é a finalidade deste breve artigo, podemos considerar que, com base no artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código Civil, e na jurisprudência a respeito desta temática, prescreve em 3 anos o direito de pretensão de reparação civil por danos morais e danos patrimoniais devido à violação de direitos autorais. 

A problemática que este artigo traz diz respeito a quando começa a contar o prazo prescricional nos casos de violação de direitos autorais na internet. Considerando o artigo 189 supracitado, a regra é: a pretensão nasce na data da violação do direito, com o objetivo de preservar a segurança jurídica.

Em relação a este tópico, cumpre também ressaltar que o art. 111 da lei de Direitos Autorais foi vetado devido à incongruência frente ao art. 178, §10, do Código Civil de 1916. Este artigo vetado previa a contagem do prazo prescricional a partir da data da ciência da ofensa aos direitos autorais, porém o Código Civil da época já estabelecia o termo inicial na data da violação ao direito, independentemente da ciência do ofendido, a fim de preservar a segurança jurídica.

Contudo, apesar desta regra, o posicionamento dos tribunais para a fixação do dies a quo (termo inicial), em casos de contagem dos prazos prescricionais de violações ocorridas na internet, vem mudando. Recente julgado no Tribunal Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, 0039662-02.2019.8.19.0001, reafirmou o entendimento de que violações ocorridas em plataformas digitais são caracterizadas como violações continuadas, as quais são renovadas dia após dia, enquanto permanecerem disponíveis. Ou seja, o dies a quo (termo inicial) renova-se diariamente.

Este entendimento está em consonância com o desenvolvimento tecnológico, uma vez que os conteúdos disponibilizados na internet são acessíveis a todos, a qualquer momento, e dessa forma, uma violação de direitos autorais ocorrida na internet merece tratamento diferenciado frente às violações ocorridas fora do meio digital, pois há um estado de dano permanente que não deve ser resumido apenas à data de disponibilização, como se único fosse.

No julgado supracitado, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a corte não apenas decidiu conforme este entendimento, como também elencou:

Superada as preliminares, passo à análise da prejudicial de mérito atinente ao fenômeno da prescrição.

A tese da prescrição ventilada nas razões recursais não pretende a extinção do direito autoral, mas apenas a limitação temporal.

A presente demanda foi proposta no dia 19/2/19 e, portanto, o prazo prescricional retroage até a data de 19/2/16.

O cerne da questão reside em verificar em até que momento perdurou a alegada violação dos direitos autorais.

Com efeito, a lesão do direito não se verifica com o "download" das músicas de propriedade da autora/apelada, tampouco na data do "upload" para a plataforma on-line do Youtube, mas sim até o último dia em que os vídeos contendo as referidas músicas permaneceram disponíveis ao público.

Em outros termos, o caso em tela analisa eventual lesão de forma continuada a direitos autorais.

(Processo  0039662-02.2019.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). FRANCISCO DE ASSIS PESSANHA FILHO - Julgamento: 02/06/2021 - DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL).

Além disso, o mesmo Tribunal, ao analisar a violação de direitos autorais de uma imagem na internet, também decidiu pela tese de violação continuada: 

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. USO NÃO AUTORIZADO DE FOTOGRAFIAS. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. 1. Alegação de que a empresa ré se utilizou de imagens fotográficas produzidas pelo autor no exercício de sua profissão. 2. Sentença que reconhece a ocorrência de prescrição, que merece ser anulada. 3. Ainda que não se considerasse a suspensão do prazo prescricional pelo ajuizamento de ação anterior, a utilização da fotografia em site revela violação continuada ao direito autoral, devendo ser considerado o termo inicial da prescrição o último ato praticado. 4. Não sendo a hipótese de aplicação do artigo 1013, § 4º, do NCPC, deve ser a sentença anulada para que seja oportunizada a produção de outras provas, sob pena de cerceamento de defesa e supressão de instância. 5. Provimento do recurso.

(Processo  0027524-81.2016.8.19.0203 - APELAÇÃO. Des(a). JACQUELINE LIMA MONTENEGRO - Julgamento: 04/11/2020 - VIGÉSIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL.)

O Superior Tribunal de Justiça também já se posicionou desta forma diante desta questão, inclusive recentemente ao analisar o dies a quo de uma violação de direitos autorais (REsp 1862910 / RJ). A fim de corroborar com a explanação, segue a ementa de dois julgados que firmaram o posicionamento de prescrição continuada:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. AÇÃO INDENIZATÓRIA. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. PLÁGIO DE OBRA LITERÁRIA. DANO MORAL E MATERIAL. ARTS. 189 E 206, §3º, V, DO CC. PRAZO PRESCRICIONAL. VIOLAÇÃO CONTINUADA. TERMO INICIAL.

DATA DA ÚLTIMA EXIBIÇÃO DA NOVELA. PRECEDENTE. PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL FEITO POR AMBAS AS PARTES. DEFERIMENTO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. REFORMA.

INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ.

1. (...)

2. O prazo prescricional para a propositura de ação indenizatória por ofensa a direito autoral é de 3 anos. Porém, o termo a quo nasce a cada dia em que o direito é violado. Assim, se a violação do direito é continuada, de tal forma que os atos se sucedam em sequência, a prescrição ocorre do último deles.

3. No caso concreto, a alegada lesão ao direito da autora se protraiu no tempo, de 20/6/2005, data em que apresentado o primeiro capítulo, até 10/3/2006, quando exibido o último capítulo do folhetim, não se encontrando prescrita a ação ajuizada aos 9/9/2008)"

(STJ, AgRg no AREsp 661.692/RJ, 3ª Turma, Relator: Ministro Moura Ribeiro, julgado em 27/06/17).

Cuida-se de recurso especial, interposto por SONY MUSIC ENTERTAINMENT BRASIL LTDA, fundado nas alíneas 'a' e 'c' do permissivo constitucional e deduzido em desafio ao acórdão de fls. 144-151 e-STJ, proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, assim ementado:

Ação indenizatória. Reparação civil. Violação de direito autoral.

Reprodução de fotografias. Produto fonográfico. Prescrição. Inocorrência. Trata-se o presente caso de ação indenizatória, onde se postula indenização pelos danos morais e materiais decorrentes de utilização de obra fotográfica em CD, criado originalmente para LP, sem a expressa autorização do autor, ora agravado. Cinge-se a controvérsia sobre a ocorrência da prejudicial de mérito. Importante esclarecer que, diante do veto presidencial ao artigo 111 da lei 9.610/98, que tratava especificamente sobre o ressarcimento advindo da violação de direitos autorais, deve-se aplicar ao caso o Código Civil, como lei geral, que também não tem previsão específica, incidindo, portanto, o disposto no artigo 206, §3º, V do CC. Acrescente-se que o dies a quo do prazo prescricional surge com o nascimento da pretensão resistida, segundo dispõe a teoria da actio nata.

Assim, tratando-se de reprodução e circulação de obra fotográfica em CD sem a devida autorização do autor, a violação ao direito autoral é continuada, de forma que o termo a quo do prazo prescricional inicia-se do último ato de infração.

(...)

É o relatório. Decide-se.

O recurso não comporta acolhimento.

1. Não prospera alegação de ocorrência da prescrição. Conforme já decidido por este Tribunal superior, o prazo prescricional da pretensão de indenização por ofensa a direito autoral é trienal. Na hipótese de violação continuada, contudo, em que atos de ofensa sucessivos ocorrem, nasce a pretensão à reparação a cada dia.

(...)

(STJ, REsp 1.424.491/RJ, Relator: Ministro Marco Buzzi, publicada em 10/11/17).

O professor Caio Mário da Silva Pereira afirma que "se a violação do direito é continuada, de tal forma que os atos se sucedem encadeadamente, a prescrição corre a contar do último deles". Assim, depreende-se que, o conteúdo irregular disponível online, por ser acessível 24 horas por dia, caracteriza uma violação continuada, fato que enseja o estabelecimento do termo inicial apenas na data do último ato lesivo aos direitos do autor, e não na data do upload do conteúdo, como seria estabelecido tradicionalmente. 

As críticas relacionadas ao presente posicionamento usualmente são fundadas no princípio da segurança jurídica, visto que este precedente poderia gerar um direito de pretensão vitalício, o que seria uma anomalia jurídica em relação às razões pelas quais este instituto foi criado. Portanto, segundo esta corrente, não deveria existir nenhuma diferenciação frente às violações cometidas em meios digitais, sob pena de criar insegurança jurídica nas relações sociais. 

Entretanto, não é possível desconsiderar o fato de os meios digitais serem imensuráveis, o que torna impossível esperar que todas as pessoas tenham pleno conhecimento de todos os atos praticados on-line. Ou seja, uma violação de direito autoral poderá ocorrer a qualquer momento na internet e dificilmente o titular saberá disto imediatamente. Porém, todos os dias, dias após dias, aquela violação será acessível e renovada, e o titular continuará sendo lesado até que o ato seja sanado. 

Não à toa, os tribunais estão exatamente levando em consideração este fato para firmar a tese de que as violações de direito autoral na internet são consideradas violações continuadas, por isso o dies a quo (termo inicial) deve ser renovado todos os dias até que o ato ilícito seja interrompido. Certamente é de se esperar que os usuários tenham o devido zelo e atenção quando realizarem qualquer ato na internet, pois o direito, de fato, não socorre aqueles que dormem, mas também não garante que haja um oásis de impunidade nos meios digitais.   

________

Denis Borges. Tratado da Propriedade Intelectual, 2ª. ed. Lumen Juris, 2017.

BRASIL. Lei 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível aqui. Acesso em: 09 jul. 2021.

Lei 9.610, 19 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre Direitos Autorais. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 fev. 1998. Disponível aqui. Acesso em: 09 jul. 2021.

Lei 3,071, 01 de janeiro de 1916. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 02 jan. 1916. Disponível aqui. Acesso em: 30 jul. 2021.

Jurisprudência;

RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação 0039662-02.2019.8.19.0001. Décima Quarta Câmara Cível. Des(a). FRANCISCO DE ASSIS PESSANHA FILHO. Disponível aqui. Acesso em 08 jul. 2021.

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação 0027524-81.2016.8.19.0203. Vigésima Sétima Câmara Cível. Des(a). JACQUELINE LIMA MONTENEGRO. Disponível aqui. Acesso em 08 jul. 2021.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª Turma). Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 661.692/RJ. Relator: Ministro Marco Buzzi. Brasília - DF. 27 de Junho de 2017. Diário da Justiça Eletrônico. Disponível aqui. Acesso em: 09 jul. 2021.

Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.424.491/RJ. Relator: Ministro Marco Buzzi. Brasília - DF. 10 de Novembro de 2017. Diário da Justiça Eletrônico. Disponível aqui. Acesso em: 09 jul. 2021.

Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.862.910/RJ. Relator: MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO. Brasília - DF. 09 de Fevereiro de 2021. Diário da Justiça Eletrônico. Disponível aqui. Acesso em: 30 jul. 2021.

PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. 24a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 581.

Ana Clara Farias da Silva Dutra

Ana Clara Farias da Silva Dutra

Colaboradora da equipe de Antipirataria Digital e License Compliance da Kasznar Leonardos Advogados. Graduanda em Direito pela UFRJ.

Rafael Lacaz Amaral

Rafael Lacaz Amaral

Advogado e Sócio de Kasznar Leonardos Advogados. Especializado em Contencioso Judicial em Propriedade Intelectual. Coordenador da equipe de Antipirataria Digital e License Compliance.

Victor Lima

Victor Lima

Assistente Jurídico da equipe de Antipirataria Digital e License Compliance da Kasznar Leonardos Advogados. Graduando em Direito pela UFRJ.

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