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O que as offshores nos falam sobre o futuro da economia?

Estamos na era em que já se concebe o afastamento de ecossistemas amparados e monitorados pelas instituições governamentais. Discutimos, por exemplo, as redes blockchain, os usos econômicos e sociais que podem ser alcançados por meio de infraestrutura de parte a parte e os criptoativos que nesta se viabilizam.

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Atualizado às 08:01

(Imagem: Arte Migalhas)

A utilização de offshores ganhou, mais uma vez, as manchetes de jornais. A notícia da vez relaciona-se, no âmbito nacional, ao potencial conflito de interesses em decorrência da manutenção, por Paulo Guedes (Ministro da Economia) e Roberto Campos Neto (presidente do Banco Central), de empresas dessa natureza em paraísos fiscais. A informação veio a público por meio dos chamados Pandora Papers. Para além das questões políticas e administrativas que envolvem essa notícia (e sem que se pretenda afastar sua importância ou mesmo discutir o tema nessas breves considerações), é interessante aproveitar os debates acalorados sobre o assunto para entender como o uso de estruturas internacionais tem se difundido no empresariado brasileiro e quais suas repercussões práticas. Para abordar a questão, vamos percorrer três pontos: (1) O aprofundamento das relações globalizadas; (2) O desenvolvimento de estratégias empresariais que buscam algum grau de segurança jurídica/proteção patrimonial; e (3) Qual a perspectiva de manutenção das estruturas internacionais.

Nosso ponto de partida é a compreensão de que o avanço da tecnologia promoveu verdadeira e irreversível mudança na economia global, atuando como um dos mais importantes fatores de embotamento das fronteiras nacionais. O que se entende hoje por economia, portanto, é indissociável das ferramentas digitais disponíveis e da noção de planificação global. Seria ingênuo, porém, afastar a compreensão de que, por mais reduzidas que sejam as fronteiras, a carga fiscal tem o poder de viabilizar ou inviabilizar negócios. Nesse sentido, ao longo dos anos, estruturas como as offshores apresentaram-se como meio viável para os planejamentos tributário e societário de grandes empresas brasileiras. A ideia em geral é (i) aproveitar os chamados paraísos fiscais para reduzir/administrar a carga tributária; e (ii) valer-se de noções de sigilo desses locais para afastar ou mesmo diminuir a visibilidade do patrimônio que, a rigor, integrava a atividade empresarial desenvolvida no Brasil.

Nesse cenário, avolumaram-se as empresas (especialmente aquelas que manuseiam ativos intangíveis) que faziam um "jogo" com a apuração de despesas e receitas: ao desmembrar a operação em diversos países, poder-se-ia aproveitar as tributações (e também as questões regulatórias) mais vantajosas. Ao passo que se tornaram cada vez mais comuns nos grandes planejamentos, estruturas como as offshores observaram dois movimentos: (i) o aprofundamento das discussões sobre a moralidade do recolhimento tributário; e (ii) especialmente no Brasil, a edição de normas que visam a tornar cada vez menos ocultas as estruturas societárias estrangeiras detidas por brasileiros (como, por exemplo, a norma tributária que estabelece a necessidade de indicação do beneficiário final). De licitude inegável (afinal de contas nada mais são do que organizações societárias constituídas fora do domicílio fiscal do empresário), as offshores têm enfrentado as dificuldades impostas pelo próprio mercado. Além disso, tornam-se mais comuns as legislações que, em diversas medidas, buscam a transparência, a confiabilidade e a segurança das relações sociais e empresariais (inclusive em nível internacional).

A verdade é que a fuga aos paraísos fiscais parece não mais atender, como antes, ao interesse (legítimo) de redução dos custos fiscais e riscos societários inerentes ao empresariado brasileiro. Novas modelagens já são apresentadas pela digitalização do mercado, e elas não envolvem a presunção de mascaramento hoje encarada pelas offshores. Estamos na era em que já se concebe o afastamento de ecossistemas amparados e monitorados pelas instituições governamentais. Discutimos, por exemplo, as redes blockchain, os usos econômicos e sociais que podem ser alcançados por meio de infraestrutura de parte a parte e os criptoativos que nesta se viabilizam. Na economia da confiança, é preciso atualizar a forma de pensar os negócios. Envolver-se em polêmicas que questionam a moralidade talvez não seja a melhor forma de fazê-lo.

Nathalia De Biase Mulatinho

Nathalia De Biase Mulatinho

Advogada da unidade de Direito Empresarial de Martorelli Advogados.

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