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STJ retomará julgamento de recurso que discute critérios de cálculo do Empréstimo Compulsório da Eletrobrás

A racionalidade das decisões judiciais pressupõe que, ao decidir situações que tenham contexto jurídico similar, os Tribunais mantenham um certo padrão e guardem aderência com as premissas decisórias anteriores, inclusive para dirigir as condutas dos jurisdicionados.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Atualizado às 09:36

(Imagem: Arte Migalhas)

No próximo dia 10 de novembro, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) retomará o julgamento dos Embargos de Declaração opostos pela Eletrobrás nos autos do EAREsp 790.288/PR, que discutem o termo final de incidência dos juros remuneratórios devidos sobre os valores do Empréstimo Compulsório que não foram convertidos em ações em favor dos contribuintes, bem como a possibilidade de sua cumulação com juros moratórios. 

O Empréstimo Compulsório instituído em favor da Eletrobrás foi criado pela lei 4.156/62, com a finalidade de gerar recursos ao Governo para expansão do setor elétrico. A partir de 1º/1/1977, com a edição do Decreto-Lei 1.512/76, o Empréstimo Compulsório passou a ser cobrado na conta dos consumidores industriais de energia elétrica com consumo superior a 2.000 kWh (quilowatts/hora) por mês.

Conforme previsto no art. 2º do Decreto lei 1.512/76, o montante pago pelos consumidores a título de Empréstimo Compulsório em cada exercício constituiria, em 1º de janeiro do ano seguinte, um crédito em seu favor, que seria remunerado com juros de 6% ao ano e corrigido monetariamente na forma do art. 3º da lei 4.357/66, fixando-se um prazo máximo de 20 anos para devolução dos valores.

Conforme facultado pela legislação, a Eletrobrás devolveu os créditos decorrentes do Empréstimo Compulsório aos seus respectivos titulares por meio de conversão em ações da Companhia (ações preferenciais PNB), sendo que a última Assembleia Geral Extraordinária para esse fim foi realizada em 30/06/2005 (143ª AGE).

No entanto, como os critérios de cálculo dos créditos não consideraram a real desvalorização da moeda no período - o que ensejou a devolução de valores inferiores aos efetivamente devidos, inclusive no que diz respeito aos juros remuneratórios previstos no art. 2º do Decreto-lei 1.512/76 -, vários contribuintes discutiram em juízo, à época, as regras de correção monetária e de incidência de juros adotadas pela Eletrobrás.

Além dos próprios índices de correção utilizados no cálculo (que não consideraram os expurgos inflacionários ocorridos no período), os contribuintes questionaram o fato de esta incidir apenas a partir do fim de cada ano, o que era relevante em períodos de alta inflação.

Com as diversas ações judiciais ajuizadas pelos credores com o objetivo de reaver essas diferenças, o STJ definiu no ano de 2009, sob a sistemática dos recursos repetitivos (REsp 1.003.955/RS e REsp 1.028.592/RS), os critérios a serem adotados na quantificação dos valores do Empréstimo Compulsório passíveis de devolução pela Eletrobrás. Prevaleceu, na ocasião, o entendimento de que os contribuintes teriam direito à correção monetária plena dos seus créditos (incluindo os expurgos inflacionários havidos no período), tendo os respectivos acórdãos sinalizado que os juros remuneratórios incidentes sobre tais diferenças somente poderiam incidir até 2005, quando foi realizada a última assembleia de conversão acionária (143ª AGE).

Acreditava-se que, no julgamento dos mencionados recursos repetitivos, o STJ teria pacificado a questão. Contudo, em 12/06/2019 a Corte aprofundou a discussão acerca do termo final dos juros remuneratórios (6% ao ano), nos autos do EAREsp 790.288, em que a contribuinte pleiteava a incidência dos encargos até a data do pagamento do crédito judicialmente reconhecido em seu favor.

No mencionado leading case, a empresa detentora dos créditos havia interposto Embargos de Divergência em face de acórdão proferido pela Segunda Turma, em que restou definido que os juros remuneratórios incidentes sobre as diferenças de correção monetária do Empréstimo Compulsório somente poderiam ser calculados até a data da respectiva assembleia de conversão acionária, apontando como paradigmas os acórdãos dos próprios recursos repetitivos julgados em 2009 (Resp 1.003.955/RS e 1.028.592/RS).

Segundo a empresa, o STJ teria definido nos referidos precedentes que, em se tratando de valores não convertidos em ações da Eletrobrás - como os decorrentes das diferenças de correção monetária, reconhecidos por meio de decisão judicial -, estaria resguardado o direito dos contribuintes à incidência de juros remuneratórios até a data do efetivo pagamento.

As razões recursais fundamentaram-se na alegação de que não houve alteração na natureza desses créditos a justificar a interrupção da incidência dos juros remuneratórios na data da assembleia de conversão (já que o credor não passou, naquela ocasião, a ser acionista). Como o credor continuou credor, seu crédito (parte não convertida) estaria sujeito aos critérios próprios do Empréstimo Compulsório: incidência de juros remuneratórios até que o valor seja efetivamente pago ou venha a ser convertido em ações, nos termos do arts. 2º e 3º do Decreto-lei 1.512/76.

A Eletrobrás, por sua vez, defende naqueles autos que o contribuinte credor que tiver conquistado, em juízo, o reconhecimento à percepção da diferença de correção monetária (não considerada na conversão acionária) tem direito ao acréscimo de juros remuneratórios somente até a data da correspondente AGE. A partir dessa data, o débito assim consolidado deveria ser acompanhado apenas dos consectários próprios dos débitos judicialmente reconhecidos, ficando sujeito à incidência de correção monetária e juros de mora, a contar da citação, sem a possibilidade de cumulação com os juros remuneratórios.

Ao julgar os referidos Embargos de Divergência, em junho de 2019, o STJ formou maioria para manter a incidência dos juros remuneratórios após a assembleia de conversão acionária (até a data do efetivo pagamento), prevalecendo o voto do Ministro Gurgel de Faria, desfavorável à Eletrobrás. O relator foi acompanhado pelos ministros Benedito Gonçalves, Og Fernandes, Napoleão Maia e Regina Helena Costa.

Os ministros vencidos Herman Benjamin, Assusete Magalhães, Sérgio Kukina e Francisco Falcão, que votaram a favor da Eletrobrás, entenderam que a tese do contribuinte seria contrária a julgamentos anteriores da Corte Superior, o que abriria espaço para a adoção de tratamento diferente entre os credores.

O acórdão em questão foi objeto de Embargos Declaratórios da Eletrobrás, opostos em 9/9/2019, que questionam principalmente o cabimento dos Embargos de Divergência. Segundo a Eletrobrás, não teria restado demonstrada no referido recurso a existência de decisões conflitantes da Corte sobre a matéria (no que diz respeito à própria valoração relativa à configuração do dissídio), além de ter havido suposta omissão do acórdão quanto à impossibilidade de cumulação dos juros remuneratórios e moratórios. 

Iniciado o julgamento dos Embargos em 11/03/2020, O Ministro relator, Gurgel de Farias, votou pela sua rejeição. Logo em seguida, o Ministro Sérgio Kukina pediu vista do processo.

Até o momento, o "placar" do julgamento está em 4x3 votos a favor da Eletrobrás, prevalecendo o entendimento quanto à inadmissibilidade dos Embargos de Divergência anteriormente opostos pelo contribuinte (o que pode implicar, consequentemente, a manutenção do acórdão anterior da Segunda Turma, que havia entendido pela impossibilidade de cumulação dos juros remuneratórios e moratórios). Ainda estão pendentes os votos das Ministras Assusete Magalhães e Regina Helena Costa.

O giro interpretativo promovido pelo STJ acerca do tema, sobretudo em sede de julgamento de Embargos Declaratórios, gera expectativas e incerteza aos jurisdicionados. É justamente este o dilema que vivem diversas empresas que aguardam o desfecho do julgamento do EAREsp 790.288.

Como se sabe, os Embargos de Declaração prestam-se ao aperfeiçoamento dos pronunciamentos judiciais, embora não se ignore que possam ter efeito revisional secundário. No entanto, na dimensão da segurança jurídica, a possível alteração súbita de entendimento da Corte Superior - como vem ocorrendo ao longo dos últimos anos - compromete direitos fundamentais dos litigantes.

Nesse sentido, espera-se que a Corte Superior, no julgamento previsto para o dia 10/11/21, de forma a conferir a devida estabilidade, integridade e coerência à sua decisão de junho de 2019 (proferida em sede de Embargos de Divergência), rejeite os Embargos de Declaração opostos pela Eletrobrás. Eventual julgamento conflitante com as premissas recentemente estabelecidas pelo próprio Tribunal somente contribuiria para gerar ainda mais insegurança jurídica.

É notável e atual a convergência de esforços para se prestigiar o papel dos precedentes no ordenamento processual, especialmente com a edição do Código de Processo Civil de 2015. Nesse contexto, a despeito da liberdade de interpretação do direito conferida aos julgadores, as decisões devem ser proferidas de forma coerente, para conferir aos jurisdicionados a racionalidade e a previsibilidade que se espera do sistema jurídico. 

A racionalidade das decisões judiciais pressupõe que, ao decidir situações que tenham contexto jurídico similar, os Tribunais mantenham um certo padrão e guardem aderência com as premissas decisórias anteriores, inclusive para dirigir as condutas dos jurisdicionados. Afinal, os particulares têm legitima expectativa de que os julgamentos que os possam atingir não se alterem sem justificativa plausível, principalmente em se tratando de demandas repetitivas.

Paula Luíza Germano Santos

Paula Luíza Germano Santos

Advogada do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados. Especialista em Gestão com ênfase em Finanças pela Fundação Dom Cabral - FDC. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET.

Déborah Crevelin Casagrande

Déborah Crevelin Casagrande

Advogada no Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados. LL.M em Direito Empresarial pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais - IBMEC. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET.

Luciana Goulart Ferreira

Luciana Goulart Ferreira

Advogada e Consultora Tributária. Sócia do Rolim, Viotti, Goulart Cardoso Advogados. Professora em cursos de Pós-graduação da PUC Minas e da Faculdade CEDIN. Executive LLM. em Direito Empresarial pela CEU Law School. Mestre em Direito Público pela PUC Minas. Pós-graduada em Regulação do Setor Elétrico pela FGV. Bacharel em Direito pela PUC Minas.

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