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Decisão proferida pelo TST em incidente de recurso repetitivo e os reflexos sobre os processos envolvendo a terceirização de serviços

Embora tenha tomado importante decisão relacionada à prestação de serviços no Brasil e os processos judiciais oriundos dessas relações, resta claro que o tema da terceirização e suas discussões judiciais ainda permitirá inúmeras controvérsias e discussões na seara trabalhista.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Atualizado às 08:15

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em mais um capítulo envolvendo a terceirização de serviços no Brasil e os questionamentos judiciais decorrentes dessas relações, o plenário do Tribunal Superior do Trabalho julgou nesta última terça-feira (22/2/22), incidente de recurso repetitivo tendo por objeto o "litisconsórcio passivo" nas ações trabalhistas que envolvam terceirização, especificamente relacionada à necessidade de que figurem no polo passivo a tomadora e a prestadora de serviços. 

O tema discutido no incidente de recurso repetitivo é um desdobramento da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em agosto de 2018, fixou a tese de que é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas. 

PANORAMA ATUAL DA TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS NO BRASIL 

Tema objeto de inúmeros questionamentos perante o judiciário trabalhista, a licitude da terceirização de serviços foi objeto de recentes e importantes alterações legislativas e jurisprudenciais, com grande impacto financeiro e jurídico no cenário nacional.

Nesse sentido, e com o fito de trazer maiores esclarecimentos sobre o tema, se mostra de suma relevância realizar uma brevíssima síntese do instituto da terceirização no Brasil.

Até o começo de 2017, a base de regulamentação da terceirização de serviços no Brasil era a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Tal verbete sumular ainda prevê - pois até o momento não foi cancelado - que a contratação de trabalhadores por empresa interposta é considerada ilegal, estabelecendo ainda que a prestação de serviços especializados ligados à atividade-fim do tomador caracteriza vínculo de emprego.

Ocorre que,  em 31/3/17, a lei 13.429/17, que dentre outras alterações ao sistema de terceirização brasileiro, destacou que não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços (qualquer que seja o seu ramo) e a empresa contratante.

Referida alteração legislativa representou um marco do tema relacionado à terceirização, especialmente porque deixou claro que, doravante, a prestação de serviços especializados ligados à atividade-fim do tomador não formaria vínculo de emprego. 

Contudo, sempre existiu receio do meio empresarial quanto à referida determinação legislativa, especialmente se a então nova disposição seria reputada como constitucional, bem como se o Tribunal Superior do Trabalho (órgão máximo da Justiça do Trabalho e o responsável por uniformizar a jurisprudência) iria assim entender e aplicar a nova legislação em suas decisões. 

Trazendo maior clareza a respeito do tema e segurança jurídica para as empresas, em 30 de agosto do ano de 2018 o STF julgou procedentes a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 e o Recurso Extraordinário (RE) 958.252, ambos tendo por objeto a inconstitucionalidade da súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (que até então restringia a possibilidade de terceirização em atividades-fim). 

O ministro Luís Roberto Barroso, relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, propôs a seguinte tese a ser adotada no julgamento: 

  • É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada.
  • Na terceirização, compete à contratante verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada e responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias. 

Já no julgamento do Recurso Extraordinário, o relator Ministro Luiz Fux propôs o seguinte texto como tese de repercussão geral: 

  • É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho em pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante. 

Portanto, com sete votos a favor e quatro contra, o STF tornou definitiva a possibilidade de terceirização em atividades-fim. 

Vale ressaltar que os Ministros concluíram, por maioria, pela existência de inconstitucionalidade da súmula 331 do TST, por ofensa aos princípios da legalidade, da livre iniciativa, da livre concorrência e os valores sociais do trabalho, reconhecendo como lícita a terceirização em quaisquer atividades empresariais. Igualmente, definiram que a responsabilidade do tomador de serviços, em caso de não pagamento dos direitos trabalhistas, seria subsidiária (caso a empresa prestadora de serviços não consiga pagar os valores devidos, a empresa tomadora é responsabilizada). 

DO RECENTE JULGAMENTO EM INCIDENTE DE RECURSO REPETITIVO REALIZADO PELO TST E ATUAL SITUAÇÃO DAS LIDES ENVOLVENDO PRESTADORAS E TOMADORAS DE SERVIÇOS  

No mais recente capítulo da discussão pertinente à terceirização, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho concluiu esta semana (em 22/2/22), o julgamento de incidente de recurso repetitivo sobre aspectos relativos aos processos em que se discute a licitude da terceirização. O ponto central da discussão foram as características e as consequências jurídicas do chamado litisconsórcio passivo (presença de mais de uma empresa na mesma ação) entre a tomadora e a prestadora de serviços. 

Nesse cenário, por maioria, o TST decidiu que o litisconsórcio passivo é necessário, (as duas empresas (tomadora e prestadora) devem necessariamente fazer parte da ação) e unitário (a decisão deve produzir efeitos idênticos para as duas empresas). 

A tese aprovada foi a seguinte: 

1) Nos casos de lides decorrentes da alegação de fraude, sob o fundamento de ilicitude da terceirização de atividade-fim, o litisconsórcio passivo é necessário e unitário. Necessário, porque é manifesto o interesse jurídico da empresa de terceirização em compor essas lides e defender seus interesses e posições, entre os quais a validade dos contratos de prestação de serviços terceirizados e, por conseguinte, dos próprios contratos de trabalho celebrados; Unitário, pois o juiz terá que resolver a lide de maneira uniforme para ambas as empresas, pois incindíveis, para efeito de análise de sua validade jurídica, os vínculos materiais constituídos entre os atores da relação triangular de terceirização.

2) A renúncia à pretensão formulada na ação não depende de anuência da parte contrária e pode ser requerida a qualquer tempo e grau de jurisdição; cumpre apenas ao magistrado averiguar se o advogado signatário da renúncia possui poderes para tanto e se o objeto envolve direitos disponíveis. Assim, é plenamente possível o pedido de homologação, ressalvando-se, porém, ao magistrado o exame da situação concreta, quando necessário preservar, por isonomia e segurança jurídica, os efeitos das decisões vinculantes (CF, art. 102, § 2º; art. 10, § 3º, da Lei 9.882/99) e obrigatórias (CPC, art. 927, I a V) proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário, afastando-se manobras processuais lesivas ao postulado da boa-fé processual (CPC, art. 80, I, V e VI). 2.1) Depois da homologação, a parte autora não poderá deduzir pretensão contra quaisquer das empresas - prestadora-contratada e tomadora-contratante - com suporte na ilicitude da terceirização da atividade-fim (causa de pedir). 2.2) O ato homologatório, uma vez praticado, acarreta a extinção do processo e, por ficção legal, resolve o mérito da causa (artigo 487, III, "c", do CPC), produz coisa julgada material, atinge a relação jurídica que deu origem ao processo, sendo que somente é passível de desconstituição por ação rescisória (CPC, arts. 525, § 15, 535, § 8º, e 966) ou ainda pela via da impugnação à execução (CPC, art. 525, §12) ou dos embargos à execução (CPC, art. 535, § 5º) e acarretará a perda do interesse jurídico no exame do recurso pendente de julgamento.  

3) Em sede de mudança de entendimento desta Corte, por força da unitariedade imposta pela decisão do STF ("superação abrupta"), a ausência de prejuízo decorrente da falta de sucumbência cede espaço para a impossibilidade de reconhecimento da ilicitude da terceirização. Sendo assim, como litisconsorte necessário, a empresa prestadora que, apesar de figurar no polo passivo, não sofreu condenação, possui interesse em recorrer da decisão que reconheceu o vínculo de emprego entre a parte autora e a empresa tomadora dos serviços. 

4) Diante da existência de litisconsórcio necessário e unitário, a decisão obrigatoriamente produzirá idênticos efeitos para as empresas prestadora e tomadora dos serviços no plano do direito material. Logo, a decisão em sede de juízo de retratação, mesmo quando apenas uma das rés interpôs o recurso extraordinário, alcançará os litisconsortes de maneira idêntica. 

Como visto acima, diversos pontos de suma relevância foram definidos, com imenso impacto para as lides judiciais decorrentes de processos de terceirização. Contudo, a decisão proferida não encerrará as discussões a respeito deste tema. 

Isso porque, o Tribunal Superior do Trabalho entendeu por não modular os efeitos de referida decisão, o que, na prática, dá sinal verde para que as reclamações trabalhistas que já foram julgadas e não estejam em conformidade com a tese acima fixada comportem rediscussões, por exemplo via ação rescisória ou mesmo reclamação ao TST, visando garantir a autoridade da decisão proferida. 

Embora tenha tomado importante decisão relacionada à prestação de serviços no Brasil e os processos judiciais oriundos dessas relações, resta claro que o tema da terceirização e suas discussões judiciais ainda permitirá inúmeras controvérsias e discussões na seara trabalhista, especialmente no que se refere às decisões proferidas e que não estejam de acordo com a recente decisão do TST.

Henrique Soares Melo

Henrique Soares Melo

Sócio da área trabalhista do escritório Nogueira, Haret, Melo e Maroli Advogados (NHM Advogados).

Cássio Ramos Báfero

Cássio Ramos Báfero

Sócio de Nogueira, Haret, Melo e Maroli Advogados (NHM Advogados).

João Victor Belchior Gonçalo

João Victor Belchior Gonçalo

Advogado de Nogueira, Haret, Melo e Maroli Advogados (NHM Advogados).

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