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Luvas na sistemática do Direito Material

Apesar da disposição em contrário, ainda que ilegal, as luvas continuaram a ser impostas aos locatários pelos locadores, e os primeiros, por não ter opção e condições para solucionar o problema de forma viável, continuaram a pagar.

quarta-feira, 13 de abril de 2022

Atualizado às 08:36

 (Imagem: Artes Migalhas)

(Imagem: Artes Migalhas)

No início da década de trinta bem como no período histórico anterior, em nosso país, era comum nas locações de imóveis comerciais a cobrança de uma parcela, de valor elevado, que era acrescida ao preço do aluguel.

Essa era cobrada no início da relação jurídica firmada entre as partes, bem como na renovação do vínculo, ou seja, sempre que o contrato fosse refeito depois de decorrido o prazo estipulado para duração da locação.

Tal montante a ser adimplido pelo locatário ficou conhecido popularmente como luvas e denominada pela doutrina como res sperata (a coisa esperada).

A expressão tem origem no cristianismo pois nas procissões ocorridas no século XVIII a padiola ornamentada que levava a estátua de Jesus era carregada por seguidores obrigados a usar luvas, visto que iam tocar em um objeto sagrado. Essas eram emprestadas pelo Clero que cobrava um preço simbólico para entrega-las aos cristãos que desejavam levar o andor. Com o decorrer dos anos, o termo "pagar luvas" foi aplicado às próprias doações que os homens de fé efetuavam às paróquias. Depois adquiriu o significado que conhecemos atualmente.

A cobrança das luvas, como descrito acima foi proibida no ano de 1934, quando o então presidente Getúlio Vargas editou uma norma que regulamentou "as condições e processo de renovamento dos contratos de locação de imóveis destinados a fins comerciais ou industriais". O decreto ficou extremamente conhecido e foi denominado pelos populares que lidavam com a realização de aluguéis como Lei de Luvas (decreto 24.150 de 20/4/34), pois essa vedou expressamente a cobrança da res sperata (art. 29).

Apesar da disposição em contrário, ainda que ilegal, as luvas continuaram a ser impostas aos locatários pelos locadores, e os primeiros, por não ter opção e condições para solucionar o problema de forma viável, continuaram a pagar.

Desse modo, a prática, ainda que contrária a legislação, acabou por consolidar a cobrança da res sperata, que atualmente não tem vedação expressa na Lei de Locação (lei 8.245, de 18/10/91).

A proibição de sua cobrança existe apenas no caso de renovação da locação, conforme estabelece o art. 45 da legislação em comento. Sendo assim, fica admitida a imposição de luvas apenas na contratação inicial, o que reduziu muito o seu âmbito de incidência.

Contudo, a jurisprudência vem firmando o entendimento, diante da ausência de norma expressa que a autorize, que somente é possível a cobrança de luvas no início do contrato, desde que o prazo da locação permita ao locatário exercer o direito à renovação.

O fundamento para a cobrança da res sperata está no uso, por parte do locatário, do fundo de comércio que também faz parte da propriedade incorpórea do locador.

Apesar de não existir na doutrina uma definição precisa de fundo de comércio, tem-se reconhecido que ele é composto por um conjunto de bens corpóreos ou incorpóreos que organizados possibilitam o exercício da atividade empresarial como, por exemplo, toda estrutura oferecida por shopping para quem é locatário de um espaço.

Outro ponto importante sobre o tema é que a cobrança das luvas, segundo a jurisprudência dominante, só pode ocorrer em shopping center, pois apenas esse tem um conjunto de elementos capaz de constituir fundo de comércio que autoriza a cobrança por seu uso; vale destacar que não existe disposição normativa que regulamenta os requisitos para imposição da res sperata.

Assim, analisando-se a jurisprudência dominante e, principalmente, a Lei de Locação, chega-se a um denominador comum acerca das luvas, tema relevante na sistemática do Direito Civil brasileiro.

Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior

Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior

Advogado, pós-doutor em Direito Constitucional na Itália. Professor universitário. Sócio fundador escritório SME Advocacia. Ex Presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO (2018-2021). Membro consultor da Comissão de Estudos Direito Constitucional da OAB Nacional e árbitro da CAMES.

Tiago Magalhães Costa

Tiago Magalhães Costa

Advogado especialista em Direito Civil e Processual Civil. Professor universitário. Sócio fundador do escritório SME Advocacia. Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO e vice-presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/GO.

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