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Comentários à LC 194/22 que define os bens e serviços essenciais para efeito de tributação pelo ICMS

Os governadores que ingressaram com a ADIn, mesmo sabendo da decisão do STF que declarou a inconstitucionalidade da legislação de Santa Catarina na parte que tributava a energia elétrica com alíquota de 25% contra a alíquota de 17% para mercadorias em geral, pedem à Corte Suprema que afaste a vigência da LC que não permite a tributação inconstitucional dos bens essenciais.

sexta-feira, 1 de julho de 2022

Atualizado às 08:25

Esta lei complementar de nº 194, de 23/6/22, que resultou da aprovação do PLP 18/22,  é a 3ª lei complementar que veio à luz para tentar resolver o problema da escalada de preços dos combustíveis, notadamente, do diesel e da gasolina, decorrente de fatores externos alheios à vontade do governo.

A primeira delas foi a LC de nº 190/22 que, mediante alteração da LC 87/96,  atribuiu ao remetente da mercadoria para consumidor final não contribuinte do imposto, localizado em outro Estado, a responsabilidade pelo recolhimento da diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual, conhecida pela sigla Difal.

O seu art. 3º instituiu o emblemático art. 3º prescrevendo noventena que rege as relações jurídico-tributárias.  Foi o suficiente para que fossem ajuizadas ações judiciais pleiteando o pagamento da difal apenas a partir de 2023, em respeito ao princípio da anterioridade, de um lado e, de outro lado, ações dos Estados pleiteando aplicação imediata do novo regime. Essas ações tramitam sem conhecimento da liminar no STF, sinalizando o julgamento direto pelo mérito permitindo as discussões em instâncias ordinárias.  Na verdade, não há nessa lei norma de natureza tributária, mas apenas de natureza financeira de interesse exclusivo das entidades componentes da Federação.

A segunda Lei Complementar foi a de nº 192/22 que veio dispor sobre incidência monofásica dos combustíveis definidos em seu art. 2º (gasolina, etanol, diesel, biodiesel e gás liquefeito de petróleo e gás natural). Dispôs, ainda, que nas operações com combustíveis derivados de petróleo, o imposto caberá ao Estado onde ocorrer o consumo. Entretanto, tratando-se de operações interestaduais entre contribuintes com combustíveis não derivados de petróleo, o imposto será repartido entre o Estado de origem e o de destino, mantendo-se a mesma proporcionalidade que ocorre nas operações com as demais mercadorias. Só que esses mesmos combustíveis, quando destinados a não contribuinte, o imposto caberá ao Estado de origem. Disposição nesse sentido turbinou as ações judiciais para discutir o pagamento da difal em 2022.

Essa LC 192/22 determinou, ainda,  a definição de alíquotas dos combustíveis por deliberação dos Estados, por intermédio do Confaz. Foi, então, firmado o Convênio 16/22 fixando a alíquota ad rem de R$ 0,9986 por litro da gasolina, e de R$ 1,0060 por litro de diesel, situando-se em patamar acima dos preços vigentes antes da eclosão da guerra Ucrânia/Rússia.

O ministro André Mendonça determinou a suspensão dos efeitos desse convênio, e ordenou a fixação da base de cálculo do ICMS dos combustíveis pela média dos preços praticados nos últimos 60 meses, além de mandar observar as alíquotas máximas de 17% e de 18% conforme o Estado (ADIn 7164).

Em cumprimento à medida liminar alguns Estados, como o do Estado de São Paulo passaram a cobrar o ICMS dos combustíveis pela mesma alíquota aplicada às mercadorias em geral (17% ou 18%). Porém, outros Estados, como o do Rio de Janeiro continuam ignorando a determinação do STF, preferindo pressionar para que o Ministro Gilmar Mendes, que cuida da questão da seletividade de alíquotas do ICMS (ADPF 984), casse  a liminar concedida pelo ministro André Mendonça, que teria extrapolado os limites do pedido.

Agora, sobreveio a LC 194, de 23/6/22 para regular o disposto no art. 155, § 2º, inciso III da CF, definindo as mercadorias e serviços considerados essenciais, para fins de tributação pelo ICMS, mediante introdução do art. 18-A ao Código Tributário Nacional.

Segundo esse artigo são mercadorias e serviços essenciais os combustíveis, o gás natural, a energia elétrica, as comunicações e o transporte coletivo.

Ressalvadas as opiniões em contrário, entendo que isso está dentro das atribuições da lei complementar, à luz do que dispõe o art. 146, III da CF que atribui a tarefa de fixar normas gerais em matéria de legislação tributária, uniformizando em todo o território nacional o conceito de mercadoria e serviços essenciais.      

Uma das funções da lei complementar é exatamente a de editar normas gerais, que têm a natureza uniformizadora, servindo a legislação nacional como coordenadora em relação à matéria submetida à sua atuação, conforme sustentamos em nossa obra.1

Essa Lei Complementar vedou, igualmente, em relação aos combustíveis definidos como bem essencial, a fixação de alíquota maior do que aquele incidente sobre as operações em geral, facultando aos Estados a redução de alíquotas em patamares menores.

Nesse particular, alguns estudiosos entendem que houve invasão de competência dos Estados (art. 18 do CF), porque as fixações de alíquotas não estão sob reserva de lei complementar, como acontece com a base de cálculo (art. 146, III, a da CF).

É verdade. Só que a lei complementar sob exame não fixou alíquotas do ICMS, nem reduziu alíquotas incidentes sobre produtos essenciais. Legislou na mesma linha de interpretação dada ao inciso III, do § 2º, do art. 155 da CF pelo Ministro André Mendonça.

A Lei Complementar sob exame simplesmente vedou a tributação de produtos essenciais com alíquotas maiores do que aqueles incidentes sobre produtos não essenciais, o que é bem diferente de fixar alíquotas. Tampouco reduziu as alíquotas, mas, facultou que os Estados o fizessem se assim quiserem.

Como se sabe, o inciso III, do § 2º, do art. 155 da CF que permite a diferenciação de alíquotas incidentes para produtos e serviços essenciais é uma mera faculdade dos Estados que não são obrigados a fazer essa distinção.  O preceito constitucional em questão tem, portanto, natureza programática. Norma programática ninguém é obrigado a implementá-la. Mas, ela surte efeito pelo seu aspecto negativo. Uma vez implementada ela não pode implicar contrariedade ao preceito programático, como fizeram os Estados, exacerbando a carga tributária do ICMS exatamente sobre bens e serviços essenciais, aproveitando-se da falta de definição legal do que sejam bens essenciais. Mas, é até intuitivo que combustíveis, energia elétrica e comunicações são bens essenciais na sociedade contemporânea em comparação com outros produtos ou mercadorias, como bebidas, carnes, cigarros, aparelhos eletrodomésticos etc.

Porém, esse art. 18-A do CTN, acrescido pela LC 194/22, está sendo contestado perante o STF por meio de ADIn impetrado por inúmeros Estados.

O teor do art. 18-A, acrescido ao CTN, foi repetido na LC 87/96, lei de regência nacional do ICMS, mediante o acréscimo do art. 32-A reafirmando a sua natureza de lei complementar dessa norma.

Entendemos que a aplicação do art. 18-A do CTN e do art. 32-A da LC 87/96 é imediata, não bastasse a liminar concedida pelo ministro André Mendonça, que limitou as alíquotas a 17% ou 18% conforme o Estado.

Uma vez reconhecida a natureza de norma geral a esses preceitos guerreados perante a Corte Suprema aplica-se, de imediato, a regra do art. 24, § 4º da CF, segundo o qual a superveniência de norma geral da União suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrária.

Não há, a nosso ver, a necessidade de as Assembléias Legislativas dos Estados procederem à redução de alíquotas para se adequar às disposições da LC 194/22, como querem alguns dos estudiosos da matéria.

Contudo, o STF, como de hábito, dará a ultima palavra sobre o assunto.

Todavia, o que chama atenção nessa ADIn dos Estados é que o único argumento é a de que a Lei contestada irá causar impacto financeiro nos Estados com a queda da arrecadação tributária,  como se essa matéria fosse da competência do STF.

A questão das receitas dos Estados é matéria que se insere no âmbito da política tributária de cada Estado. O Estado de São Paulo reduziu imediatamente a alíquota incidente sobre os combustíveis ao mesmo patamar da tributação das mercadorias em geral, isto é, a 18%, sem qualquer comprometimento das atividades essenciais do Estado. E não subscreveu a ADIn impetrada por outros Estados. É tudo uma questão de boa gestão financeira do Estado.

Estados que cometem desvios orçamentários e deixam de combater com eficiência a corrupção que causa rombo no orçamento anual é que estão com finanças abaladas, o que não é o caso de São Paulo, onde nenhum ex governador está sofrendo processos criminais por malversação de verba pública, ao contrário do que acontece, por exemplo, no Estado do Rio de Janeiro, que continua mantendo a mais alta alíquota incidente sobre combustíveis, ou seja, 32% contra a média nacional de 25%.

Por fim, os governadores que ingressaram com a ADIn, mesmo sabendo da decisão do STF que declarou a inconstitucionalidade da legislação de Santa Catarina na parte que tributava a energia elétrica com alíquota de 25% contra a alíquota de 17% para mercadorias em geral, pedem à Corte Suprema que afaste a vigência da Lei Complementar que não permite a tributação inconstitucional dos bens essenciais. O que pedem, ao final de contas, é a permissão do STF para manterem as legislações estaduais inconstitucionais, invertendo a função daquela Alta Corte de Justiça do País que tem por missão exatamente zelar pelo respeito à Constituição. Estranhos tempos estamos vivendo!

__________

1 Cf. nosso Direito Financeiro e Tributário, 30ª ed. São Paulo: Atlas, 2021, p.20.

Kiyoshi Harada

Kiyoshi Harada

Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.

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