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Notas sobre o assédio eleitoral: "Meu voto, minha escolha!"

O artigo define e caracteriza o assédio eleitoral, advertindo acerca das consequências sociais e jurídicas.

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Atualizado às 13:55

"A democracia se perde quando, em vez da fala de cada um, um por um, emerge o funcionamento de massa, onde a fala de cada um apaga-se no líder ou no ideal único, sem isegoria." Christian Ingo Lenz Dunker

O assédio eleitoral é uma derivação do assédio moral, apresentando os mesmos traços constitutivos, todavia, agravados pela ressonância política:

  • pessoalidade;
  • intencionalidade;
  • duração continuada, muitas vezes com intensidade progressiva, na medida em que a eleição se aproxima;
  • lesividade, uma vez que a (o) agressora/agressor lança mão de ameaças, chantagens, coações diversas, tensionando a relação de trabalho.

As estratégias de abordagem, nem sempre explícitas, são variadas, embora tenham em comum a marcação da manipulação psicológica, por meio da qual, por exemplo, cenários extremamente desfavoráveis são incutidos no imaginário de trabalhadores e trabalhadoras, quase sempre em conversas despretensiosas, caso a(o) adversária (o) principal da(o) candidata (o) escolhida (o) seja eleita (o). Em algumas situações, a exigência do voto é direta.

O assédio eleitoral se apresenta recorrentemente como uma conduta verticalizada (baseada na clássica hierarquia organizacional), não obstante também possa ocorrer entre pares. As relações de poder não se baseiam ou decorrem apenas dos lugares ocupados pelos profissionais nas estruturas organizacionais.

O repertório de comportamentos é vasto:

  • veiculação da imagem da (o) trabalhadora(o) à (ao) candidata/ candidato não autorizada ou autorizada por meio de coação;
  • exigência de presença da (o) laborista em eventos de campanha à revelia de sua vontade, desrespeitando a sua afiliação político-ideológica (não necessariamente partidária);
  • imposição de uso da "camisa da(o) candidata(o)"  ou de qualquer outro material de divulgação (canecas, adesivos etc.), durante a prestação do serviço;
  • repetida divulgação de fake news / deepfakes, induzindo a (o) empregada (o) à opinião política de interesse, a despeito de manifesta expressão de pensamento contrário;
  • cobrança de favores ou benesses profissionais;
  • sugestões reiteradas, sem condicionamento explícito, o que também pode ser interpretado como manipulação psicológica (desencadeando constrangimento e desconforto social);
  • convocação para atuação em campanhas (com ou sem acréscimo de remuneração, durante ou após a jornada);
  • ameaça à integridade física da(o) trabalhadora / trabalhador e de seus familiares ou até de demissão;
  • perseguição política, dentre outros.

Esta relação, certamente, não é exaustiva. Vale ressaltar, entretanto, que externalizar uma posição política não representa abuso patronal, exceto quando realizada repetidamente e dentro de contextos específicos da comunicação, visando explicitamente impor a sua preferência, numa espécie de coação psicológica. As marcações no texto objetivam ressaltar a importância de se analisar o caso concreto, com vistas a reunir um composto fático-probatório robusto.

O art. 5, VI e VIII, de nossa Constituição consagra em seu texto a liberdade de escolha e convicção político-ideológica, sustentáculo do Estado Democrático de Direito. O art. 510-B, V, da CLT espelha a diretiva constitucional.

O poder diretivo do empregador não é absoluto ou irrestrito, mas circunscrito ao objeto da relação contratual de emprego, delimitando suas prerrogativas patronais ao mesmo tempo em que define os 'lugares' das partes na relação jurídica. Significa dizer que a subordinação jurídica, fundamento tipificador do vínculo empregatício, é essencialmente objetiva. Argumentos apresentados, advertimos que a conduta pode resultar em uma ação reclamatória de dano moral.

O assédio eleitoral ultrapassa os limites do objeto contratual, atentando também contra os direitos da personalidade da (o) empregada (o), atacando frontalmente a sua dignidade e capacidade de autodeterminação.

A prática tende a repercutir em um perímetro social mais amplo, a exemplo do núcleo familiar da(o) trabalhadora/trabalhador, o que diz muito sobre a causticidade da prática e inequívoco retrocesso civilizatório, que opera a prejuízo do jogo político.

A democracia se fragiliza quando temos a nossa voz silenciada e escolha manipulada; quando somos coagidas(os) a reduzir o espaço do coletivo para dar lugar e primazia aos interesses privados, que nos alcançam apenas como objetos descartáveis.

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DUNKER, Christian Ingo Lenz. Lacan e a democracia: clínica e crítica em tempos sombrios. São Paulo: Boitempo, 2022.

Yumara Lúcia Vasconcelos

VIP Yumara Lúcia Vasconcelos

Docente e pesquisadora da UFRPE, pós-doutora em Direitos humanos (UFPE), doutora em Administração (UFBA), especialista em Direito civil e em Filosofia e teoria do Direito (PUC MINAS).

Ana Paula da Silva Azevêdo

Ana Paula da Silva Azevêdo

Coordenadora de tecnologias da Pós-graduação em Compliance, riscos e governança corporativa, Faculdade dos Palmares. Advogada Sócia fundadora da Banca Azevêdo & Alves de Advocacia. Diretora executiva do Instituto Enegrecer, Brasil.

Manoela Alves dos Santos

Manoela Alves dos Santos

CEO do Instituto Enegrecer, Brasil. Advogada Sócia fundadora da Banca Azevêdo & Alves de Advocacia. Coordenadora pedagógica da Pós-graduação em Compliance, riscos e governança corporativa, Faculdade dos Palmares.

Diogo Severino Ramos Da Silva

Diogo Severino Ramos Da Silva

Coordenador executivo da Pós-graduação em Compliance, riscos e governança corporativa, Faculdade dos Palmares. Sócio fundador da DTR SOLUÇÕES, Brasil

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