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Estado do Vaticano regulamenta inteligência artificial no seu território

Governo do menor país do mundo se alinha com alguns dos maiores e regula inteligência artificial dentro do território e das zonas extraterritoriais.

sábado, 18 de janeiro de 2025

Atualizado em 16 de janeiro de 2025 10:49

Depois da União Europeia ter aprovado o regulamento de IA do bloco, em maio do ano passado, vários países passaram a desenvolver seus próprios regulamentos, a maioria inspirados ou semelhantes ao "Artificial Intelligence Act" da UE. Também o fez o Estado do Vaticano, em vigor a partir deste mês de janeiro, somando-se à lista que já conta com os Estados Unidos, China e Reino Unido.

O decreto da Pontifícia Comissão para o Estado da Cidade do Vaticano é composto por três capítulos e quinze artigos, em que se dividem disposições gerais, princípios aplicáveis a áreas específicas e disposições finais.

Capítulo I. Disposições gerais

O art. 1 define as finalidades e o âmbito de aplicação das diretrizes, determinando que os princípios estabelecidos buscam orientar a utilização da inteligência artificial de forma ética e transparente, em conformidade com a dignidade humana. O artigo especifica que as diretrizes se aplicam às atividades de pesquisa, desenvolvimento e implementação de sistemas e modelos de inteligência artificial realizadas no território do Vaticano, o que abrange organismos operacionais, científicos, órgãos judiciais e o pessoal administrativo, além de fornecedores e operadores econômicos.

O art. 2 apresenta definições-chave utilizadas no decreto. Define "inteligência artificial" como sistemas automatizados que processam dados, aprendem a partir deles, tomam decisões e executam tarefas tipicamente associadas à inteligência humana. Estabelece também o que constitui um "sistema de inteligência artificial", "modelos de inteligência artificial", "dados", "dados biométricos" e "risco", fixando, assim, os parâmetros técnicos e jurídicos para interpretação e aplicação das normas.

O art. 3 descreve os princípios fundamentais que devem nortear o uso da inteligência artificial no Vaticano. Exige conformidade com padrões éticos e legais, segurança, transparência e proporcionalidade nas ações. Os sistemas devem ser projetados e aplicados de forma a garantir a proteção dos dados pessoais, a segurança do Estado e a não discriminação. Institui a responsabilidade dos organismos operacionais, científicos e judiciais em monitorar os processos envolvendo inteligência artificial, para que os resultados obtidos sejam confiáveis e alinhados aos objetivos do decreto.

O art. 4 lista as práticas proibidas, quais sejam, o uso de sistemas que criem discriminação, manipulem pessoas ou grupos de forma subliminar, limitem o acesso de pessoas com deficiência ou violem a dignidade humana. Veda ainda o uso de sistemas que comprometam a segurança do Vaticano e incentivem condutas delituosas. O artigo assegura que a inteligência artificial não seja empregada para finalidades que contrariem as diretrizes estabelecidas no decreto.

Capítulo II. Princípios gerais por matéria

O art. 5 trata das normas relacionadas à informação e ao tratamento de dados. O uso de sistemas de inteligência artificial nesse contexto deve garantir a integridade das informações, assegurando que a circulação de dados não resulte em prejuízo à veracidade, liberdade de expressão, imparcialidade ou imagem do Vaticano. As disposições incluem a aplicação de linguagem clara e objetiva nas comunicações e a possibilidade de oposição por parte dos titulares em caso de tratamento inadequado dos dados pessoais. Também há previsões específicas para o uso de dados biométricos, que exigem supervisão criteriosa.

O art. 6 aborda a pesquisa científica e a saúde. O texto permite a utilização de inteligência artificial para aprimorar os serviços de saúde e a gestão sanitária, desde que sejam estabelecidos procedimentos que garantam a segurança e confiabilidade das ferramentas. Os pacientes devem ser devidamente informados sobre a aplicação de inteligência artificial nos serviços utilizados e as tecnologias empregadas - que devem passar por revisões periódicas - não podem interferir nas decisões tomadas por profissionais médicos.

O art. 7 regula o uso de inteligência artificial no campo do direito autoral. Obras geradas por sistemas inteligentes devem ser identificadas com o acrônimo "IA". O Estado do Vaticano mantém direitos exclusivos sobre conteúdos produzidos com inteligência artificial dentro de seu território. Além disso, a utilização dessas criações não pode comprometer o prestígio ou a imagem do chefe de Estado ou do próprio Estado.

O art. 8 estabelece diretrizes para o uso de inteligência artificial na gestão dos bens culturais do Vaticano: Sistemas automatizados podem ser empregados na conservação, restauração e organização do patrimônio cultural, desde que não prejudiquem a integridade dos objetos nem conflitem com as normas técnicas de restauro. A exploração econômica de bens culturais por meio de inteligência artificial segue as regulamentações já existentes para proteção desse patrimônio.

O art. 9 dispõe sobre infraestrutura e serviços. A inteligência artificial pode ser aplicada em projetos de construção e manutenção para garantir maior eficiência e sustentabilidade. Com efeito, as decisões estratégicas e operacionais devem permanecer sob a responsabilidade dos gestores - humanos - designados e o uso de sistemas automatizados no tratamento de dados técnicos e operacionais deve observar as normas de segurança e confidencialidade.

O art. 10 regula o emprego da inteligência artificial em procedimentos administrativos. Sistemas automatizados podem ser utilizados para otimizar processos e reduzir o tempo de tramitação, mas as decisões finais continuam sob responsabilidade humana. Antes da implementação, deve-se realizar uma análise detalhada de impacto regulatório, e os efeitos dessas medidas são avaliados após seis meses.

O art. 11 define os parâmetros para o uso de inteligência artificial no ambiente de trabalho. A tecnologia pode ser utilizada em treinamentos e para melhorar as condições de segurança. Nos processos de seleção de pessoal, os sistemas devem operar de forma transparente e evitar discriminações de candidatos ou comprometer decisões humanas. A gestão administrativa e organizacional do trabalho continua sob controle humano, e o uso de dados trabalhistas por sistemas automatizados está sujeito às regulamentações vigentes.

O art. 12 limita o uso de inteligência artificial na atividade judicial às tarefas de organização, pesquisa jurisprudencial e doutrinária. O texto reforça que todas as decisões judiciais, interpretações legais e análises de provas são competências exclusivas dos magistrados, não podendo, de forma alguma, serem relegadas ao sistema automatizado.

O art. 13 estabelece que os princípios relacionados à segurança física e cibernética do Estado do Vaticano, incluindo o uso de inteligência artificial, serão detalhados em posteriores regulamentações específicas.

Capítulo III. Disposições finais

O art. 14 prevê a criação da Comissão sobre IA, composta por cinco membros nomeados pelo presidente do Governatorato, sob a presidência do secretário-geral. A comissão é formada por dois funcionários do Departamento Jurídico, dois da Direção de Telecomunicações e Sistemas Informáticos e um da Direção de Serviços de Segurança e Proteção Civil. A comissão tem a responsabilidade de elaborar os regulamentos complementares, emitir pareceres sobre propostas relacionadas à aplicação de sistemas de inteligência artificial no território do Vaticano, monitorar os riscos associados ao uso dessa tecnologia e apresentar relatórios semestrais avaliando o impacto da inteligência artificial no Estado e nas áreas previstas no Tratado de Latrão.

O art. 15 determina que, no prazo de doze meses a partir da entrada em vigor do decreto, sejam adotadas as leis e regulamentos necessários para assegurar a implementação plena das diretrizes estabelecidas, já que atualmente o decreto implementa apenas sob a forma de "guidelines".

Davi Ferreira Avelino Santana

Davi Ferreira Avelino Santana

Graduando em Direito na Universidade Católica do Salvador, no Brasil, tendo realizado parte dos estudos na Universidade do Porto, em Portugal, e na Pontifícia Universidade Lateranense de Roma, na Itália. Student Member do Chartered Institute of Arbitrators e membro do Young International Council for Commercial Arbitration. Diretor acadêmico do Comitê de Jovens Arbitralistas do CBMA e embaixador da Associação Brasileira dos Estudantes de Arbitragem.

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