Fase pré-contratual trabalhista e a jurisdição apta para analisar ações judiciais
Tribunais têm entendido que a Justiça Comum deve julgar casos pré-contratuais quando não há vínculo de emprego formalizado entre as partes.
sexta-feira, 4 de julho de 2025
Atualizado às 07:43
Recentemente, a 5ª turma do TST entendeu que a Justiça Comum seria a jurisdição competente para resolver disputas relativas à fase pré-contratual, quando não houver relação de trabalho entre as partes.
No caso específico, o autor da ação se cadastrou em um aplicativo de plataforma digital para se habilitar como motorista, mas sua conta de acesso nunca foi liberada, impedindo-o de trabalhar e causando prejuízo ao seu sustento e à possibilidade de obter renda.
Diante desse cenário, ele ajuizou uma ação trabalhista para, entre outros pedidos, requerer que a empresa fosse compelida a ativar sua conta na plataforma, além da fixação de indenização por danos materiais na forma de lucros cessantes (por semana de trabalho perdida) e por danos morais.
O juízo da 4ª vara do Trabalho de Juiz de Fora, em Minas Gerais, julgou improcedentes os pedidos do autor, fundamentando que a empresa não seria obrigada a expor os motivos de não aceitar o candidato para atuar em sua plataforma. Porém, o autor recorreu dessa decisão e a 8ª turma do TRT da 3ª Região (Minas Gerais) reverteu a decisão de 1ª instância.
Com isso, a empresa ré recorreu ao TST, alegando que a pretensão da ação trabalhista tratava tão somente da ativação da parceira comercial e demais indenizações para fins de reparação decorrentes dessa parceria, razão pela qual a Justiça do Trabalho não seria competente para processar e julgar a ação, mas sim a Justiça Comum.
Análise pelo TST
Diferentemente das instâncias anteriores, o TST pautou a sua análise em questões processuais acolhendo a tese da empresa, ao entender pela incompetência da Justiça do Trabalho.
Inicialmente, o ministro Breno Medeiros fez uma distinção entre o precedente firmado pela 5ª turma do TST, nos autos do RR-443-06.2021.5.21.0001 ("as relações travadas entre motoristas e aplicativos de serviço por demanda de usuários, embora não sejam subsumidas ao conceito de emprego, envolvem relação de trabalho cuja competência é desta Justiça Especializada"), e o caso concreto, afirmando que a situação fática era peculiar, o que justificava a aplicação de entendimento diverso do precedente.
O fundamento principal que levou ao entendimento da incompetência material da Justiça do Trabalho é que a relação jurídica de trabalho entre as partes não teria se iniciado, pois esta dependia da ativação do motorista na plataforma para ter o marco inicial da relação laboral.
Como tal ativação não ocorreu, a Justiça do Trabalho não seria competente para apreciar uma ação que diz respeito a uma relação de trabalho que sequer veio a existir, cabendo a aplicação do direito civil durante esse período pré-contratual.
Outro fundamento indicado pelo relator foi o Tema de repercussão geral 992 (RE 960.429) firmado pelo STF, que fixou o entendimento de que: "Compete à Justiça Comum processar e julgar controvérsias relacionadas à fase pré-contratual de seleção e de admissão de pessoal e eventual nulidade do certame em face da Administração Pública, direta e indireta, nas hipóteses em que adotado o regime celetista de contratação de pessoas (...)".
O relator citou que esse racional seria apropriado ao caso em análise e deveria ser aplicado da mesma maneira ao momento pré-contratual quando não tiver existido relação de trabalho entre as partes. Os demais ministros acompanharam o voto relator.
A importância da discussão para a Justiça do Trabalho
Discussões sobre questões pré-contratuais têm se tornado cada vez mais recorrentes na Justiça do Trabalho. Os tribunais trabalhistas têm enfrentado processos que requerem a fixação de indenização pela perda de uma chance. Nesses casos, o autor da reclamação trabalhista busca a reparação à título de danos materiais e/ou morais a partir de uma frustração gerada, que lhe retirou uma oportunidade que poderia ter trazido um benefício.
A jurisprudência trabalhista tem fixado indenizações como forma de reparar danos decorrentes da fase pré-contratual nos casos em que a conduta do empregador impede o empregado de obter uma oportunidade vantajosa. A título de exemplo, cita-se abaixo algumas discussões na Justiça do Trabalho sobre a fixação de indenização por danos ocorridos na fase pré-contratual:
- O trabalhador realizou todos os treinamentos necessários, bem como os exames admissionais, mas ao final não foi contratado por decisão unilateral da empresa. A Justiça do Trabalho fixou indenização por danos morais no importe de R$5.000,00 e rejeitou o pedido de indenização por danos materiais. A discussão já foi encerrada;1
- O trabalhador realizou exames admissionais e a abertura de conta na instituição bancária indicada pela empresa, mas ao final, foi informado que não teria sido aprovado no processo seletivo. A Justiça do Trabalho fixou indenização por danos morais no importe de R$5.000,00. A discussão também já foi encerrada;2
- O trabalhador teve uma expectativa de contratação frustrada após ser rejeitado em processo seletivo que estava em estágio avançado. A Justiça do Trabalho fixou indenização por danos morais no importe de R$3.000,00. A discussão, igualmente, já se encerrou.3
Para fins de discussão, há outros cenários que podem ser analisados sob a óptica da "teoria da perda de uma chance", tais como o cancelamento de um programa de estágio pela empresa, contratos de aprendizagem que não foram executados, alegação de condutas discriminatórias no processo de seleção, e entre outros, que dependem, no entanto, de provas robustas para que seja confirmada a perda de uma chance ou lesão à expectativa de direito da parte autora.
De qualquer forma, a nova decisão proferida pelo TST sobre o tema pode ser útil para orientar as empresas em suas defesas e recursos nos processos trabalhistas que tratam de questões relacionadas à fase pré-contratual.
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1 Processo 1001489-72.2018.5.02.0057, julgado pela 4ª turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo).
2 Processo 0010441-70.2022.5.18.0122, julgado pela 1ª vara do Trabalho de Itumbiara, em Goiás.
3 Processo 0010133-62.2020.5.18.0103, julgado pela 3ª turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (Goiás).
Rafael Caetano de Oliveira
Sócio do escritório Mattos Filho.
José Daniel Gatti Vergna
Sócio do escritório Mattos Filho.
Eduardo Bach Bitencourt
Advogado do escritório Mattos Filho. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e mestrando em Economia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Isabelle Batista
Advogada no escritório Mattos Filho.





