SecexConsenso: TCU aprimora normas e amplia o acesso ao mecanismo de solução consensual
Plenário estende participação e simplifica procedimentos de acordo administrativo.
quarta-feira, 26 de novembro de 2025
Atualizado em 25 de novembro de 2025 15:28
O Plenário do TCU - Tribunal de Contas da União aprovou, em 5 de novembro de 2025, o acórdão 2618/25-Plenário, que altera a IN-TCU 91/22, marco regulatório dos procedimentos de solução consensual de controvérsias relevantes e prevenção de conflitos no âmbito da Corte. A proposta foi apresentada pela SecexConsenso - Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos e aperfeiçoada pela Comissão Temporária de Acompanhamento dos Procedimentos de Solução Consensual, composta pelos ministros Benjamin Zymler, Vital do Rêgo e Antonio Anastasia.
Entre as inovações mais relevantes está a ampliação do rol de legitimados para solicitar a instauração de processos de solução consensual. Agora, o direito de provocar o órgão alcança todos os dirigentes máximos das empresas estatais, e não apenas aquelas não dependentes dos dependentes do tesouro, além das agências reguladoras. Quanto a este ponto, o presidente do TCU, ministro Vital do Rêgo, destacou durante a sessão plenária que aprovou o normativo, que a Petrobras e outras companhias aguardavam a atualização normativa para formalizar pedidos de solução consensual. Desse modo, a medida busca alinhar a norma à realidade administrativa das estatais, conferindo isonomia e maior alcance ao instrumento.
O texto aprovado também aperfeiçoa os requisitos de admissibilidade dos pedidos e a etapa preparatória anterior à constituição da CSC - Comissão de Solução Consensual. Nessa fase preliminar, a SecexConsenso poderá realizar reuniões técnicas, diligências e diálogos com as partes, com o objetivo de sanar falhas e garantir que as solicitações cheguem devidamente instruídas. Apesar de o TCU, neste ponto, ter sinalizado a necessidade de um maior "refinamento" no rito de admissibilidade, de modo a conferir maior previsibilidade e reduzir o custo transacional do procedimento, entendemos que ainda carece de maior detalhamento a maneira como se desenrolarão essas etapas, especialmente os diálogos com os stakeholders, o que poderia ser realizado mediante a edição de uma portaria pela Corte de Contas.
Outro ponto de destaque é o reforço à transparência e à participação social. O requerimento de instauração passa a ser público por padrão - exceto quando houver informações sigilosas justificadas -, e será disponibilizado em página própria do TCU, permitindo o acompanhamento pela sociedade e a manifestação de interessados. Além disso, o normativo passou a exigir a apresentação, pelo órgão proponente, de relatório de participação social prévia nos casos que envolvam a prestação de serviços públicos ou de consulta direcionada a terceiros determinados, quando a eventual solução afetar seus direitos, sempre que cabível. O objetivo é garantir que usuários e agentes econômicos afetados tenham voz nas soluções construídas em sede consensual.
A norma também reforça a análise técnica e jurídica dos acordos. As unidades do TCU que participarem da CSC deverão manifestar-se expressamente sobre três aspectos, como a juridicidade da proposta, a vantajosidade em relação ao cenário de não acordo, bem como o risco moral, conceito que abrange a possibilidade de o acordo gerar incentivos indesejados a comportamentos oportunistas futuros. Essa tríplice análise, inspirada na doutrina consequencialista e na LINDB - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, visa equilibrar pragmatismo e juridicidade, prevenindo que soluções de curto prazo comprometam a coerência sistêmica do controle.
Neste ponto, apesar de o ministro Benjamin Zymler ter destacado que a consensualidade não constitui salvo-conduto para afastar o direito positivo, devendo sempre se ancorar em normas do ordenamento jurídico, o que se constata é que não foram elencados quaisquer requisitos ou parâmetros objetivos capazes de balizar uma metodologia apta a aferir a famigerada "vantajosidade".
Poder-se-ia cogitar aqui que a experiência legislativa recente apresente caminhos possíveis: o art. 147 da lei 14.133/21, ao disciplinar as hipóteses de suspensão ou nulidade de contratações públicas, aponta critérios a serem observados, como os impactos econômico-financeiros da medida e satisfação do interesse público. Embora situado em contexto diverso, o dispositivo oferece referenciais metodológicos que poderiam, no futuro, inspirar o TCU no desenvolvimento de uma matriz mais clara e verificável para a avaliação da vantajosidade nos acordos de solução consensual.
O rito processual também foi aperfeiçoado. A partir de agora, além de o relator ter que submeter a proposta de solução consensual ao Plenário em até 30 dias após o recebimento dos autos, também deverá disponibilizar a minuta de voto e acórdão aos demais ministros 48 horas antes do julgamento. O texto também admite a interposição de embargos de declaração, de forma excepcional, quando houver obscuridade, omissão ou contradição nas condicionantes fixadas pelo Plenário para homologação de acordos. O texto original da IN TCU 91/22 vedava qualquer espécie de recurso em sede de SSC - Solicitação de Solução Consensual, justificando-se na natureza estritamente dialógica do processo.
A ampliação da consensualidade para o âmbito das TCEs - Tomadas de Contas Especiais, antes restrita às tomadas de contas simples, representa talvez o avanço mais expressivo da reforma normativa. Ao admitir soluções pactuadas mesmo em processos vocacionados à apuração de dano e à responsabilização individual, o TCU sinaliza uma guinada institucional. Isso porque reconhece que, em determinadas situações, a recomposição do interesse público pode ser mais eficaz quando orientada à retomada da utilidade social do empreendimento do que à mera imposição de sanções.
Trata-se de um movimento que prestigia a racionalidade administrativa, ao permitir que o controle externo atue não apenas como instância sancionadora, mas também como catalisador de arranjos que destravam obras paralisadas, reduzem desperdícios e maximizam o retorno social do gasto público. Entretanto, cabe aqui a seguinte reflexão: se o racional subjacente é o de maximizar o retorno social e evitar que a apuração de responsabilidades se converta em paralisia permanente, seria apropriado estender a consensualidade a outros tipos de TCEs - especialmente aquelas em que a recomposição pactuada possa gerar resultados superiores à via sancionatória tradicional. A norma aprovada, portanto, embora indique uma direção, ainda não realiza plenamente o potencial transformador associado à lógica de eficiência e entrega de valor público.
Outras alterações relevantes incluem a previsão de que a SecexConsenso poderá se reunir com especialistas e representantes da sociedade civil, a qualquer momento do processo, e a faculdade de participação da AGU - Advocacia-Geral da União nas reuniões da CSC.
Por fim, a instrução incorporou salvaguardas aos agentes públicos que participarem dos processos de solução consensual, prevendo que não estarão sujeitos à responsabilização perante o TCU pelas decisões tomadas nesses procedimentos, salvo em casos de dolo ou fraude. Ao final, o termo de autocomposição será formalizado com assinatura do presidente do TCU como interveniente anuente, além dos dirigentes dos órgãos e entidades envolvidos e dos representantes legais das partes privadas.
Por fim, a Comissão Temporária de Acompanhamento dos Procedimentos de Solução Consensual foi prorrogada até 31 de dezembro de 2026, mantendo a supervisão sobre a implementação das novas regras e a avaliação de seus resultados. Com as novas mudanças, o TCU reafirma o papel da SecexConsenso como ambiente estruturado de diálogo, técnica e juridicamente qualificado, consolidando a consensualidade como instrumento legítimo de atuação do controle externo.
Thiago Cardoso Araújo
Professor da EPGE/FGV, procurador do Estado do Rio de Janeiro e sócio do escritório Bocater Advogados. Mestre e doutor em Direito pela UERJ.
Daniella Felix Teixeira
Advogada do Bocater Advogados. Especializada em Direito Regulatório pela UERJ. Cursando LLM. em Direito Administrativo Sancionador na FGV Direito Rio.
Ana Luiza Moerbeck
Mestra em Direito da Regulação na Fundação Getúlio Vargas. Professora. Advogada no Bocater Advogados.




