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Subvenções na lei 14.789/23: Crítica às soluções de consulta COSIT 223 e 224

STJ reafirma que créditos presumidos de ICMS não podem ser tributados pela União, contrariando a interpretação da Receita e protegendo o pacto federativo.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Atualizado às 14:39

A promulgação da lei 14.789/23, que institui nova sistemática para o tratamento tributário das subvenções, reacendeu debates sobre a legalidade da tributação federal sobre tais benefícios. A controvérsia ganhou força com a recente publicação das Soluções de Consulta COSIT nos 223 e 224 em 23.10.2025, que negam a possibilidade de exclusão dos créditos presumidos de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, mesmo quando destinados a investimentos.

Esse entendimento, contudo, confronta diretamente a jurisprudência do STJ que, no julgamento do EREsp 1.517.492, firmou a tese de que não é possível a tributação, pelo IRPJ e pela CSLL, dos benefícios fiscais de ICMS concedidos pelos Estados, sob a forma de crédito presumido, por configurar violação ao pacto federativo. O Tribunal reconheceu que tais incentivos representam renúncia fiscal dos Estados e que sua tributação pela União comprometeria a autonomia dos entes federativos, em evidente afronta à Constituição. Trata-se de um marco na defesa da autonomia federativa, cuja força vinculante foi reafirmada pelo Tema Repetitivo 1.182/STJ, ao impor limites claros à tributação federal.

Ainda que a lei 14.789/23 tenha instituído um novo regime de reconhecimento das subvenções, com exigência de habilitação prévia, comprovação da destinação dos recursos e revogado o artigo 30 da lei 12.973/14, não há qualquer elemento que justifique a mudança de entendimento quanto à natureza jurídica dos créditos presumidos de ICMS. A renúncia fiscal estadual permanece como fundamento central da tese firmada pelo STJ, e não foi afastada pela nova legislação.

O sistema atual, embora busque maior controle, é excessivamente burocrático e ineficaz. A exigência de habilitação prévia e a limitação do benefício à apuração exclusiva do IRPJ, e apenas para créditos presumidos habilitados, resultam em economia fiscal muito inferior ao regime anterior. Essa mudança desconsidera os altos investimentos realizados sob a vigência da lei anterior, quando os incentivos fiscais eram abatidos diretamente da base de cálculo, frustrando expectativas legítimas e desestimulando novos investimentos.

Vale destacar, ainda, que, mesmo sob a vigência da lei 14.789/23, o próprio STJ já vem proferindo decisões monocráticas que reafirmam a impossibilidade de tributação federal sobre os créditos presumidos de ICMS1. Tais decisões demonstram que o entendimento consolidado permanece válido, mesmo diante da nova sistemática legal.

A tentativa da Receita Federal de afastar esse entendimento por meio de soluções de consulta ignora o caráter vinculante dos precedentes judiciais e a supremacia da Constituição. A tributação dos créditos presumidos de ICMS, concedidos como forma de incentivo ao desenvolvimento regional e setorial, continua a representar uma indevida interferência da União na esfera de competência dos Estados. Tal postura revela resistência institucional à autoridade do Poder Judiciário e compromete a segurança jurídica, criando um ambiente de incerteza que prejudica o desenvolvimento regional e a lógica federativa.

Diante disso, é imperativo que os contribuintes se mantenham vigilantes e, quando necessário, busquem o Poder Judiciário para assegurar o respeito à autonomia dos entes federativos e à jurisprudência consolidada. A defesa da tese do pacto federativo não é apenas uma questão tributária, mas um sério compromisso com os fundamentos constitucionais que regem a Federação brasileira.

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1 AREsp 2.953.864/CE, rel. ministro Teodoro Silva Santos, DJEn em 3.10.2025; (ii) REsp 2.214.272/RS, rel. ministro Teodoro Silva Santos, DJEn em 13.8.2025.

Luciana Rosanova Galhardo

Luciana Rosanova Galhardo

Sócia da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados.

Mariana Monfrinatti Affonso de Andre

Mariana Monfrinatti Affonso de Andre

Eric Max Kanashiro

Eric Max Kanashiro

Auxiliar jurídico de Pinheiro Neto Advogados.

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