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O novo CPC dará maior racionalidade ao sistema de Justiça

"Não se poderá questionar o caráter democrático desse projeto, pois, ao longo destes quatro anos de intensos e profícuos debates, foram ouvidas instituições do sistema de Justiça, acadêmicos, operadores do Direito e a sociedade civil como um todo."

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Atualizado em 11 de julho de 2013 14:08

Do ponto de vista histórico, as últimas quatro décadas representaram um período de ganhos sociais muito mais elevados, se comparado ao mesmo período de tempo imediatamente anterior a 1973. A sociedade brasileira, composta por 93 milhões de pessoas no início da década de 1970, tem passado por momentos de crise e ruptura de regimes, mostrando-se bastante resiliente, sobretudo em face da globalização, impulsionada por profundas mudanças em campos como os das telecomunicações, economia e tecnologia da informação. Atualmente, trata-se não apenas de uma sociedade plural, formada por 190 milhões de pessoas, mas também de uma sociedade complexa, que a um só tempo reconhece e responde aos riscos aos quais está permanentemente sujeita.

Essa sociedade, contudo, não apenas aumentou em quantidade populacional, mas também cresceu em relação à conscientização dos seus direitos, principalmente com o advento da CF. Este é um dos motivos do exponencial e progressivo aumento da litigiosidade em nosso país, que poderá ser demonstrado numericamente.

Para que se possa dimensionar em números o crescimento exponencial da litigiosidade nos últimos 45 anos no país, confira-se o exemplo das estatísticas dos feitos distribuídos no STF.

No quinquídio de 1966/70, foram distribuídos no STF 38.254 mil processos. Contudo, a avalanche de processos não parou por aí, pois, comparativamente, no intervalo entre 2007 e 2011, o STF recebeu a espantosa distribuição de 301.665 mil processos. Assim sendo, esses dados revelam um verdadeiro realismo fantástico no sistema judiciário brasileiro, pois basta uma singela operação aritmética para se concluir que o número de processos recebidos por cada um dos 11 ministros, ao longo desses cinco anos (2007/11), torna humanamente impossível que os feitos não se acumulem ao final de cada dia útil de trabalho.

E o mais extraordinário é que, em números globais, tramitam hoje em todas as instâncias do Poder Judiciário brasileiro mais de 90 milhões de processos. Essa estatística absurda expressa não mais a litigiosidade individual das décadas de 60 e 70, mas revela, sim, uma litigiosidade repetitiva de amplo espectro público, que não comporta as mesmas respostas que foram pensadas para os problemas entre Caio e Tício.

Nesse contexto, o CPC vigente tem passado por inúmeras alterações substanciais decorrentes de leis que se ocuparam em atualizar a legislação codificada naquilo que ela não mais atendia aos anseios e exigências desta sociedade numerosa, complexa e de massa.

Tais modificações, certamente, em alguma medida passaram conferir maior desempenho ao sistema de Justiça. Porém, acarretaram antinomias no CPC, provocando aqui e ali dúvidas e insegurança a respeito da melhor interpretação de determinados dispositivos, pois cada uma dessas microrreformas foi regida por princípios próprios, o que, inevitavelmente, acarretou contradições internas, além de não ter logrado êxito no atendimento adequado e célere das demandas seriais.

Objetivando corrigir esses gravíssimos problemas, a presidência do Senado Federal instituiu, em 2009, através do ato 379/09, assinado pelo Senador José Sarney, comissão de juristas para elaborar um anteprojeto de novo CPC, que tramitou no Senado Federal sob o PLS 166/10, que hoje, na Câmara Federal, recebe a designação de PL 8.046/10, sendo, objeto de discussão em comissão que tem como presidente o deputado Fábio Trad (PMDB/MS) e relator-geral o deputado Paulo Teixeira (PT/SP).

O projeto do novo CPC possui inúmeras virtudes capazes de equacionar incontáveis problemas do nosso sistema de Justiça, mas, como qualquer empresa humana, não alcançou unanimidade, encontrando resistências ideológicas em certos setores da comunidade jurídica.

Todavia, não se poderá questionar o caráter democrático desse projeto, pois, ao longo destes quatro anos de intensos e profícuos debates, foram ouvidas instituições do sistema de Justiça, acadêmicos, operadores do Direito e a sociedade civil como um todo. Por exemplo, apenas na Câmara dos Deputados, foram realizadas 15 audiências públicas, 13 conferências estaduais, foram ouvidos mais de 140 palestrantes, o portal e-democracia registrou 25.300 acessos, 282 sugestões, 143 comentários e 90 emails. Ou seja: todos participaram ou tiveram ampla oportunidade de participação.

Em sua essência o projeto do novo CPC dará novo sentido aos processos judiciais.

A Comissão Especial da Câmara dos Deputados entendeu, seguindo a ideologia da comissão de juristas, que elaborou o anteprojeto do novo CPC, que quanto mais complexo o sistema processual, maiores as chances de discussões laterais, que tergiversam sobre o essencial: dar resposta à pergunta "quem tem razão no litígio?" Assim, a redução de solenidades e dos chamados incidentes processuais, ao eliminar expressiva quantidade de atos desnecessários praticados no processo, buscou dar cabo àquilo que o CNJ identificou como um dos maiores vilões do sistema judicial: os "prazos cartorários", ou seja: o tempo que se leva para juntar petições, expedir ofícios e alvarás, publicar despachos etc.

Entre as principais novidades, sublinhe-se a simplificação do sistema recursal, com a uniformização dos prazos, extinção dos embargos infringentes e do agravo retido, assim como a limitação das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento e o aproveitamento de ato na interposição errônea de recursos excepcionais. Essas medidas têm por finalidade emprestar maior efetividade e conceder uma tutela jurisdicional mais célere e justa ao cidadão, pois coíbem artifícios técnicos no intuito de retardar o desfecho do processo, bem como mitigam a horrenda jurisprudência defensiva dos tribunais superiores.

Merece destaque a disciplina que o projeto do novo CPC conferiu à regra do precedente judicial. Percebe-se que o texto se preocupou em detalhar pormenores a respeito do procedimento para alteração dos julgados consolidados pelas cortes, assim como prescreveu a necessidade de orientação dos juízos inferiores pelas decisões proferidas pelos tribunais de superposição.

É necessário que os tribunais, notadamente os superiores, exerçam efetivamente seu verdadeiro papel de nortear as decisões dos juízes inferiores e a vida social. Para tanto, é necessário que haja estabilidade da jurisprudência, evitando-se idas e vindas que, por um lado, acarretam o descrédito do Poder Judiciário e, por outro, aguçam o ímpeto demandista e recursal das pessoas e das empresas, que enxergam na divergência jurisprudencial uma porta aberta para a prevalência de suas teses, ainda que pressintam não terem qualquer razão.

Contudo, isso não significa que o projeto do novo CPC desconheça a capacidade de aprendizagem da realidade que não apenas o texto constitucional possui, mas também os diplomas infralegais, prescrevendo para as hipóteses em que a mudança de entendimento seja imperiosa, a necessidade de fundamentação adequada e específica, levando-se em conta os princípios da segurança jurídica, da confiança e isonomia.

No plano da racionalidade, buscou-se dar concretude ao óbvio: assim como não se poderá dar soluções de varejo a problemas de atacado, igualmente não será possível resolver individual e artesanalmente conflitos idênticos que se repetem em milhares ou milhões de ações levadas à Justiça. Para equacionar esse problema de litigância serial, o projeto também inova ao instituir o incidente de resolução de demandas repetitivas. Este instrumento se destina a conter o processamento em massa de demandas análogas desafogando as varas e tribunais, o que, certamente permitirá que os juízes dediquem seu tempo com casos que verdadeiramente requeiram olhar mais especifico e solução mais engenhosa.

O projeto do novo CPC não resolverá todos os problemas, pois entendemos que a racionalização das práticas cartorárias, reestruturação do Poder Judiciário, assim como uma maior performance das agências de reguladoras são imprescindíveis para conferir maior efetividade às instituições do sistema de Justiça.

Pode-se, porém, afirmar que o Congresso Nacional, através da EC de 45/04, estruturou os alicerces corroídos do Poder Judiciário. Porém, aqui e ali ficaram algumas fissuras nas vigas mestras que alicerçam o sistema de justiça, mas que serão restauradas com a aprovação do projeto do novo CPC, assegurando, assim, a concretização dos direitos e garantias dos jurisdicionados.
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* Teresa Arruda Alvim Wambier é advogada do escritório Wambier & Arruda Alvim Wambier Advocacia e Consultoria Jurídica; Bruno Dantas é conselheiro do CNJ; Alexandre Freire é membro fundador da ABDPC - Academia Brasileira de Direito Processual Constitucional e Marcelo Guedes Nunes é presidente da Associação Brasileira de Jurimetria - ABJ.

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