CPC na prática

Multa por não comparecimento na audiência de tentativa de conciliação obrigatória

Multa por não comparecimento na audiência de tentativa de conciliação obrigatória.

5/11/2020

O CPC/2015 tornou obrigatória a realização de audiência de tentativa de conciliação e mediação prevista no art. 334.

O art. 319, VII, impõe como requisito da petição inicial, sob pena de seu indeferimento (art. 321, parágrafo único), o autor optar pela realização ou não da audiência de tentativa de mediação ou conciliação, ao passo em que o art. 334 e §§s estabelecem que referida audiência não se realizará (i) quando a petição inicial não preencher seus requisitos iniciais ou não for a hipótese de julgamento liminar de improcedência do pedido (art. 332), (ii) nas causas em que a autocomposição não for admissível1 e, (iii) desde que tanto o autor, quanto o réu se manifestem contrariamente nos autos a realização da aludida audiência2.

O não comparecimento a referida audiência, realizada necessariamente por conciliador ou mediador, implica na imposição de multa à parte faltante, como ato atentatório à dignidade da justiça3.

O estímulo pelas de realização da audiência de mediação ou conciliação obrigatória também é erigida à categoria de norma fundamental do processo civil (art. 3º, § 3º), além de compor um poder-dever do magistrado (art. 139, V).

Portanto, o fomento ao intuito conciliatório foi opção política do legislador tendo como principal premissa as vantagens da realização de um acordo e imediata pacificação do conflito.

Há também quem se oponha a obrigatoriedade de referida audiência sustentando argumentos, como a intransigência das partes em conciliar quando o conflito chegou a ponto de se judicializar, o custo de tempo e deslocamento (mercê num pais de dimensões continentais como o Brasil) para uma audiência em que uma das partes por vezes já é adversa à conciliação ou mediação e, por parte da magistratura, justificativas ligadas à demora para realização de referido encontro frente à inúmeras pautas de audiência já existentes, a percepção de que diante da narrativa da petição inicial a probabilidade de autocomposição é remota, a falta de estrutura, etc., fundamentos estes já apresentadas por juízes de primeira instância em decisões que dispensaram a realização da audiência obrigatória4.

E, como já pudemos destacar em outra oportunidade5, alguns tribunais já decidiram não ser dever do magistrado a realização de aludida audiência quando verificado desinteresse por uma das partes, ou, ainda, há de se afastar a aplicação do art. 334, § 8º quando uma das partes reiteradamente postula pela ausência desinteresse na realização de referida audiência.

Todavia, recentemente a Primeira Turma do STJ decidiu pela aplicação da multa prevista no art. 334, § 8º do CPC, frente ao não comparecimento de uma das partes na audiência de tentativa de conciliação:

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECUSO ESPECIAL. A AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO É FASE OBRIGATÓRIA DO PROCESSO CIVIL ATUAL. NOVA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL CIVIL. JUSTIÇA MULTIPORTAS. VALORIZAÇÃO DA COMPOSIÇÃO AMIGÁVEL. TAREFA A SER IMPLEMENTADA PELO JUIZ DO FEITO. AUSÊNCIA DE COMPARECIMENTO DO INSS. APLICAÇÃO DE MULTA DE 2% SOBRE O VALOR DA CAUSA. ART. 334, § 8o. DO CPC/2015. INTERESSE DO AUTOR NA REALIZAÇÃO DO ATO. MULTA DEVIDA. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. A nova legislação processual civil instrumentaliza a denominada Justiça Multiportas, incentivando a solução consensual dos conflitos, especialmente por meio das modalidades de conciliação e mediação. O objetivo dessa auspiciosa inovação é hipervalorizar da concertación de interesses inter partes, em claro desfavor do vetusto incentivo ao demandismo. Mas isso somente se pode alcançar por meio da atuação inteligente dos Juízes das causas, motivados pelos ideais da equidade, da razoabilidade, da economia e da justiça do caso concreto.

2. Em seus artigos iniciais, o Código de Processo Civil prescreve que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos (art. 3o., § 2o. do CPC/2015), recomendando que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução harmoniosa de conflitos sejam estimulados por Juízes, Advogados, Defensores Públicos e Membros do Ministério Público (art. 3o., § 3o. do CPC/2015), inclusive no curso do processo judicial (art. 139, V do CPC/2015). Esses dispositivos do CPC pressupõem que os Julgadores abram as mentes para a metodologia contemporânea prestigiadora da visão instrumentalista do processo, levando-o, progressivamente, a deixar de ser um objetivo em si mesmo.

3. Reafirmando esse escopo, o CPC/2015, em seu art. 334, estabelece a obrigatoriedade da realização de audiência de conciliação ou de mediação após a citação do réu. Excepcionando a sua realização, tão somente, na hipótese de o direito controvertido não admitir autocomposição ou na hipótese de ambas as partes manifestarem, expressa

4. O caráter obrigatório da realização dessa audiência de conciliação é a grande mudança da nova Lei Processual Civil, mas o INSS, contudo, intenta repristinar a regra de 1994, que estabelecia ser optativa a audiência de conciliação (art. 125, IV do CPC/1973 com redação dada pela Lei 8.952/1994), retirando o efeito programado e esperado pela legislação processual civil adveniente. 5. Rememore-se, aqui, aquela conhecida - mas esquecida - recomendação do jurista alemão Rudolph von Iherin (1818-1892), no seu famoso livro O Espírito do Direito Romano, observando que o Direito só existe no processo de sua realização. Se não passa à realidade da visa social, o que existe apenas nas leis e sobre o papel não é mais do que o simulacro ou um fantasma do Direito, não é mais do que meras palavras. Isso que dizer que, se o Juiz não assegurar a eficácia das concepções jurídicas que instituem as garantias das partes, tudo a que o Direito serve e as promessas que formula resultarão inócuas e inúteis.

6. No caso dos autos, o INSS manifestou desinteresse na realização da audiência, contudo, a parte autora manifestou o seu interesse, o que torna obrigatória a realização da audiência de conciliação, com a indispensável presença das partes. Comporta frisar que o processo judicial não é mais concebido como um duelo, uma luta entre dois contendores ou um jogo de habilidades ou espertezas. Exatamente por isso, não se deixará a sua efetividade ao sabor ou ao alvedrio de qualquer dos seus atores, porque a justiça que por meio dele se realiza acha-se sob a responsabilidade do Juiz e constitui, inclusive, o macro-objetivo do seu mister.

7. Assim, não comparecendo o INSS à audiência de conciliação, inevitável a aplicação da multa prevista no art. 334, § 8o. do CPC/2015, que estabelece que o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da Justiça e será sancionado com multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. Qualquer interpretação passadista desse dispositivo será um retrocesso na evolução do Direito pela via jurisdicional e um desserviço à Justiça."

(STJ, RESP n. 1769949/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 08.09.2020, v.u., grifou-se)

Em voto vista da lavra do Ministro Benedito Gonçalves, restaram acrescidos outros fundamentos além dos acima citados e que encabeçaram o voto condutor:

"(...) Assim, em razão de expressa disposição legal, a audiência de conciliação só não se realizará quando ambas as partes se manifestarem pelo desinteresse, ou se a hipótese não admitir autocomposição.

Desta forma, ambas as partes têm oportunidade para manifestar o desinteresse na audiência de composição, e por não se manifestarem estão sujeitos à penalidade pela ausência injustificada, como dispõe o §8º daquele artigo:

"§ 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado". (destaquei)

No caso dos autos, a audiência de conciliação foi designada após o prazo previsto no artigo 334, sendo a Autarquia Previdenciária, ora recorrente, intimada, pessoalmente, apresentou petição noticiando o desinteresse na composição consensual, contudo, deixou de observar que a parte autora, ora recorrida, mantinha o seu interesse na conciliação.

Dessarte, o desinteresse na audiência por qualquer das partes deve ser expresso, não podendo o silêncio do autor ser interpretado como sendo interesse na composição.

Na hipótese, conforme consignado no acórdão recorrido, não há nos autos manifestação da impossibilidade de comparecimento do ora recorrente na audiência. Importante registrar, que a manifestação de desinteresse na realização da audiência de conciliação apresentada pelo INSS não pode ser confundida com a justificativa da impossibilidade de comparecer ao ato, tratando-se de procedimentos com finalidade distintas, uma não se equiparando a outra.

De ressaltar, que a audiência só não será realizada se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual. A ausência injustificada de quaisquer das partes à audiência de conciliação designada no juízo a quo, enseja a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça.

Desse modo, a multa pelo não comparecimento em audiência deve ser mantida, porquanto, ainda que o Instituto Nacional do Seguro Social tenha peticionado o seu desinteresse na conciliação, nos termos do artigo 334, § 4º, inciso I, do CPC/2015, a audiência só não ocorre "se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual".

Assim, considerando que a parte Autora, ora recorrida, não manifestou desinteresse, não ocorreu o cancelamento da audiência, motivo pelo qual o não comparecimento do INSS, ora recorrente se deu de forma injustificada.

Logo, não há razão para a alteração do acórdão recorrido.

Ante o exposto, acompanho o Ministro Relator Napoleão Nunes Maia Filho para negar provimento ao recurso especial do INSS.

É como voto.(...)"

O julgado acima, se cotejado com os entendimento em sentido contrário, já revelados nesta coluna, apontam a divergência de tratamento que vem sendo dado à disciplina do art. 334 do Código de Processo Civil. Embora o tema seja relativamente novo, sob o prisma de amadurecimento e experiência em torno da obrigatoriedade de realização de audiência de tentativa de conciliação (em especial as questões que gravitam em torno de sua dispensa), impõe-se um entendimento uniforme para situações semelhantes que, acertado ou não, será aplicado a todos os jurisdicionados, sob pena de ferir a isonomia, previsibilidade e segurança jurídica, desafio este também confiado ao Código de Processo Civil de 2015 (arts. 926, 927 e 489, § 1º, V e VI) de onde se espera que as cortes superiores ao final uniformizem a interpretação dispensada à matéria.

__________

1 "Andou bem o legislador em evitar a distinção entre direitos disponíveis e indisponíveis pois mesmo nestes há possibilidade de autocomposição em relação às modalidades e prazos do cumprimento da obrigação. Por outro lado, é possível que o acordo seja parcial, cobrindo apenas a parte disponível do objeto litigioso". GRINOVER, Ada Pellegrini. In. BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao código de processo civil, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 66.

2 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, v. I, 58 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 803.

3 BUENO, Cassio Scarpinella. Novo código de processo civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 251.

4 Outros magistrados, valendo-se de interpretação sobre a amplitude do poder de flexibilização procedimental (art. 139, VI), postergam a realização da audiência de tentativa de conciliação obrigatória para oportuno momento processual distinto da fase postulatória.

5 Audiência de tentativa de conciliação ou mediação obrigatória?

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).