CPC na prática

O recente julgamento da ADI 5941 no STF quanto à aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15

O artigo 139, IV, do CPC dispõe que cabe ao magistrado determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.

2/3/2023

O artigo 139, IV, do CPC/15 dispõe que cabe ao magistrado determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.

O tema desperta muitas polêmicas no Brasil e foi objeto do julgamento da ADI n. 5941 no STF, em cujos autos a PGR já havia posicionado no sentido de que o artigo 139, IV, do CPC/15, deveria ser aplicado de forma subsidiária e sempre com o escopo de possibilitar medidas de natureza patrimonial, evitando-se a efetivação de medidas que possam gerar restrições de direitos.

Vale lembrar que Teresa Arruda Alvim1enfatiza a necessidade de o inciso IV do artigo 139 do CPC/15 ser interpretado "com grande cuidado, sob pena de, se entender que em todos os tipos de obrigações, inclusive na de pagar quantia em dinheiro, pode o juiz lançar mão de medidas típicas das ações executivas lato sensu, ocorrendo completa desconfiguração do sistema engendrado pelo próprio legislador para as ações de natureza condenatória".

Flávio Luiz Yarshell2, ainda, doutrina que, quanto ao artigo 139, IV, "será preciso cuidado na interpretação desta norma, porque tais medidas precisam ser proporcionais e razoáveis, lembrando-se que pelas obrigações pecuniárias responde o patrimônio do devedor, não sua pessoa. A prisão civil só cabe no caso de divida alimentar e mesmo eventual outra forma indireta de coerção precisa ser vista com cautela, descartando-se aquelas que possam afetar a liberdade e ir e vir e outros direitos que não estejam diretamente relacionados com o patrimônio do demandado".

O próprio STF já havia sinalizado, em julgamentos de HCs, para a enorme importância sobre a compreensão dos limites de aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15.

Em 04/12/2020, em decisão proferida no HC 192.127/SC, o relator Ministro Edson Fachin julgou no sentido de que: "Não tenho dúvidas de afirmar que as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais e sub-rogatórias são inadequadas, desnecessárias e desproporcionais ao cumprimento de medidas judiciais impositivas de obrigações pecuniárias. No caso dos autos, a suspensão da carteira nacional de habilitação e apreensão do passaporte da paciente, como medidas de fazer cumprir decisão judicial, tomadas no âmbito de processo de execução por título extrajudicial decorrente de contrato de locação comercial celebrado entre pessoas físicas, devem ser afastadas. A desproporcionalidade da utilização de medidas executivas atípicas pelos juízes com a intenção de forçar o executado a cumprir decisão judicial, apresenta-se evidente, considerando que a imposição de medidas restritivas de direitos fundamentais, para compelir à execução de dívidas pecuniárias, não se revela, como revela o caso dos autos, compatível com a Constituição da República de 1988". 

Por sua vez, em 08/06/2021, ao apreciar o HC 199.767/ DF, o relator Ministro Ricardo Lewandowski julgou no sentido de que: "A custódia do passaporte e da CNH, embora limite a possibilidade de o paciente realizar viagens internacionais e de dirigir veículo automotor, não restringe, necessariamente, sua liberdade de ir e vir".

No julgamento ocorrido em fevereiro desse ano, quanto à ADI n. 5941, em controle concentrado de constitucionalidade, o STF, nos termos do voto do Min. Relator Luiz Fux, proclamou: "constitucional dispositivo do Código de Processo Civil (CPC) que autoriza o juiz a determinar medidas coercitivas necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, como a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e de passaporte, a suspensão do direito de dirigir e a proibição de participação em concurso e licitação pública. A maioria do Plenário acompanhou o voto do relator, ministro Luiz Fux, para quem a aplicação concreta das medidas atípicas previstas no artigo 139, inciso IV, do CPC, é válida, desde que não avance sobre direitos fundamentais e observe os princípios da proporcionalidade e razoabilidade (...). Ao votar pela improcedência do pedido, o relator ressaltou que a autorização genérica contida no artigo representa o dever do magistrado de dar efetividade às decisões e não amplia de forma excessiva a discricionariedade judicial. É inconcebível, a seu ver, que o Poder Judiciário, destinado à solução de litígios, não tenha a prerrogativa de fazer valer os seus julgados. Ele destacou, contudo, que o juiz, ao aplicar as técnicas, deve obedecer aos valores especificados no próprio ordenamento jurídico de resguardar e promover a dignidade da pessoa humana. Também deve observar a proporcionalidade e a razoabilidade da medida e aplicá-la de modo menos gravoso ao executado. Segundo Fux, a adequação da medida deve ser analisada caso a caso, e qualquer abuso na sua aplicação poderá ser coibido mediante recurso"3.

É bem de ver, portanto, que os princípios dos artigos 1, 8 e 805 do CPC/15 ficaram muito bem ressalvados pelo STF, tendo a corte suprema se limitado a dizer que a redação do artigo 139, IV, do CPC/15 é constitucional, mas sendo ressalvada a importância do controle concreto de sua aplicação em cada situação jurisdicional, preservando-se sempre os princípios processuais e constitucionais insculpidos nos artigos acima referidos.

Por isso, torna-se relevante a posição que o STJ adotará no julgamento do Recurso Especial n. 1.955.539 - SP, que tramita sob o rito dos recursos repetitivos, no qual a Segunda Seção definirá os limites e requisitos para a aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15, verificando se "é possível, ou não, o magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos".

O STJ, nesse julgamento, possivelmente detalhará melhor quais são os requisitos para a aplicação concreta das medidas do artigo 139, IV, do CPC/15.

Como sabemos, a questão já vem sendo enfrentada pela 3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, merecendo destaque o julgamento do HC 558313 / SP, tendo sido relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: "Na linha do entendimento firmado, portanto, apenas diante da existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, ou que vem adotando subterfúgios para não quitar a dívida, ao magistrado é autorizada a adoção subsidiária de medidas executivas atípicas, tal como a apreensão de passaporte, e desde que justifique, fundamentadamente, a sua adequação para a satisfação do direito do credor, considerando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e observado o contraditório prévio".

De forma similar, ressalta-se o julgamento do AgInt no REsp 1837680 / SP, tendo sido relator o Ministro Moura Ribeiro: "Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, as medidas de satisfação do crédito devem observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de forma a serem adotadas as providências mais eficazes e menos gravosas ao executado. Precedentes."

Em 23/04/2019, na apreciação do REsp 1788950 / MT, tendo sido relatora a Ministra Nancy Andrighi, julgou-se no sentido de que: "A  adoção  de  meios  executivos  atípicos  é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios  de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da  hipótese concreta, com observância  do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade."

Nesse contexto, o julgamento da ADI n. 5941, muito ao contrário do que vem sendo genericamente ventilado, se limitou a proclamar constitucional a redação do artigo 139, IV, do CPC/15, tendo-se expressamente ressalvado que sua aplicação, em cada caso concreto, deve observar os princípios processuais e constitucionais dos artigos 1, 8 e 805 do CPC/15; o que aumenta a responsabilidade do julgamento que ocorrerá no STJ quanto ao tema 1137, relacionado ao Recurso Especial n. 1.955.539 - SP, que tramita sob o rito dos recursos repetitivos.

__________

1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 264.

2 COELHO, Marcus Vinicius Furtado. MEDEIROS NETO, Elias Marques de. YARSHELL, Flávio Luiz. PUOLI, José Carlos Baptista. O Novo Código de Processo Civil: Breves Anotações para a Advocacia. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016. p. 28.

3 Disponível aqui.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).