Meio de campo

E agora, torcedor do Figueirense? - Parte III

Rodrigo R. Monteiro de Castro retoma uma série de textos envolvendo operações realizadas pelo Figueirense, anteriores à Lei da SAF, que resultaram numa crise de dificílima reversão.

22/3/2023

Publicamos em 2017, nesta coluna, um artigo cujo título era "e agora, torcedor do Figueirense?"1. Questionava-se, à época, o modelo de negócio anunciado pelo clube, envolvendo o ingresso de suposto investidor, que, desde a origem, foi pautado pela falta de transparência em relação ao que se pretendia e pela dúvida sobre os verdadeiros beneficiários (ou interessados) finais envolvidos na operação.

As promessas, no entanto, eram audaciosas: assunção de dívidas pelo fantasmagórico investidor, injeção de recursos milionários, indicação de profissionais egressos do mercado paulista, incluindo o ex-CEO e o ex-técnico de um (ex) poderoso time de São Paulo, e outras coisas mais.

As indagações que se multiplicavam a cada pronunciamento ou a cada movimento dos dirigentes do projeto eram esquivadas, sem revelação de elementos essenciais do que estava, de fato, acontecendo.

O que tal projeto teve ou tem a ver com a Lei da SAF e com a própria SAF? Absolutamente nada.

Primeiro porque foi estruturado muitos anos antes da entrada em vigor da Lei da SAF, que ingressou no sistema jurídico em 2021. Segundo porque os princípios e as premissas da Lei da SAF almejam exatamente enfrentar e evitar tal tipo de desfecho, como o tido no modelo de negócio adotado pelo Figueirense em 2017.

Por isso, aliás, alertamos, à época, para o risco de que o sonho vendido ao torcedor terminasse em pesadelo, da seguinte forma: "o mais relevante deles (dos sinais negativos do negócio anunciado pelo Figueirense) diz respeito à similitude que essa parceria parece ter com os tantos outros projetos malsucedidos, que foram desenvolvidos logo após o advento da Lei Pelé (lei 9.615/1998)".

Em 2019 retomamos o tema, com novo texto intitulado "e agora, torcedor do Figueirense? – Parte II"2. Naquele momento, a situação do clube, conforme notícias públicas, já era calamitosa: acumulavam-se atrasos salariais, dívidas, incertezas, questionamentos sobre o suposto investidor e o grupo de gestores contratados para manejar o contrato, dentre outras mazelas.

Ali se anunciava, portanto, que, na esteira dos demais negócios obscuros realizados no país antes do advento da Lei da SAF, pela ausência de regulamentação adequada para organizar a atividade futebolística, o fim do poço havia chegado.

Só que não – como se costuma dizer por aí...

De lá para cá, o calvário do Figueirense, time tradicional de Santa Catarina, intensifica-se cotidianamente, dando ensejo, inclusive, às assustadoras imagens veiculadas pelas redes sociais nos últimos dias, envolvendo invasão de campo, ameaças e agressões.

A indignação coletiva decorre de um processo que se expandiu pelo país, causado pelo encastelamento dos times de futebol em estruturas arcaicas, dominadas por políticas clubísticas, desassociadas do interesse do próprio time e dos torcedores.

Por isso que, naquele texto de 2019, clamávamos pela criação de "um novo ecossistema, um novo mercado do futebol, que alie as preocupações desportivas - que são legítimas - aos conceitos e técnicas empresariais, observe as melhores práticas de governança corporativa e respeite as particularidades (culturais, econômicas e conjunturais) do futebol brasileiro, oferecendo-lhe, assim, uma via de transição".

A resposta ao clamor veio em forma de lei, a Lei da SAF, concebida para, além da concepção legislativa da própria SAF (como veículo societário específico para determinado setor), também para dispor sobre normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, além do tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas.

Trata-se de um conjunto de normas que pretende instituir, de modo paradigmático, um sistema sustentável, nucleado pela SAF, e que faça o futebol no país cumprir suas funções esportiva, econômica e social.

A Lei da SAF será a solução para todo time em crise ou mesmo para times que pretendam crescer e se afirmar local e regionalmente? Não necessariamente – e nunca em si mesma, apenas, pois depende da sua integração a um projeto que vise, de fato, a recuperação e o desenvolvimento, mediante o emprego de técnicas, regras e sistemas que busquem a inserção do futebol (e sua gestão) no ambiente empresarial, e a atenção a padrões elevados de mercado.

Mas já se pode afirmar, após dois anos de seu manejo, que a sua correta utilização, com a associação a parceiros ou sócios conhecidos, com lastro, e que promovam a publicização dos planos imediatos e mediatos, tornou-se uma condição necessária (apesar de não suficiente) para sobrevivência de muitos dos principais times brasileiros.

Voltando ao Figueirense, ainda haveria espaço e tempo para, a partir de algum mecanismo previsto na Lei da SAF, como a captação de recursos no mercado, a obtenção de aporte de investidor, a recuperação judicial ou extrajudicial, recobrar seu rumo e, com as dificuldades de um processo dessa natureza, resistir?

Talvez.

Independentemente do destino desse caso (que, espera-se, possa ser revertido), as lições que se extraem das operações mais relevantes ocorridas até o momento, como as protagonizadas, por exemplo, por Ronaldo Nazário, John Textor, 777 e Grupo City, apontam para, goste-se ou não de cada um deles, o surgimento de perspectivas antes inexistentes aos times e torcedores.

É isso, pois: a falta de perspectiva de outros clubes, mesmo de alguns que acumulam as maiores torcidas do país, também pode levar, guardadas as respectivas diferenças e características, a desfechos devastadores.

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1 Disponível aqui.

2 Disponível aqui.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.