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A Progressividade da Contribuição Previdenciária Após a EC nº 103/19 – Incongruências de um Modelo Protetivo Mal Resolvido

A Progressividade da Contribuição Previdenciária Após a EC nº 103/19 – Incongruências de um Modelo Protetivo Mal Resolvido.

16/11/2020

Não é de hoje que aponto uma conduta estatal patológica na gestão do sistema  previdenciário nacional, na qual o Governo Federal adota premissas bismarckianas dos clássicos sistemas de seguro social para afastar pretensões razoáveis de segurados e dependentes, mas sem fonte de custeio definida, enquanto, ao mesmo tempo, apresenta argumentos de sistemas universalistas de proteção social para impor contribuições sem qualquer contraprestação.

Essa infeliz realidade se reapresenta na aplicação da progressividade das contribuições previdenciárias após a EC nº 103/19. Anteriormente, somente existia no RGPS e de maneira bastante reduzida, o que não trazia maiores discussões concretas. Agora, o cenário é outro. Principalmente para servidores públicos, a nova dinâmica pode implicar aumentos substanciais, com alíquotas efetivas que podem superar os 18%!

No contexto brasileiro, o modelo protetivo, desde sua criação, segue a lógica dos sistemas de seguro social, nos quais há contribuições sobre salários, com quantificação do benefício futuro na proporção das contribuições. O modelo brasileiro difere de sistemas universalistas de proteção social, nos quais o financiamento, prioritariamente realizado por impostos, se submete a parâmetros de capacidade contributiva, viabilizando a progressividade tributária.

A previdência social, na acepção bismarckiana, tem forte correlação com a técnica do seguro, pois cabe ao interessado efetuar o pagamento do prêmio à seguradora visando a eventual indenização, além da filiação prévia à ocorrência do sinistro. Naturalmente, o seguro social apresenta algumas especificidades, como a cotização forçada e a existência de riscos previsíveis (e.g., idade avançada) dentre as necessidades sociais cobertas.

O modelo previdenciário escolhido pela Constituição de 1988, por não ser dotado de viés universal (que é da seguridade social), delimita as imposições previdenciárias, pois devem elas assegurar financiamento adequado ao modelo protetivo vigente, em perspectiva estritamente atuarial. Não se pode, em um simulacro de contribuição previdenciária, fornecer ao Estado o poder de tributar de acordo com manifestações de riqueza, o que é atributo dos impostos.

Exemplificando, a proposta de progressividade implicaria, em um seguro hipotético, a atribuição de prêmios mais elevados a segurados pelo simples fato de possuírem remunerações maiores, independente da sinistralidade aferida atuarialmente àquele determinado grupo ou pessoa. O financiamento da previdência social, especialmente em modelos bismarckianos, é o reflexo de um plano de custeio atuarialmente desenhado em prol de determinado universo de segurados e dependentes.

A solidariedade, inerente a qualquer seguro, mesmo privado, não implica o objetivo prioritário de redução das desigualdades ou a imposição contributiva de acordo com manifestações de riqueza, mas, unicamente, a repartição de riscos entre o grupo protegido, pois, por exemplo, uma pessoa que se torne inválida após poucos anos de trabalho terá direito ao benefício vitalício, custeado pelos demais membros do grupo. Essa é a correta aferição do atributo intrínseco da solidariedade em modelos de seguro social.

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Colunista

Fábio Zambitte Ibrahim é advogado, doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela PUC/SP. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social. Professor Associado de Direito Tributário e Financeiro da UERJ, árbitro do Comitê Brasileiro de Arbitragem - CBAr. Foi auditor fiscal da Secretaria de Receita Federal do Brasil e Presidente da 10ª Junta de Recursos do Ministério da Previdência Social.