Migalhas de Peso

O jovem predador

O mais grave na maturidade, e pior ainda na velhice, não é a perda das capacidades oftálmicas ou auditivas, que vão se reduzindo de forma inexorável, ou da memória. O mais grave a partir de certa idade, digamos assim chegando à maturidade até alcançar a velhice, é a perda da noção do ridículo.

4/3/2011

O jovem predador

Edson Vidigal*

Há quem diga na minha idade já não me cabe mais fazer isso ou aquilo. Ora, o mais grave a partir de certa idade não está em não fazer isso ou aquilo.

O mais grave na maturidade, e pior ainda na velhice, não é a perda das capacidades oftálmicas ou auditivas, que vão se reduzindo de forma inexorável, ou da memória.

O mais grave a partir de certa idade, digamos assim, chegando à maturidade até alcançar a velhice, é a perda da noção do ridículo. Não há nada mais ridículo do que um velho arrogante e ridículo.

Mas eu quero é falar bem dos velhos, melhor dizendo dos mais vividos, louvando-lhes a sabedoria, a prudência, essas coisas resultantes da experiência que se transmudam em grandes lições de vida.

Eu pensava nisso quando o Luiz Raimundo, meu quase irmão de uma vida inteira, que manda essa historinha, a qual para mim, e com certeza para você aí também, diz tudo no tema.

Uma idosa senhora levou seu velho vira-lata para um safári na África. Um dia, caçando borboletas, o velho cão, de repente, se deu conta de que se perdera.

Vagando a esmo, em busca do caminho de volta, remoendo aquele verso de José Américo, no caminho da volta ninguém se perde, ninguém se perde, o velho cão percebeu que um jovem leopardo o seguia.

Vendo uns ossos espalhados, restos da mesa farta de algum outro inimigo, o velho cão chegou mais perto, um olho nos ossos e outro olho no jovem predador que se aproximava e passou a fazer de conta que os roia.

Ao notar que o jovem predador estava na regressiva para lhe dar o bote, o velho cão calmamente, ajeitando aquela ossada com odor de véspera, falou alto e compassado, palavra por palavra que nem um rei gago lendo um discurso. Oh cara, este leopardo estava delicioso. Será que há outros por aí?

Ouvindo isso, o jovem leopardo, com um arrepio de terror, sustou o seu ataque e saiu arrancando a cem por hora como quem busca asas para se esconder nas nuvens. Carrajo! Exclamou num alívio. Essa foi por pouco. O velho vira-lata quase me pega.

Aqui entra em cena um macaco. Historia de leão que não tem macaco fica insossa. E o que faz o nosso distante ancestral? Esse jovem leopardo é um perigo e eu preciso da proteção dele. Engendrou.

O macaco contou então ao jovem predador que aquilo tinha sido uma inteligente jogada do velho cão. Fulo de raiva, o leopardo como se brincasse de surrão sai com o macaco nos ombros atrás do velho cão. Canalha, vais me pagar. Resmungou raivoso.

Novamente o velho cão surpreende. Ao ver os dois correndo, leopardo e macaco, mancomunados, querendo agarrá-lo, o velho cão fica na sua, de costas para o perigo, parado.

E só quando os dois estão bem perto, o velho cão novamente quase soletrando as palavras, que nem um rei gago, indaga num tom firme. E cadê aquele macaco? Estou quase morrendo de fome! Ele me disse que ia trazer outro leopardo para eu comer e não chega nunca!

Moral da história. Completa o Luiz Raimundo. Não subestime um cachorro velho. Idade e habilidade são mais que juventude e intriga. Sabedoria não vem apenas com idade. Vem com a experiência. Seja astuto. Mas nunca ridículo.

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*Ex-Presidente do STJ e Professor de Direito na UFMA


 

 

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