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O prazo de obra e a pandemia do novo coronavírus

É possível e provável que as empresas já estejam suportando grandes prejuízos por conta da decretação da Covid-19 como sendo uma pandemia global pela OMS.

12/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas.)

A OMS, no dia 11 de março de 2020, declarou a pandemia por Covid-19, doença causada pelo coronavírus denominado SARS-CoV-2. Diante do alto risco de contaminação, medidas de contenção foram adotadas em todos os países. Pessoas com restrições de locomoção, contato físico e o fechamento do comércio foram algumas das inúmeras ações para prevenir a propagação da doença.

Não é difícil deduzir que todos os setores da economia foram atingidos. Diante desse cenário, em que as formas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde para combater a propagação do novo coronavírus foram o isolamento social e a quarentena, alguns decretos foram regulamentados para que apenas os serviços e atividades considerados essenciais não fossem paralisados.

Dentre as ordens emanadas do Chefe do Executivo, o decreto 10.282, de 20 de março de 2020, especificamente no art. 3º, §1º, inciso LIV trouxe a atividade da construção civil como serviço essencial, de modo que, em tese, não haveria paralização nesse setor.

Acontece que mencionado Decreto não afasta os atos a serem praticados pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, que têm competência concorrente para legislar sobre saúde pública, conforme esclarece o artigo 23, inciso II, da CF de 1988 (ADI 6341 MC-Ref / DF ). Dessa forma, Estados e Municípios passaram a legislar sobre tal celeuma. Como exemplo, o município de Goiânia, o Estado de Pernambuco, Ceará e Paraná chegaram a determinar a paralisação das atividades no setor da construção civil.

Fato é que mesmo se todos os entes federativos concordassem com a essencialidade do serviço de construção civil e que não houvesse a paralisação das atividades, da mesma forma haveria afetação, uma vez que existe a falta ou alto custo dos insumos. Uma pesquisa realizada no final do ano de 2020 pela Confederação Nacional da Indústria mostrou que 68% dos empresários relataram falta de algum material para produção e 82% afirmaram que os preços das matérias-primas subiram em relação ao que havia antes da crise. Clique aqui.

De um lado, empresas e os compromissos assumidos com os compradores, clientes, fornecedores, empregados, dentre outros. E do outro lado, escassez de insumos e altas dos preços. Essa sucessão de acontecimentos, inevitavelmente, paralisou as construções e incorporações que estavam em andamento.

Nesse contexto, muitos questionamentos surgiram acerca do cumprimento dos contratos de incorporação imobiliária. Se podem existir atrasos em tempos normais, agora com a pandemia os cronogramas das obras poderão e, provavelmente, já estão sofrendo impactos extremos.

De modo geral e em tempos normais, os contratos de promessa de compra e venda de imóvel estabelecem a fixação de um prazo após a data prevista para a entrega da obra. Mencionado prazo é denominado “Período de Tolerância”. O STJ reconhece a validade do prazo de tolerância, desde que fixado até o limite de 180 dias (REsp 1.582.318).

Esse período de tolerância é reconhecido como fator de mitigação dos riscos da atividade, pois atenua os fatores de imprevisibilidade que costumeiramente afetam a construção civil, como o excesso de chuvas ou a escassez de mão de obra (REsp 1582318/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/9/17, DJe 21/9/17).

Nota-se que, mesmo com a possibilidade de aplicação do prazo de tolerância, o reconhecimento da pandemia ocorreu em março de 2020, ou seja, há 01 ano atrás, o que extrapola e muito o que fora decidido pelo STJ. Ademais, importante esclarecer que a pandemia de Covid-19 não se enquadra nos riscos normais de uma construção. Trata-se de uma situação imprevisível e extraordinária, diferente daquelas questões habituais, um caso fortuito, calamidade pública nunca antes ocorrida e, portanto, não prevista em lei até agora.

Nesse cenário, passou-se a discutir os efeitos jurídicos decorrentes nos contratos, invocando-se os institutos do caso fortuito e da força maior. O ordenamento jurídico prevê o caso fortuito ou de força maior no Art. 393 do Código Civil, delimitando a isenção de responsabilidade (quebra do nexo causal). Ainda, no parágrafo único caracteriza sua ocorrência, afirmando que “o caso fortuito e de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.

Assim, tratando-se de inadimplemento decorrente de caso fortuito, impõe-se o reconhecimento da ausência de culpa das construtoras e o retorno destas ao status quo ante, desacompanhado do pagamento de perdas e danos, bem como da aplicação de cláusulas penais, haja vista a presença de causas excludentes da responsabilidade civil.

Espera-se do Poder Judiciário uma avaliação de ampla ponderação, bem como o exame detalhado, dadas as consequências e impactos da COVID-19, ao cumprimento das obrigações contratuais pelas construtoras e incorporadoras. É possível e provável que as empresas já estejam suportando grandes prejuízos por conta da decretação da COVID-19 como sendo uma pandemia global pela OMS.

Camila Faria Gonçalves da Silva
Coordenadora do Escritório Mascarenhas Barbosa Advogados.

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