Migalhas de Peso

A responsabilidade dos juízes no combate à pandemia: Um antiexemplo

Em meio à crise sanitária em que temos mais três mil mortes por dia, num montante de mais de 300 mil e pouco mais de 12 milhões de infectados, tendo o Brasil como o epicentro e um potencial celeiro de variantes, podemos claramente deduzir que as linhas que conduzem as ações dos gestores públicos não são falsas.

7/4/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Há alguns dias, um juiz plantonista suspendeu, liminarmente, parte do decreto municipal de Franca 11.217/21 que impunha medidas restritivas para o combate a covid-19. Em uma decisão de oito páginas, assistiu-se a uma aberração ideológica de alguém que se dizia estar com a razão em meio a um povo alienado.

No texto, o julgador cita a planificação da economia (!)) e, não obstante, mistura alhos com bugalhos. Diz que estamos sendo vítimas de suspensões de garantias individuais (um fenômeno também nacional) “sob o enganoso pretexto de salvar vidas”.

Com efeito. Em meio à crise sanitária em que temos mais três mil mortes por dia, num montante de mais de 300 mil e pouco mais de 12 milhões de infectados, tendo o Brasil como o epicentro e um potencial celeiro de variantes, podemos claramente deduzir que as linhas que conduzem as ações dos gestores públicos não são falsas. Ademais, impor medidas restritivas em nada fere direitos e nada tem a ver com Estado de Defesa/ Sítio, afinal: 1- estamos sob a vigência da portaria que declara Emergência em Saúde de importância Nacional; 2- o Supremo Tribunal Federal decidiu que estados e municípios possuem competência para adotarem suas medidas para o combate à covid-19 — respeitando o Federalismo; 3- temos a lei 13.979 que trata da restrição de atividades;

Além disso, o ministro Luiz Roberto Barroso ao fazer uma interpretação conforme a Constituição da Medida Provisória 966/20, firmou que se configura erro grosseiro o ato administrativo que não estiver pautado na ciência e viola a vida (por sinal, uma garantia maior da Constituição Federal).

Vejamos, o governante estaria acertando, num momento em que a contaminação e os cadáveres encontram-se em expansão? Em que não existem leitos de hospitais possíveis de serem criados ante o número exponencial de pacientes que necessitam de intervenções severas? A resposta é não e, aí sim, vamos concordar — pena que o princípio é diferente —, quem sofre é a população mais pobre.

Ainda na mesma linha, afirmou-se que o princípio dos “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” está sendo aviltados; mais uma falácia! É necessário que se diga que antes do termo de adição “e”, o preceito não se resume ao simples fato de se exercer alguma atividade laboral, mas coloca como condição necessária, sendo leal ao inciso anterior, o respeito à dignidade da pessoa humana, sendo assim, conceder ao indivíduo condições de salubridade. Pergunta: é lícito expor os menos favorecidos à morte, sendo que são os que mais sofrem com acesso à saúde?

“Ah, mas como vão pagar as contas?” é aí que entra o papel do governo, com políticas públicas de intervenção na economia, com a distribuição de renda aos mais vulneráveis, apoio às empresas... Veja que não existe embate economia x saúde e muito menos segurança de desenvolvimento pleno da atividade econômica em um ambiente insalubre. Por isso que existe... Estado!

Como bom justiceiro social que é, o citado magistrado se pôs a fazer digressões sobre o lockdown, afirmando ser um método ineficaz. Entretanto, segundo o epidemiologista Pedro Hallal em entrevista ao Roda-Viva, “a redução da circulação através do lockdown, funcionou e tem evidências disso em toda a literatura mundial”, prova disso são Portugal e o Reino Unido.

Não se pode respaldar opiniões descompromissadas (ou tão somente alinhada com uma ideologia “non sense”) com o debate sério e feito por pesquisadores com posições. A forma de condução da crise pandêmica do Brasil, lastreada em divisionismo, anticiência, aglomeração, descontrole social deu mostras. Existem funções públicas e institucionais claríssimas, não cabendo ao Poder Judiciário imiscuir-se na política e em escolhas técnicas (no espaço próprio do Poder Executivo quando age baseado na ciência em evidências). Menos cloroquinas e afins e mais vacinas!

Espera-se que os juízes ajam por princípios sociais (como diria Ronald Dworkin) e não por política. Não existem liberdade sem compromisso. Não existe economia sem vida. Não existe vida sem organização. E não cabe ao juiz governar, mas delinear os espaços cabíveis pelo sistema de leis. Ah, a citada decisão citada logo no início do texto, caiu (foi revogada por outro juiz, que privilegia a vida). Precisamos vacinar o povo para lidar com a covid-19 e também da infodemia que aliena mentes.

Luiz Eugênio Scarpino Júnior
Advogado e professor em graduação, pós-graduação e extensão. Doutorando e mestre em Direitos Coletivos e Cidadania pela UNAERP. Pós Graduado em Gerente de Cidades, Direito Eleitoral e em Gestão Jurídica de Empresas.

Luís Augusto Pereira
Estudante de Jornalismo.

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