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Os valores dos pedidos e a limitação da condenação trabalhista

Não se pode, contudo, deixar de aplicar a legislação, ainda que sob a justificativa de que ela não seria adequada ao sistema legal trabalhista. A decisão do TST, nestes termos, reforça o entendimento de que a lei deve ser seguida e que a defesa dos interesses dos trabalhadores, talvez, devesse ter como foco a produção legislativa, não sua aplicação pelo poder judiciário.

10/11/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A reforma trabalhista, introduzida pela lei 13.467/17, mesmo após quase quatro anos de vigência, segue sendo adaptada ao regramento das relações de emprego, originariamente regulada pela Consolidação das leis do Trabalho (CLT). Recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) abriu novo debate e gerou discussões entre os operadores do direito trabalhista.

O debate está centrado na mudança de entendimento do TST de que a condenação não pode ultrapassar os valores dos pedidos lançados na petição inicial, conforme a nova redação dada ao artigo 840, parágrafo 1º da CLT. Pela regra antiga, o pedido, pelo rito ordinário, não precisava ter o valor correspondente lançado. Com a definição da condenação, passava-se à fase de liquidação, na qual eram elaborados os cálculos de liquidação de sentença, traduzindo-se em números o objeto da condenação.

Atualmente, nas reclamatórias trabalhistas escritas, o pedido deve ser certo, determinado e com indicação de seu valor. Consequência desta definição legal seria que a condenação não poderia ultrapassar o valor do pedido – máxima herdada do direito processual comum, conforme os artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil (CPC). Esta conclusão, contudo, não é unânime.

Na prática jurídica, verifica-se que há tribunais regionais lançando entendimento, em seus julgados, no sentido de que a correta aplicação da nova redação do artigo 840, parágrafo 1º da CLT, não significa imposição de liquidação dos pedidos, na petição inicial, sendo suficiente estimar o quantum correspondente à pretensão lançada. Os defensores desta tese consideram a hipossuficiência do empregado, consagrada pelo princípio da proteção, pilar do direito do trabalho. Militam, ainda, que a interpretação restritiva da letra fria da lei configuraria desrespeito a outros princípios informadores do direito do trabalho, como a oralidade e a informalidade. Em última análise, reputam que a manutenção do entendimento do TST acabaria por mitigar o direito de petição dos trabalhadores, obstaculizando o acesso à Justiça, garantido pelo artigo 5º, XXXIV da Constituição Federal.

O acórdão proferido pela 4ª Turma do TST, contudo, não enfrenta todas estas questões. A decisão representa a aplicação da literalidade da nova redação do artigo 840, parágrafo 1º da CLT, considerando que, como o caso posto à análise envolvia processo ajuizado na vigência da lei 13.467/2017, é dever da parte Reclamante a indicação de valores específicos aos pedidos formulados (art. 840, §1º, da CLT), e seus limites devem ser observados pelo julgador (arts. 141 e 492 do CPC/2015). A decisão consigna, ainda, tratar-se de questão jurídica nova, em relação a qual ainda não há jurisprudência pacificada no âmbito do TST ou em decisão de efeito vinculante no Supremo Tribunal Federal. Com base nestes elementos, foi fixada tese de que nas reclamações trabalhistas propostas após a entrada em vigor da lei 13.467/2017, deve-se seguir o determinado no §1º do art. 840 da CLT, e a expressão “com indicação de seu valor” limita a condenação do pedido ao valor atribuído na petição inicial.

Não se olvida que as alterações propostas pela reforma trabalhista, não raro, atingem a própria essência do direito do trabalho, que é a proteção do hipossuficiente, ainda que sob a justificativa de diminuir o volume de ações trabalhistas, atacando excessos vindicativos dos empregados. Não se pode, contudo, deixar de aplicar a legislação, ainda que sob a justificativa de que ela não seria adequada ao sistema legal trabalhista. A decisão do TST, nestes termos, reforça o entendimento de que a lei deve ser seguida e que a defesa dos interesses dos trabalhadores, talvez, devesse ter como foco a produção legislativa, não sua aplicação pelo poder judiciário.

Anamaria Medina Menezes
Advogada sênior e coordenadora da Área Trabalhista no Carpena Advogados.

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