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Água de graça no restaurante e bares fechando mais cedo: do que deveriam se ocupar os vereadores e deputados?

Em pesquisa do Datafolha publicada no início do mês, a população de São Paulo aponta 16 problemas que a atormentam: saúde, segurança, educação, transportes, falta de creches, Cracolândia, aumento da população de rua, drogas, desemprego, etc.

25/10/2023

Na cidade de São Paulo, a Câmara de Vereadores aprovou e o prefeito sancionou lei municipal que obriga restaurantes a fornecer água filtrada de graça a seus clientes. Tanto em primeira instância como no Tribunal de Justiça, a lei foi declarada inconstitucional. A Prefeitura apelou ao STF e ela está para ser julgada em definitivo. Sem esperar pela decisão, a Assembleia Legislativa do Estado elaborou e aprovou outra lei, no mesmo sentido e com os mesmos equívocos. Sancionada pelo governador, os efeitos da lei foram suspensos pelo TJSP em menos de 24 horas ao considerar “relevante o argumento relacionado à violação à livre iniciativa, o que já foi reconhecido pelo C. Órgão Especial em demanda similar, ajuizada pela mesma parte, contra a lei 17.453/20 do Município de SP, que dispunha sobre a oferta gratuita de "Água da Casa"”.

Pois bem, as empresas em geral oferecem produtos e serviços no mercado, cada qual tentando fazê-lo com a melhor relação preço qualidade possível. No restaurante, o dono tem um mix de produtos e procura distribuir sua necessidade de receita colocando preços adequados em cada um deles.  Já fornece diversos desses produtos sem cobrar: azeite, açúcar, sal, guardanapos etc., procurando agradar o cliente, que escolhe onde é melhor tratado. Neste aspecto, destaque-se, a concorrência é violenta e quem não se preocupa com essa forma de atendimento,  fecha as portas.

O primeiro mandamento de um pequeno negócio, que não tem crédito, não tem reservas, é ter receita maior que a despesa, ou, no fim do mês o infeliz investidor não conseguirá pagar os trabalhadores, fornecedores, fiscos (de três níveis), agua, energia, gás e meia centena de outros itens de custos, no mínimo. Quando quebram, mais que o investidor, saem prejudicados o nível de emprego, a arrecadação de tributos, a população, até o PIB.

Trata-se de uma tarefa complexa e ninguém melhor do que o dono para saber distribuir custos pelo mix, e ninguém sabe menos sobre isso que um deputado. Aliás, por que não se preocuparam em fazer um estudo? Avaliar o impacto? Como o restaurante tem que equilibrar despesas e receita, o que ele deixar de faturar com água, terá que ser acrescido em outro produto, e quem consumir este, pagará por aquele que consome a água, quiçá o mesmo cliente irá pagar em outro produto. Idem no fornecimento de certos outros produtos, como por exemplo, por ou não toalha de qualidade na mesa.

Portanto, a gentiliza de servir água sem que o cliente peça, ou por uma toalha de qualidade, fornecer manobrista etc., deve ser do proprietário que conhece e procura sempre agradar seu cliente.

Digamos que a lei é também algo esdrúxula: o Estado vende a água ao restaurante e quer obrigá-lo a fornecê-la de graça e filtrada. E neste ponto, mais uma anomalia: a lei é clara ao obrigar esse mesmo Estado a servir água saudável nas torneiras. Quem ler a justificativa da lei percebe que ela não é nada saudável. Ou seja, grande parte da população estaria sendo envenenada por partículas de chumbo e outros componentes? Mas sigamos, esperando que os deputados não resolvam determinar que os restaurantes tenham que também fornecer feijoada e sobremesa de graça. Afinal, se água pode...

ALÉM DE INJUSTA, A LEI É INCONSTITUCIONAL

Para evitar esse tipo de demagogia, para preservar o aperfeiçoamento do mercado, para estimular investimentos e empreendimentos, a Constituição Federal prevê o direito de o empresário gerir a empresa no mercado com autonomia, reservando intervenções desse mesmo Estado para situações imprescindíveis e relevantes. 

Nota-se na Carta Magna a importância dada à livre iniciativa, à liberdade econômica, à proteção da concorrência, normas estas atropeladas constantemente por vereadores e deputados pelo país.

Se há alguma dúvida sobre a constitucionalidade da lei, a Assembleia, órgão tão caro para o contribuinte, deveria pelo menos esperar a decisão do STF. E ir cuidando dos grandes problemas que tanto preocupam à população. Sem alternativa, a ABRASEL terá que procurar o Judiciário para defender o setor.

GUERRA A DIONÍSIO

Neste último dia 4, nesta mesma SP, a Câmara dos Vereadores volta a discutir aumento de multas e fechamento de bares mais cedo. A guerra aos bares, locais de sociabilidade, de amizade, de divertimento, fundamentais para a saúde mental, é algo constante. 

Fechar mais cedo, restringir atividade, aumentar as multas já exacerbadas, são formas comuns. Certos sujeitos excessivamente conservadores sempre odeiam bares. Eles acreditam que o mundo tem que ser um vale de lágrimas para que mereçamos o céu e, portanto, o bar é um antro de perdição, melhor seria imitar certos países árabes, proibindo a bebida e fazendo as mulheres andarem de burca.

Em pesquisa do Datafolha publicada no início do mês, a população de São Paulo aponta 16 problemas que a atormentam: saúde, segurança, educação, transportes, falta de creches, Cracolândia, aumento da população de rua, drogas, desemprego etc. É mais ou menos o que apontam os turistas internacionais pesquisados nos aeroportos, quando estão para deixar o país. À pergunta sobre o que acharam ruim, alinham algumas das complicações acima e incluem ainda poluição e trânsito. E quando perguntados sobre o que mais gostaram, esses mesmos turistas, sempre citam em primeiro lugar gastronomia e vida noturna. Então, do que deveriam estar cuidando os deputados?

No caso dos bares e restaurantes, pequenas empresas, poderiam se preocupar com a saúde delas. O setor é a maior fonte de empregos no país, especialmente do primeiro emprego. São milhares de estabelecimentos fragilizados, pendurados nos bancos devido a empréstimos tomados nos dias de pandemia,  e impossíveis de serem pagos após a explosão dos juros, fato demonstrado em sucessivas pesquisas da ABRASEL. Milhares quebraram e milhares ainda quebrarão se nada for feito.

Há ainda o gravíssimo drama da má distribuição de renda. Os donos de bares e restaurantes já descobriram que o maior gargalo para o crescimento do setor e a sobrevivência da empresa é ter clientes. Mas como ter clientes num país onde apenas 16% das famílias ganham mais de R$ 4 mil por mês? Onde a média de ganho mensal das pessoas não chega a R$ 1.500,00? Onde há 40 milhões de trabalhadores informais?

Sim, é mais difícil resolver grandes problemas da economia, da saúde, da segurança, da habitação, então é mais cômodo decidir que restaurantes devem dar água de graça, mesmo sem que o cliente peça ou fechar bares mais cedo.

Percival Maricato
sócio do Maricato Advogados Associados

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