INTRODUÇÃO
Se é inegável o avanço social da Carta Magna de 1988 ao eleger um órgão estatal vocacionado a defesa dos necessitados, conforme o Art. 134, o que mostrava um novo paradigma no sistema jurídico nacional, ao dar visibilidade e oportunizar que os desafortunados pudessem ter acesso à justiça, buscando garantir uma forma de isonomia substancial, além da própria dignidade da pessoa humana, cidadania, dentre outros.
É importante destacar que 35 anos após a promulgação da Constituição, avanços significativos ocorreram e a Defensoria Pública foi instituída em todas as unidades da federação, algumas a “passos de formiga e sem vontade”, após lutas e disputas políticas para garantir política pública essencial a consecução do acesso à justiça, previsto no Art. 5º, inciso XXXV.
Como a velha máxima do que “antes tarde do que nunca”, a instituição mais democrática do Sistema de Justiça angariou espaço e cresceu, longe de comparar com carreiras como Magistratura, Ministério Público, o que comprova uma resistência de atender parcela significante da população brasileira.
Contudo, longe de ser uma instituição perfeita, padece de velhos hábitos/vícios de todo e qualquer instituição governamental no Brasil: um excesso de branquitude e manutenção da ordem racial vigente.
Se não é possível exigir uma mudança radical nos padrões de práticas raciais via políticas afirmativas, o que leva tempo, investimento e persistência, não é possível também aceitar como natural que o perfil dos membros e membras das Defensorias Públicas ao longo de quase 10 anos da lei de Cotas Raciais em concurso público não tenha alterado praticamente nada, o que gera perplexidade e reflexões.
Aqui não há como não esquecer dos brilhantes trabalhos de Djamila Ribeiro e Silvio Almeida, os quais escancaram que o lugar do negro na sociedade brasileira não mudou desde fim da escravidão. Ainda sofremos com prática racista, colonialista, de colocar o negro em papéis subalternos, reproduzindo em todos os campos sociais, econômicos e políticos, uma barreira de acesso baseado na cor de pele.
O recorte do presente trabalho é justamente comprovar que nem mesmo a instituição mais democrática do Sistema de Justiça foge a razão cruel e inaceitável da seletividade racial, mesmo após a promulgação da lei de cotas, o que representa um importante questionamento se tal política afirmativa será capaz de surtir efeitos práticos, ou será apenas mais uma lei para “inglês ver”.
É certo que o artigo não pretende esgotar o assunto, até pela sua densidade e complexidade, mas é preciso questionar como a Defensoria Pública reproduz sistematicamente a mesma lógica que ela combate nas suas atuações institucionais, um paradoxo que não pode ser ignorado, e sim refletido e combatido à luz do racismo estrutural.
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