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Vitória do programa dos medicamentos genéricos

A alteração realizada pela ANVISA pode ser considerada positiva por duas razões: fortalece o programa de medicamentos genéricos, crucial para o SUS e o acesso à saúde no Brasil, e reduz a litigiosidade entre empresas.

20/12/2023

Após a consulta pública de nº 1137/23, a ANVISA passou a permitir a prática conhecida como "skinny label" alhures. O termo significa a permissão legal para que as bulas de medicamentos genéricos sejam parcialmente distintas das suas respectivas oriundas do registro de referência; em particular naquilo que se relaciona às indicações terapêuticas eventualmente protegidas por patente ou reivindicadas em pedidos de patente publicados.

Essa permissão, que passa a viger a partir de 6 de janeiro de 2024, está estabelecida na Resolução RDC 831, de 6 de dezembro de 2023. Factualmente, a nova RDC modifica a RDC 47/09 em que se achava estabelecido que as bulas de medicamentos genéricos e similares deveriam conter as mesmas informações que as dos medicamentos referência – com algumas exceções.

A nova regra traz segurança jurídico ao programa dos medicamentos genéricos na hipótese da ocorrência do “fenômeno das patentes de segundo uso”, em particular no tocante a litígios de contrafação fincados no “silêncio retumbante” da bula do medicamento genérico. As patentes de segundo uso são aquelas em que, após uma primeira patente sobre o composto/combinação de primeira geração, os titulares reclamam a proteção de um novo uso sobre o mesmo, então tido por inesperado ante o estado da técnica anterior. Esse segundo uso deve passar pelo trâmite de exame de pedido de patente do INPI e, apresentando todas os requisitos de patenteabilidade, pode gerar a concessão de uma respectiva patente.

Entretanto, existindo novo uso, poderia haver certa insegurança quanto à exploração do medicamento genérico. Isto se dá porque, como a regra antiga da ANVISA previa a bula do genérico deveria conter as mesmas informações que a do medicamento referência, titulares de tecnologia tendiam a alegar que a simples comercialização do genérico (com a dita bula) seria uma suposta forma de infração à patente.

Com a nova regra da ANVISA, dissipa-se este cenário, pois, o medicamento genérico poderá ter sua bula com a exclusão desse novo uso e deverá informar explicitamente a frase “Foram suprimidas as informações que se referem às indicações do medicamento protegidas por patente" em negrito.

Desse modo, a mudança promovida pela ANVISA pode ser vista como benéfica por duas razões: (a) de um lado, fortalece o programa dos medicamentos genéricos que é essencial para o SUS e o acesso à saúde no Brasil; e (b) de outro lado, diminui a litigiosidade entre sociedades empresárias.

Lívia Barboza Maia
Professora da Mackenzie Rio. Coordenadora do Curso de Extensão em Fashion Law PUC-Rio. Doutoranda e mestre em Direito Civil pela UERJ. Especialista em Direito da Propriedade Intelectual pela PUC-Rio. Sócia do escritório Denis Borges Barbosa Advogados.

Raul Murad Ribeiro de Castro
Doutor em Direito Civil pela UERJ. Professor da PUC-Rio. Sócio do Denis Borges Barbosa Advogados

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