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A nulidade de algibeira

A nulidade de algibeira - considerada por parte da jurisprudência como uma espécie de nulidade oportunista - ocorre quando a defesa deixa de arguir uma nulidade processual no momento em que é detectada, para apresentá-la por critérios de oportunidade e de conveniência, e em situação processual que lhe seja mais favorável.

25/12/2023

A nulidade de algibeira - considerada por parte da jurisprudência como uma espécie de nulidade oportunista - ocorre quando a defesa deixa de arguir uma nulidade processual no momento em que é detectada, para apresentá-la por critérios de oportunidade e de conveniência, e em situação processual que lhe seja mais favorável:

"A jurisprudência dos Tribunais Superiores não tolera a chamada 'nulidade de algibeira' - aquela que, podendo ser sanada pela insurgência imediata da defesa após ciência do vício, não é alegada, como estratégia, numa perspectiva de melhor conveniência futura" (AgRg no RHC 170.700/PE, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/9/22, DJe de 4/10/22).

Trata-se de teoria que deve ser aplicada com parcimônia, uma vez que as nulidades absolutas – aquelas que não se convalidam com o transcurso do prazo legal – podem ser arguidas em qualquer momento processual, mesmo após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Nesse sentido, a nulidade de algibeira foi corretamente relativizada na análise do HC 733.751/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 12/9/23, DJe de 20/9/23, onde foi reconhecida a violação ao princípio do contraditório e, consequentemente, foi concedida ordem de habeas corpus para excluir o aumento de pena decorrente de sentença ultra petita, que agravou a pena do paciente sem a existência de pedido expresso do órgão de acusação:

Ao acolher a agravante não requerida, expressamente, no recurso acusatório, a Corte local incorreu em julgamento ultra petita, violando, ainda, o princípio do contraditório, na medida em que a Defesa foi colhida de surpresa, pois, se tal matéria não constou nas razões do apelo ministerial, evidentemente, não pôde ofertar as devidas contrarrazões nesse ponto.

Em outro caso que envolveu a relativação da nulidade de algibeira, o STJ deu provimento a recurso especial que comprovou que a citação por edital do recorrente ocorreu de forma irregular, prejudicando-o. Essa decisão foi suficiente para anular a decisão de primeiro grau e, devido ao extenso lapso temporal existente entre a decisão declarada nula pelo STJ e a data em que o recurso especial foi julgado, declarar a prescrição da pretensão punitiva existente entre o recebimento da denúncia e a prolação de sentença condenatória:

"As instâncias ordinárias não demonstraram o esgotamento das vias para citação pessoal do agravado, fazendo menção apenas à frustração dos mandados de prisão, de modo que demonstrado o prejuízo, tanto que suspenso o prazo prescricional. Assim, a finalidade do ato não restou atingida, pois inquinado de vício insanável o processo, devendo, portanto, ser reconhecida a sua nulidade" (AgRg no AREsp 353.136/MT, de minha relatoria, Quinta Turma, julgado em 2/4/19, DJe de 8/4/19).

Em outro caso semelhante julgado pela egrégia Sexta Turma do STJ, o eminente relator do caso, Ministro Sebastião Reis Júnior aplicou a nulidade de algibeira, e desproveu o recurso, pois entendeu que a defesa do paciente escolheu o momento processual mais conveniente para arguir a tese de nulidade da citação por edital:

Hipótese em que a denúncia foi oferecida em 1997, tendo a ação penal sido suspensa em 12/2/01, em face da citação por edital e inércia do acusado. Em 18/8/10, o réu foi preso preventivamente, o que ensejou a constituição de defensor para atuar na ação penal. Após essa ocasião, o acusado teve pelo menos três momentos (resposta à acusação, alegações finais e razões de apelação) para a alegar a nulidade da citação por edital, mas não o fez, deixando para alegar o vício após o trânsito em julgado da condenação, por meio de habeas corpus impetrado no Tribunal de origem.

Inexiste ilegalidade no acórdão do Tribunal a quo que julgou preclusas a nulidade da citação por edital e as delas decorrentes (produção antecipada de provas - sentença), pois não cabe, na via eleita, suscitar vício atingido pela preclusão, sob pena de se admitir a "nulidade de algibeira". (AgRg no RHC n. 171.945/PA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 22/5/23, DJe de 26/5/23.)

Por reputar preclusa a oportunidade de se requerer a perícia de imagens que instruíram a denúncia, e por considerar que a sentença condenatória foi fundamentada em outras provas que comprovavam a autoria delitiva, a egrégia Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça aplicou a nulidade de algibeira para refutar a pretensão da defesa que buscava a nulidade da sentença condenatória. Confira trechos da ementa do AgRg no HC n. 769.004/PR, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJ/DFT), Sexta Turma, julgado em 21/3/23, DJe de 24/3/23:

Nesse contexto, não há como reconhecer a nulidade pela ausência de perícia nas imagens, haja vista que tal requerimento foi feito após o término da instrução processual. Além disso, o Juízo de 1º grau pontuou que, além de haver outras provas que corroboravam a existência da autoria delitiva, não havia necessidade de conhecimento técnico para analisar a imagem.

No julgamento do AgRg no HC 791.007/PB, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 13/3/23, DJe de 23/3/23, onde foi comprovado que a defesa deu causa à nulidade, pois deixou de apresentar as razões de apelação dentro do prazo legal e de diligenciar sobre o correto andamento da ação penal, foi aplicado o artigo 565 do CPP, para desprover o agravo regimental interposto contra decisão que não conheceu do habeas corpus:

“A própria Defesa, ao deixar de apresentar as razões de apelação no prazo legal e tampouco diligenciar sobre o andamento do processo teria dado causa ou, ao menos, contribuído para a ocorrência da suposta nulidade que ora argui, o que, aparentemente, atenta contra o princípio supracitado.”

No mesmo sentido, no julgamento do AgRg no HC 758.849/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 28/11/22, DJe de 2/12/22, se aplicou a nulidade de algibeira para desprover recurso, onde se questionava a arguição intempestiva de competência de órgão judicante:

A defesa deixou de suscitar oportunamente a incompetência da Câmara Criminal, apenas ventilando a questão após o resultado desfavorável do julgamento.

Com efeito, a denominada nulidade de algibeira é a aquela na qual a defesa suscita eventual nulidade não arguida no momento oportuno, a fim de avantajar-se do suposto vício de forma oportuna no futuro.

Tal manobra é rechaçada pelo Superior Tribunal de Justiça porque não se coaduna com o princípio da boa-fé que deve nortear as relações jurídico-processuais.

Ainda que houvesse alguma irregularidade, o reconhecimento de nulidade no curso do processo penal, seja absoluta ou relativa, reclama efetiva demonstração de prejuízo, à luz do art. 563 do Código de Processo Penal, segundo o princípio pas de nullité sans grief, o que não ocorreu no presente caso.

Em linhas gerais, a jurisprudência do STJ tem aplicado a nulidade de algibeira quando a tese defensiva busca a nulidade de um ato processual sem demonstrar o prejuízo causado ao seu constituinte. Se o objetivo do recurso dirigido ao Superior Tribunal de Justiça tem como pretensão mediata a declaração de nulidade de decisão judicial pretérita, é importante que a tese de defesa demonstre objetivamente ao julgador que a nulidade ora apresentada à Corte causou prejuízo ao jurisdicionado, uma vez que o artigo 563 do CPP é claro ao dispor que é obrigação da defesa demonstrar que a eventual decisão arbitrária causou algum tipo prejuízo insanável.

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Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941.

AgRg no RHC n. 170.700/PE, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 4/10/2022.

HC n. 733.751/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 20/9/2023.

AgRg no AREsp n. 353.136/MT, de minha relatoria, Quinta Turma, julgado em 2/4/2019, DJe de 8/4/2019.

AgRg no RHC n. 171.945/PA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 22/5/2023, DJe de 26/5/2023.

AgRg no HC n. 769.004/PR, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 21/3/2023, DJe de 24/3/2023.

AgRg no HC n. 791.007/PB, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 13/3/2023, DJe de 23/3/2023.

AgRg no HC n. 758.849/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 2/12/2022.

AgRg no HC n. 758.849/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 2/12/2022.

Ricardo Henrique Araujo Pinheiro
Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.

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