Migalhas de Peso

Lei orgânica e a reciprocidade estatal: Dos ataques em escolas às “síndromes policiais”

Quando a valorização policial não encontra respaldo nas atribuições funcionais.

25/4/2024

Na semana passada, 17/4, a ABIN - Agência Brasileira de Inteligência realizou um importante evento na ALESC - Assembleia Legislativa de Santa Catarina, onde reuniu mais de 200 representantes do SISBIN-SUL - Sistema Brasileiro de Inteligência de diversos órgãos dos Estados do Sul – além de acadêmicos, parlamentares e membros da sociedade civil –, para debater os ataques em escolas, no contexto do extremismo violento.1

Diante das palestras e painéis, um ponto comum: A importância das polícias neste processo de prevenção e combate às atrocidades cruéis e de cunho terrorista perpetradas em escolas.

O que inicialmente pode parecer óbvio – a relevância e protagonismo das polícias nesta pauta –, precisa ser cuidadosamente debatido e seriamente ratificado.

Diante de tantos "mentes" no texto, ou das mentes que mentem sobre o tema, é preciso mais um que argumente. Isto, pois, notadamente, não existem polícias sem policiais, prevenção sem a atividade de Inteligência e combate/enfrentamento sem instituições de segurança pública treinadas, equipadas e interligadas.

Lisonjeadas ou toleradas? Louvadas ou difamadas? Embora bem conceituadas, mal remuneradas! Talvez, desoladas. Quanto às instituições e seus membros, reflitamos!

Novamente, o óbvio precisa ser dito: Não existem polícias sem policiais! Homens e mulheres que, diuturnamente, 24h por dia e mesmo de folga, férias ou licenças, têm o dever de servir e proteger a sociedade; ou alguém esqueceu do papel do garantidor lá do artigo 13, §2, "a", do Código Penal2?

Aquele regramento cujo texto legal amolda que:

"Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido."

"§2 a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância".

Ou seja, "tal dispositivo prevê punição àquele que, tendo o dever legal de agir e podendo fazê-lo, se omite ante o acontecimento de um crime. É a chamada ‘relevância penal da omissão’; papel do ‘garantidor’ ou ‘garante’". Foi o que pude explicar no ano de 2022 em artigo intitulado "Policiais desarmados nas eleições e o paradoxo penal do ‘Garantidor’".3

O fato é que essa moldura típica recai àqueles que abrem mão do convívio familiar e da própria tranquilidade mental para, simplesmente, exercer seu labor: Os policiais! 

Eis que diante desse claro e evidente papel na sociedade, a lei orgânica nacional das polícias civis (14.735/23)– que em linhas gerais unifica o regramento legal acerca dos direitos, deveres e garantias da categoria nos Estados e no DF –, fora sancionada com inúmeros e decepcionantes vetos presidenciais.

Destaca-se que inúmeros direitos foram vetados, como o pagamento de indenizações (por insalubridade, periculosidade e trabalho noturno), de ajuda de custo em remoção, do auxílio-saúde com caráter indenizatório e das licenças-gestante, maternidade e paternidade e, inacreditavelmente, o regramento da carga horária máxima semanal de 40 horas, com direito a horas extras. Isso mesmo!

Tamanho descalabro ganhou contornos irônicos: A necessidade de articulação no Congresso Nacional a fim de rejeitar tais vetos presidenciais à lei orgânica da polícia civil e que, até o fechamento deste texto, teve sua votação adiada e sequer foi apreciado.

Diante de tanta "composição política", é de se pensar que tais direitos possam ser interpretados como favores a quem arrisca a própria vida ao adentrar em uma escola que está sendo alvo de um terrorista suicida, por exemplo.

É preciso reciprocidade do Estado com os policiais, mormente no que tange à remuneração e às perspectivas funcionais nas carreiras. Isso que não adentramos à temática da saúde mental destes profissionais, o que certamente ensejaria outro artigo.

Voltando ao ponto, é como se vivenciássemos no Brasil, atualmente, síndromes. Tanto a chamada "síndrome de Estocolmo" 5, como a "síndrome do Impostor" 6.

Na primeira, as vítimas de extorsão mediante sequestro ou cárcere privado, desenvolvem um sentimento de cumplicidade, solidariedade, lealdade e até de amor por seus algozes raptores. Causas ligadas à sobrevivência e uma espécie distorcida de gratidão.

Já na segunda, se está diante de indivíduos com tendência à autossabotagem por construir, mentalmente, uma percepção de insuficiência, incapacidade ou incompetência, vindo a se colocar em posição de demérito; mesmo tendo habilidades comprovadas por resultados positivos. Componentes de baixa autoestima, níveis altos de cobrança e sensação de não merecimento.

Coincidentemente ou não, oportunamente o momento exige, também, uma profunda reflexão daqueles que operam a segurança pública.

Reflexões como as já materializadas no texto "Advocacia brasileira num olhar para si; interseções à ‘Teoria dos Jogos e Processo Penal’", ao dizer que "um verdadeiro olhar para si, onde o autoconhecimento, as expectativas profissionais e o cenário jurídico que estão inseridos devem ser a tônica de uma atuação profissional proba, respeitosa e, assim, respeitada". 7 Facilmente, trecho aplicável ao escopo da aqui presente discussão.

Por fim, conclui-se com pensamentos que, reiteradamente, já foram expostos. No artigo "Policiais desarmados nas eleições e o paradoxo penal do ‘Garantidor’", alertamos que "tal celeuma expõe, talvez, muitas nuances que só os operadores da segurança pública - aqueles que sentem ‘o cheiro das ruas’ -, experienciam: a criminalização da polícia e, agora, uma espécie de cerceamento da sua cidadania. Afinal, policial o é 24h por dia, 7 dias por semana; até quando vota." 8

Sumariamente, os direitos policiais não podem ser tratados sucintamente, abruptamente, vagamente ou inclemente pelo Estado.

Afinal, a sociedade não pode estar à margem de tantos "mentes", àqueles de cujas mentes mentem quando discursam genericamente pela valorização da segurança pública. Obviamente, o país precisa daqueles que aumentem o valor dos policiais!

Pelos policiais, incessantemente, FORÇA & HONRA!

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1 Disponível em: https://www.gov.br/abin/pt-br/centrais-de-conteudo/noticias/inteligencia-da-regiao-sul-discute-a-prevencao-de-ataques-em-escolas

2 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal.

3 Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/374513/policiais-desarmados-nas-eleicoes-e-o-paradoxo-penal-do-garantidor

4 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14735.htm

5 Disponível em: https://itopsiquiatria.com/tratamento-psiquiatrico/sindrome-de estocolmo/#:~:text=A%20terapia%20cognitivo%2Dcomportamental%20pode%20ajudar%20as%20v%C3%ADtimas%20da%20S%C3%ADndrome,desenvolver%20habilidades%20de%20enfrentamento%20saud%C3%A1veis.

6 Disponível em: https://www.napratica.org.br/o-que-e-sindrome-do impostor/#:~:text=%E2%80%9CA%20s%C3%ADndrome%20do%20impostor%20%C3%A9,sensa%C3%A7%C3%A3o%20de%20incapacidade%20e%20dem%C3%A9rito.

7 Disponível em: https://www.juscatarina.com.br/2023/11/28/advocacia-brasileira-num-olhar-para-si-intersecoes-a-teoria-dos-jogos-e-processo-penal-por-thiago-de-miranda-coutinho/

8 Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/374513/policiais-desarmados-nas-eleicoes-e-o-paradoxo-penal-do-garantidor

Thiago de Miranda Coutinho
Especialista em Inteligência Criminal, escritor de livros, articulista nos principais veículos jurídicos do país e integrante do Corpo Docente da Acadepol (PCSC). Graduado em Jornalismo e Direito.

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