Migalhas de Peso

Verdade, falsas memórias, equívocos, erros e similares

Nas relações de trabalho, ambas as partes devem prestar informações verdadeiras na contratação. Tanto o candidato a empregado quanto o empregador.

9/4/2025

Nas relações de trabalho, ambas as partes devem prestar informações verdadeiras na contratação. Tanto o candidato a empregado quanto o empregador. O candidato quanto às suas qualificações e o empregador quanto aos benefícios que virá a oferecer. Acredito que se houver falhas relevantes poderá haver, por um lado justa causa, e por outro lado, motivo para pedido de rescisão indireta. As tratativas iniciais já geram obrigações. Lembro os arts. 482 e 483 da CLT.

Ao longo do contrato, ambas as partes devem manter transparência. O meu colega de turma julgadora, no TRT, do Rio Grande do Sul, Francisco Rossal de Araújo realizou seu estudo de mestrado sobre a boa fé e tem o livro publicado sobre o tema.1 O trabalhador deve cuidar do seu bom comportamento e o empregador deve dar transparência ao funcionamento e, inclusive, saúde financeira da empresa.

Já trabalhei em caso que os trabalhadores tinham dúvidas sobre a continuidade da empresa ou sua venda. Era no auge da pandemia, em 2020. Realizamos uma inspeção virtual. Todas as máquinas estavam lá e houve tranquilidade suficiente para continuidade das audiências, em mais duas ou três semanas, de mediação coletiva.2

Ambas as partes podem documentar a relação com o uso da tecnologia, com o cuidado de respeitar a vida privada. A Lei Geral de Proteção de Dados, lei 13.709, de 14/8/18, ainda merece maiores estudos e observação.

Há mais tempo, atuei em caso no qual a empresa buscou investigar sobre a relação da trabalhadora com sua mãe para saber onde ela dormia e quantos vales transportes teria direito. Não aceitei porque um pequeno valor de 1 ou de 2 vales transporte não justificava buscar a verdade sobre uma relação de filha com mãe, que tem outros valores e relevância muito maior. Aliás, fugia à competência da Justiça do Trabalho, examinar questões complexas de direito de família.

Ambas as partes podem defender-se com prova oral e com o uso dos meios tecnológicos existentes. O cuidado é com o respeito à vida privada do empregado e com os dados internos da empresa, quanto a concorrência por exemplo. Na esfera penal se conhece e não se aceita o flagrante preparado; aqui, igualmente, não.

O CP tem o art. 342 de falso testemunho. A lei 13.467 acrescentou a previsão de multa para a testemunha faltosa, art. 793-B. A jurisprudência, com poucas exceções, sempre foi no sentido de que a mentira para caracterizar o crime há de ter sido relevante e ter influenciado decisivamente na decisão. Não é a simples mentira.

Outras áreas do conhecimento têm estudos avançados sobre as falsas memórias. Lembram-se os estudos de Elizabeth Loftus da Califórnia, Estados Unidos3, Jorge Trindade4 e Lílian Milnistky Stein5 do Rio Grande do Sul, Graziella Ambrosio de São Paulo6, bem como relevante evento da Ordem dos Advogados do Rio Grande do Sul, no tema neurociência e processo, com Lia Rejane Muller Bevilaqua e Juan David Giraldo Roja, este segundo da Colômbia7.

Na esfera penal, tem importância o debate sobre os erros de julgamento. Por isto mesmo, existe nos Estados Unidos importante organização social cuidando de casos extremos.8 Existe entidade semelhante no Brasil. Quanto a lamentável erro de reconhecimento de réu e pessoa inocente, que estava em local bem distante, todos conhecemos a canção Hurricane, de Bob Dylan.9

Eros Grau lembrou interessante livro de ficção. Trata de quatro romances bem diferentes, os exatos mesmos personagens e supostos mesmos fatos.10

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1 Francisco Rossal de Araújo, A Boa-fé no Contrato de Emprego, São Paulo: LTr, 1996.

2 Foi em 22 de junho de 2020, na empresa RHI – Indústria e Beneficiamento de Calçados Ltda, com o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçados, Componentes para Calçados e Vestuário de Três Coroas. Atuaram os advogados Rodrigo Baptista, Eduardo Vitorazzi e o Procurador do Trabalho Paulo Eduardo Pinto de Queiróz.

3 Elizabeth Loftus, vídeo Tus recuerdos son como Wikipedia, se pueden modificar, https://www.youtube.com/watch?v=A4as8IP8tf0

4 Jorge Trindade, Psicologia Judiciária para a Carreira da Magistratura, com Elise Trindade e Fernanda Molinari. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

5 Lílian Milnistky Stein, da PUC RS, com vídeo sobre Reconhecimento Pessoal e Depoimentos Forenses, in https://www.youtube.com/watch?v=XGoxZhwvqjc&list=PLoMAo6kRgwrMrzlB54YldhcwJn-SJYCG6

6 Graziella Ambrosio, vídeo sobre Psicologia do Testemunho: técnicas de entrevista cognitiva in https://www.youtube.com/watch?v=5hDza4sRyG8&t=14s

7 Jornada de Neurociência e Processo, Escola Superior de Advocacia da OAB RS in https://www.youtube.com/watch?v=uPoE4hUsWok&feature=youtu.be

8 Rede de inocência, EUA https://innocencenetwork.org/

9 Bob Dylan, Hurricane, https://www.youtube.com/watch?v=M05L3u4Sxbg

10 Eros Grau lembrando livro de ficção com quatro romances diferentes e os exatos mesmos personagens, momento 14min30seg de https://www.youtube.com/watch?v=urhOHgY09io

11 Este tema foi objeto entrevista para a Radio Justiça, em abril de 2025, agendada por Gabriel Borges Fortes, da Divisão de Imprensa e Jornalismo do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, RS. Aqui, tem acréscimos e os links referidos, novamente acessados.

Ricardo Carvalho Fraga
Desembargador do Trabalho - TRT/RS

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